Coronavírus
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18 de janeiro de 2022
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18:48

Especialistas explicam que vacina contra a covid é segura, eficaz e necessária para crianças

Por
Luciano Velleda
lucianovelleda@sul21.com.br
Vacinação de meninos e meninas começou no último fim de semana em diversas capitais do Brasil. Foto: Prefeitura de Aracajú/Divulgação
Vacinação de meninos e meninas começou no último fim de semana em diversas capitais do Brasil. Foto: Prefeitura de Aracajú/Divulgação

A vacinação de crianças entre 5 e 11 anos de idade contra a covid-19 começa nesta quarta-feira (19) no Rio Grande do Sul. Aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) no dia 16 de dezembro do ano passado, o período de um mês foi tempo suficiente para o governo de Jair Bolsonaro (PL) realizar uma audiência e consulta pública sobre o tema e o presidente dar diversas declarações contrárias a imunização das crianças.

A consequência era previsível. Sem uma campanha oficial de esclarecimento na mídia, não são poucos os pais e mães com dúvidas e receios de levar o filho para se vacinar. As principais incertezas são sobre a segurança do imunizante da Pfizer (o único aprovado até o momento para uso infantil), os eventuais efeitos adversos, como a miocardite, e inclusive a real necessidade de vacinar as crianças.

Para colaborar com tais esclarecimentos, o Sul21 conversou com o pediatra Juarez Cunha, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) e membro do Comitê de Infectologia da Sociedade de Pediatria do Rio Grande do Sul, e com a epidemiologista Lucia Pellanda, reitora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA).

Cunha recorda que, ao longo da pandemia, foi se consolidando a ideia de que as crianças correm menos risco e quando contaminadas costumam evoluir de forma mais favorável, com menos chance de morrer se comparadas com outros grupos, como idosos e pessoas com comorbidades.

Porém, com o passar do tempo, foi-se percebendo que a situação não era assim tão cômoda. Mais de 2.500 crianças e adolescentes morreram de covid-19 no Brasil nos dois anos da crise sanitária. Deste total, mais de 300 tinham entre 5 e 11 anos de idade. Foram mais de 34 mil internações hospitalares de crianças e adolescentes por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), sendo 6 mil de crianças na faixa etária de 5 a 11 anos.

O pediatra também destaca a situação das crianças que desenvolveram quadros de Síndrome Inflamatória Multissistêmica, que ocorre com outros vírus, mas tem sido característica da covid-19. No Brasil, o pediatra enfatiza que já houve 86 mortes causadas pela Síndrome (incluídos no total de 2.500 óbitos) e quase 1.500 casos notificados. E há também a chamada “covid longa” — sintomas e complicações que permanecem por bastante tempo –, com cada vez mais relatos na pediatria.

“A repercussão da doença (em crianças), apesar de não se comparar com outros grupos, já causou 300 mortes no Brasil. Se comparar com outros países, é de dez a vinte vezes maior”, afirma, ponderando que a alta mortalidade no País pode ter relação com a falta de estrutura, acesso à saúde ou colapso da rede.

“Temos uma mortalidade muito superior a de outros países, e temos vacinas que protegem. Atualmente, a covid é chamada uma doença imunoprevenível, ela é evitável por vacina, em especial as formas moderadas à graves”, explica o presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações.

Para enfatizar a segurança das vacinas, o pediatra reforça que o imunizante da Pfizer passou pelas fases 1, 2 e 3, sendo que a eficácia medida na fase 3 foi semelhante a de adultos, ou seja, acima de 90%, principalmente para as formas graves da doença. Os estudos foram publicados internacionalmente e avaliados pela Anvisa e outras agências regulatórias do mundo. “A gente defende a utilização de uma vacina licenciada pela Anvisa, com avaliação de eficácia e segurança, dois critérios fundamentais pra utilizar qualquer vacina”, diz.

Cunha recorda que a vacina da Pfizer tem sido aplicada em crianças nos Estados Unidos desde novembro do ano passado, com mais de 8 milhões de doses utilizadas, sendo que a maioria dos eventos adversos – que podem ocorrer com qualquer imunizante – foram leves e moderados. O pediatra destaca que reações graves como a miocardite são raras e, mesmo assim, os poucos casos ocorridos nos Estados Unidos evoluíram bem, sem maiores complicações. Por outro lado, o risco de doença cardíaca causada pela covid-19 é alto.

“A covid leva a miocardite e a pericardite de uma forma muito mais frequente do que os raríssimos efeitos adversos que podem acontecer com a vacina. Todas as agências regulatórias colocam que o benefício da vacinação supera em muito o risco que pode ter de efeito adverso. Temos uma oportunidade muito boa de proteger a criança e o ambiente em que ela vive. Todas as sociedades científicas recomendam a vacinação de crianças”, explica o pediatra.

Por sua vez, a epidemiologista Lucia Pellanda, reitora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), pondera que a miocardite causada pela covid-19 pode ser tornar crônica e para o resto da vida.

Dúvida recorrente entre os pais é a ideia de que o filho já pegou covid-19 e então está protegido, não precisando se vacinar. O presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações pondera que reinfecções são recorrentes. Já ter sido infectado não significa que não poderá se contaminar novamente, inclusive porque novas variantes do vírus conseguem escapar da imunidade natural.

Cunha destaca ser comum vacinas darem imunidade superior à doença natural, como indicam estudos recentes com relação à covid-19. É também o caso, por exemplo, da vacina contra HPV.  “Mesmo quem teve covid, quando recebe a vacina, tem uma resposta melhor ainda, o que é mais um motivo pra se vacinar”, explica.

Outro receio comum de pais e mães é com relação a possíveis efeitos a longo prazo da vacina. Não faltam vídeos compartilhados em grupos de WhatsApp com “especialistas” colocando em dúvida a segurança do imunizante. Sobre isso, Cunha lamenta a circulação de boatos que causam desinformação e confundem.

“Tem de tudo, como aquilo que a pessoa vacinada chega perto do celular e ative o 5G. São coisas que a gente nem acredita que alguém possa acreditar, de tão absurdas que são”, lamenta.

O presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações destaca a grande quantidade de vacinas aplicadas no mundo há mais de um ano. Ele avalia que, se houvesse algum risco, já se saberia. O pediatra explica que as plataformas tecnológicas utilizadas nas vacinas, mesmo as mais recentes, já são conhecidas há 10 ou 20 anos.

“Não são plataformas que surgiram ‘do nada’. São plataformas usadas há muito tempo”, explica. Também por isso, a crise mundial causada pelo novo coronavírus permitiu com que cientistas e laboratórios se dedicassem quase exclusivamente para a criação das vacinas num tempo rápido.

“Grande parte das pessoas que estão nessa bandeira antivacina estão vivas porque foram vacinadas”, afirma o pediatra, citando os imunizastes criados contra o sarampo, pólio, rubéola, entre outras doenças. “O valor das vacinas é inquestionável. Temos total segurança com os estudos apresentados, as vacinas têm um perfil excelente de segurança e proteção.”

A epidemiologista Lucia Pellanda alerta que as crianças, por não estarem vacinadas, podem estar em maior risco no atual momento da pandemia no Brasil. Risco esse aumentado pela variante ômicron, mais contagiosa. Ela ressalta que as internações hospitalares de crianças cresceram em outros países desde o surgimento da nova variante. Assim, mesmo os casos sendo geralmente mais leves nas crianças, com o alto contágio algumas ficarão doentes.

“Não é um número desprezível. A gente não deve considerar que é uma doença leve, do ponto de vista da sociedade”, avalia.

Lucia pondera haver uma série de indícios de que no atual estágio da pandemia, os casos mais graves são entre pessoas não vacinadas, grupo do qual as crianças ainda fazem parte. Se a vacina não elimina a transmissão, ao menos a reduz, um fator que a professora vislumbra ser importante para a volta às aulas em breve.

Para os pais que estão em dúvida se levam ou não o filho para se vacinar, a reitora da UFCSPA destaca que o imunizante não é “experimental” e, assim como o pediatra Juarez Cunha, lembra que a tecnologia usada na vacina da Pfizer já existe há 10 anos. “Não foi uma coisa desenvolvida correndo”, reforça.

Com a didática de uma professora, ela faz uma comparação bem ao gosto de pais e filhos, explicando que a tecnologia da vacina da Pfizer é como se fosse uma montagem de lego, em que só se muda a parte de cima da estrutura, a peça que vai indicar qual vírus a vacina deve combater. Com outra “peça” na ponta, a tecnologia já estava sendo usada para diferente finalidade.

A epidemiologista também destaca que a vacina não mexe no DNA da pessoa e nem faz mudança genética, dois pontos costumeiramente citados por quem é contra a imunização e que causa temor nos pais. Lucia explica que quem pode causar modificação de longo prazo é o vírus e não a vacina – o imunizante, inclusive, sai logo do organismo e deixa a memória para estimular o sistema imunológico a combater o vírus. Um processo natural na defesa do organismo.

“A doença, sim, a gente não sabe qual o efeito prolongado, qual o risco de ter covid pra daqui a cinco anos. Já vimos que têm crianças com sintomas por meses, tem síndrome inflamatória. O risco de ficar doente é sempre muito maior”, afirma. Nesse sentido, Lucia diz que as mais de 300 mortes por covid-19 de crianças entre 5 e 11 anos não podem ser vistas como um número baixo.

A quantidade de vítimas fatais no Brasil é como se fosse um avião lotado só de meninos e meninas. Uma imagem que, se acontecesse, provavelmente seria tratada pela sociedade como uma grande tragédia. Agora com a chegada das vacinas, um novo “avião” pode ter sua queda evitada.


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