Opinião
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9 de junho de 2010
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19:18

Dívidas Camponesas

Por
Sul 21
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Causas e Soluções para um Problema Bendito

Frei Sérgio Antônio Görgen*

O valor global das dívidas dos Pequenos Agricultores e assentados com dificuldades de pagamento (vencidas e vincendas) talvez passe um pouco de R$ 20 bilhões, um valor muito pequeno em relação aos investimentos sociais do estado brasileiro e em relação aos benefícios sociais e econômicos produzidos por esta forma de agricultura. O que exige solução excepcional não passa de R$ 8 bilhões. É realmente muito baixo se comparado com as dívidas do Agronegócio. Segundo a Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG) suas dívidas sem condições de pagamento giram em torno de R$ 110 bilhões. Segundo a ABAG, seriam impagáveis. Este endividamento, sim, não encontra bases para se justificar, pois desnuda um modo de agricultura insustentável que irriga fortunas aos cofres das multinacionais e deixa para traz uma montanha de dívidas para a sociedade pagar, gerando poucos empregos, devastando matas, degradando solos e secando mananciais de água.

E se considerarmos o volume de produção dos pequenos agricultores (40% da produção agropecuária global do país e 70% do abastecimento interno), a importância da agricultura camponesa no abastecimento alimentar do país, sua importância social na geração de emprego e na ativação da economia dos pequenos e médios municípios. Sob esta ótica, o conjunto das dívidas da agricultura camponesa é insignificantes perto do benefício gerado para a sociedade. E se comparada com o endividamento do agronegócio, é irrisória e com enorme retorno social e ambiental.

As causas deste endividamento e do descompasso entre dívidas e capacidade de pagamento, não são recentes. Estas causas remetem aos últimos 25 anos de custos de produção muito altos, preços baixos, secas freqüentes, empobrecimento no campo, falta de políticas públicas de comercialização, desmonte do sistema público de assistência técnica, falta de seguro agrícola, crédito caro e insuficiente, baixa produtividade, estrutura fundiária injusta, enfim, um modelo agrícola equivocado que enriqueceu as indústrias de insumos e as tradings exportadoras e empobreceu o povo do campo. O Estado Brasileiro e suas políticas equivocadas é o responsável por este endividamento.

Durante os anos 1985 até 1998, quando o PRONAF começou a ser acessado em maior escala, os camponeses não tiveram acesso a crédito. Neste longo período sem crédito público, os agricultores financiavam a produção nas agropecuárias privadas. Muitos abandonavam o campo. Desta forma, os primeiros créditos do PRONAF, não raro, serviram para quitar dívidas privadas e estruturar as unidades camponesas para produzir. A partir de 2003 há uma maior expansão do crédito, o que permite que milhões permaneçam no campo e melhorem suas condições de vida e produção, estancando o êxodo rural. Os resultados positivos foram captados pelo Censo Agropecuário de 2006. Neste sentido é justo afirmar que esta pequena dívida é um problema bendito, pelos bem que trouxe a tanta gente.

Desta forma, cumpre reconhecer, o atual governo, desde 2003, é que vem criando alguns mecanismos de políticas públicas para reverter esta situação.  Durante o Governo do Presidente Lula foram criados vários mecanismos importantes que estão tendo e terão impactos positivos no futuro – seguro agrícola, garantia de preços mínimos, garantia de comercialização, programas de aquisição de alimentos, crédito barato, energia elétrica no campo, assistência técnica – mas não suficiente para carregar o peso do passado que ainda sobrecarrega o financiamento agrícola da agricultura camponesa. São mecanismos, em sua maioria, muito recentes e ainda em condições insuficientes para reverter em pouco tempo todo peso do passado acumulado nos últimos 25 anos. Este peso tornou-se maior diante das intempéries climáticas, secas e enchentes, que afligiram os pequenos agricultores nos últimos anos, o que fez com que parte das mesmas fossem prorrogadas para anos seguintes, provocando um grande acúmulo destas prorrogações nos anos de 2010 e 2011. Parte delas serão pagas, mas pagar todas é impossível, pois os preços agrícolas continuam, via de regra, baixos. Isto  permite baixa inflação no país e oferta abundante de alimentos baratos.

Por isto se faz necessário tratar o conjunto das dívidas e dar uma solução estrutural e de longo prazo. Neste sentido, a proposta de um rebate que saneie pela raiz o endividamento passado é a melhor solução. Empurrar com a barriga só joga problema para frente.

A proposta dos Movimentos da Via Campesina é consolidar todas as dívidas da agricultura de pequeno porte (inclusive as dívidas dos pequenos agricultores integrados cujos financiamentos são tomados pelas empresas integradoras em nome dos agricultores – frango, fumo, porcos, etc) num contrato único, dar um rebate fixo tendo como referência o valor de R$ 10.000,00 por família e prazo de quinze (15) anos com juros fixos para pagar o saldo devedor. Isto dará condições a todos quitar suas dívidas, diminuir seu peso nos próximos anos e dar condições para continuar produzindo alimentos, gerando emprego e desenvolvimento no campo e nas cidades, de modo especial, nas cidades do interior do Brasil.

* Frade Franciscano, participante do Movimento dos Pequenos Agricultores, MPA e da Via Campesina Brasil.


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