Eleições 2022
|
22 de julho de 2022
|
13:58

Ambientalistas apresentam propostas e cobram da classe política a defesa do Pampa

Por
Luciano Velleda
lucianovelleda@sul21.com.br
Ambientalistas alertam  que o fim do Pampa significa o apagamento da origem e da história dos gaúchos. Foto: Guilherme Santos/Sul21
Ambientalistas alertam que o fim do Pampa significa o apagamento da origem e da história dos gaúchos. Foto: Guilherme Santos/Sul21

Bioma típico do Rio Grande do Sul, imagem consagrada na formação cultural do próprio gaúcho, faz algum tempo que o Pampa tem pouco a comemorar. Ao menos do ponto de vista da preservação ambiental. Na última segunda-feira (18), o Relatório Anual de Desmatamento no Brasil (RAD), elaborado pelo MapBiomas, apresentou mais uma notícia ruim: o aumento de 92,1% no desmatamento florestal do bioma em 2021 em relação ao ano anterior. 

Se comparada com os outros biomas brasileiros (Amazônia, Caatinga, Pantanal, Mata Atlântica e Cerrado), a perda no Pampa foi de apenas 0,1% do total de área florestal desmatada no Brasil no ano passado. Porém, em termos proporcionais, foi o bioma mais desmatado. Foram 2.426 hectares, o equivalente a 65 Parques da Redenção. As florestas do Pampa representam 11% do bioma, com os campos nativos abrangendo a maior parte do restante. O problema, alertam ambientalistas há anos, é que os campos nativos estão tendo perda de 125 mil hectares de cobertura vegetal por ano, em média.

Coordenador técnico e de políticas públicas do Instituto Curicaca, o agrônomo Alexandre Krob lamenta que a temática ambiental não seja prioridade entre os políticos gaúchos. Sem citar o nome, comenta o caso da plataforma de determinado candidato que começou a ser elaborada em três eixos e deveria, dentro de um deles, abrigar a temática ambiental. Deveria, mas ainda não tinha nada, nenhum grupo de discussão formado, nenhuma listagem de desafios ou de abordagens.

“Isso tem sido comum nos candidatos também a nível federal, não tenho visto esse tipo de preocupação antecipada. É um compromisso que tá ficando para depois, mais pro final”, diz Krob.

A situação lhe faz pensar se, talvez, o movimento ambientalista também não está falhando em dar a devida dimensão para o problema em curso no RS. O coordenador do Curicaca pondera que os candidatos às eleições deste ano estão mais preocupados em demonstrar compromissos com agendas dos seus grupos de apoio, com o que é considerado mais relevante a partir das demandas de setores da sociedade, enquanto o meio ambiente está “ficando para trás”. 

Uma das hipóteses pensada pelo agrônomo é o conflito de interesses que opõe a preservação ambiental do Pampa e determinadas atividades econômicas.

“Não sei se somos nós que não estamos conseguindo demonstrar claramente a necessidade de haver compromisso com o meio ambiente ou se, eventualmente, os compromissos com o meio ambiente são conflitantes para candidatos que estão fazendo uma construção de ampla composição com setores. E aí os compromissos da área ambiental são aqueles que, geralmente, batem em conflitos de interesse na área de desenvolvimento, alguns eixos como agronegócio, energia e grandes empreendimentos de estrutura”, avalia.

Seguindo por essa hipótese, Krob então imagina que os políticos podem pensar: “Não vamos lidar com isso agora porque a gente vai acabar assumindo compromissos que podem fechar a porta”.

“Quando a gente começa a trabalhar com soluções que envolvem o reconhecimento e valorização de determinados grupos de produtores do Pampas que são minorias, como o caso dos povos de comunidades tradicionais, o pecuarista familiar, isso também conflitua com os interesses do agronegócio”, explica.  

A área total mapeada no Pampa pelo IBGE, em 2019, foi de 19,3 milhões de hectares. Deste total, os remanescentes de vegetação nativa campestre ocupavam, em 2018, 6,5 milhões de hectares, representando 33,6% do território do bioma.

A agricultura é o tipo de uso do solo predominante no Pampa, ocupando 38,3% do seu território. A soja tem sido o principal cultivo a ocupar as áreas originalmente constituídas de vegetação nativa campestre. Entre os anos 2000 e 2015, a área plantada com soja no Pampa cresceu 188,5%.

No dia 1º de julho, a Coalizão pelo Pampa, o Instituto Curicaca e a Coalizão Costa Mar Sul organizaram na Assembleia Legislativa um evento para chamar a atenção da classe política para os problemas ambientais do RS. No foco, além do Pampa, esteve a Mata Atlântica e a zona costeira marinha. Mais do que apresentar dados e dar o diagnóstico da situação, o objetivo foi conclamar a classe política a agir, principalmente os candidatos nas eleições deste ano.

Formada por 18 entidades, a Coalizão pelo Pampa foi lançada em dezembro de 2021. No seminário, foi destacado o elevado número de espécies de plantas e animais ameaçados de extinção no bioma – mais de 380 espécies da flora e pelo menos 86 espécies da fauna. 

Ao mesmo tempo em que as florestas do Pampa são desmatadas e os remanescentes de vegetação nativa são substituídos pela agricultura, a situação é agravada pelo fato do bioma ter a menor área percentual protegida em Unidades de Conservação. São apenas 2,8% do território, sendo que a recomendação internacional é de 17%. 

Para Giovana Santi, servidora da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) e membro da Coalisão, o fim do Pampa significa o apagamento da origem e da história dos gaúchos. “É da nossa natureza no trabalho não só gritar, mas apresentar propostas para que todos, sejam políticos, Ministério Público ou judiciário, nos ajudem a salvar o bioma”, afirmou.

Durante o debate, Ana Rovedder, professora da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas de Recuperação de Áreas Degradadas, definiu o atual momento ambiental no Brasil e no RS como “estarrecedor”. Para ela, a sociedade gaúcha ainda não se deu conta da gravidade da situação.

A falta de entendimento sobre o problema e a inexistência de visão a longo prazo também preocupam o coordenador técnico e de políticas públicas do Instituto Curicaca. Krob acredita que os donos das terras não têm mais a compreensão de preservar o campo para o futuro da própria família.

“Tenho impressão que a gente não encontra mais, no âmbito da família dos fazendeiros, uma coisa que possa estabelecer uma relação de sustentabilidade com o patrimônio deles, que é a terra, para as próximas gerações deles mesmos”, avalia o agrônomo. 

“O conceito de desenvolvimento está muito em resolver a situação econômica o mais rápido possível, em tirar mais rapidamente possível aquele benefício que está disponível”, afirma, destacando que esse movimento acontece inclusive quando se encontram brechas na legislação, como foi o caso das mudanças no novo Código Florestal, revisto em 2012. “O que estão fazendo é não pensar de uma maneira de médio e longo prazo sequer no âmbito da própria família.”

Para reverter a situação, a Coalizão pelo Pampa apresentou então 10 diretrizes e ações estratégicas para “salvar” o bioma. Entre elas estão o cumprimento e regulamentação da legislação ambiental vigente para a proteção do Pampa, a valorização das cadeias produtivas sustentáveis, o planejamento da ocupação e uso do solo, a promoção do turismo sustentável como ferramenta de valorização dos territórios tradicionais do bioma e a adoção de ações de fiscalização da supressão ilegal de campos nativos pelos órgãos competentes.

O processo eleitoral que se aproxima será a oportunidade do eleitor conferir quais dessas propostas podem ir adiante e quais são os candidatos realmente comprometidos com o bioma típico dos gaúchos. A professora da UFSM afirmou, no evento na Assembleia, que as propostas só dependem de vontade política para serem implementadas. “Quando a sociedade gaúcha souber valer a sua vontade, nós teremos os nossos biomas protegidos.”


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora