Atendendo determinação do Ministério Público Estadual (MPE), o Mátria Parque respondeu no último dia 6 de dezembro os questionamentos feitos pelo órgão a respeito do empreendimento inaugurado no dia 26 de novembro, em São Francisco de Paula. Com mais de 30 jardins, a nova atração turística da região serrana abriu as portas em meio a denúncias de ilegalidades e irregularidades feitas pelo Instituto Mira-Serra envolvendo as etapas de licenciamento do projeto
A Prefeitura de São Francisco de Paula também é investigada no processo. O caso tramita no MPE desde meados de setembro, dois meses antes da inauguração do empreendimento.
As denúncias fazem referência a documentação e aspectos relativos à conservação da flora e da fauna, com algumas questões sendo específicas à Prefeitura, outras ao Parque, ou ainda para ambos.
Na parte da documentação, o Instituto Mira-Serra denunciou ao MPE que a Licença Prévia e de Instalação (LP/LI) do empreendimento (e o início de irrigação dos jardins) foi expedida sem a outorga de uso da água. No documento enviado ao MPE, o Mátria Parque argumenta que a água para consumo é oriunda de poço artesiano, e está aguardando análise dos técnicos do Departamento de Recursos Hídricos do Rio Grande do Sul (DRH) para a emissão da outorga definitiva. Segundo o empreendimento, o primeiro pedido de outorga do poço foi indeferido por falta de documentação e, posteriormente, outro processo foi aberto em abril de 2021.
O Mátria Parque explica ter solicitado ao DRH, via e-mail, urgência na análise, assim como a possibilidade de utilização da água do poço. A resposta do DRH foi positiva: “Se tratando de necessidades básicas para a vida sim, é possível utilização enquanto aguarda análise”.
Com a anuência do DRH, o empreendimento afirma não haver nenhuma irregularidade quanto à utilização da água para consumo até que se aguarde a análise definitiva. O Parque ainda diz ter solicitado avaliação da Vigilância Sanitária do município e recebido atestado de potabilidade e uso da água.
Com relação à preservação da flora, a denúncia aborda problemas com a compensação ambiental, a reposição florestal com espécies impróprias, a autorização para introduzir espécies exóticas invasoras em área de Mata Atlântica, e o risco da introdução de outras espécies vegetais não especificadas na Licença Prévia e de Instalação (LP/LI).
Na resposta encaminhada ao MPE, o Mátria Parque diz que a compensação ambiental exigida pelo Art. 17 da Lei 11.428/2006 foi atendida com o plantio de mais de 8 mil mudas de espécies nativas, conforme prevê o §1º do mesmo artigo. “Esta compensação foi realizada no próprio empreendimento, e devidamente comprovada, conforme protocolo 724/2021 realizado em 24 de fevereiro de 2021”, explica o empreendimento.
O Parque afirma que a área de preservação exigida por lei foi atendida, com a manutenção de 50% da cobertura vegetal nativa presente no imóvel. Sobre o risco de introdução de espécies exóticas, o Parque alega que a convenção da diversidade biológica divide as espécies exóticas em duas categorias de restrição: as espécies de categoria 1 são proibidas de produção, comercialização e cultivo por causa do seu potencial invasor; e as de categoria 2 podem ser utilizadas em condições controladas. São as espécies de categoria 2 que o empreendimento informa utilizar.
“Em hipótese nenhuma seria admitido a entrada de uma espécie de Categoria Restrição 1, por vários motivos, dentre eles; 1) Não passaria no controle de recebimento de mudas da empresa, pelo simples fato de não poder produzi-la. 2) Colocaria em risco todas as plantas, e consequentemente o próprio empreendimento. 3) Não pode ser produzido nem comercializado por Viveiros registrados no MAPA (Ministério da Agricultura e Abastecimento)”, afirma. “Portanto o empreendimento está em total regularidade em relação a introdução de espécies exóticas, de forma que são produzidas em condições e ambientes controlados.”
Na denúncia, o Instituto Mira-Serra aponta também a ausência da anuência da unidade de conservação municipal e a inexistência de laudo técnico para caracterização do “açude artificial”. De acordo com o Mátria Parque, a resolução 379 de 2018 do Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema) determina que a atividade de açude está isenta de licenciamento ambiental, assim como a irrigação pelo método de aspersão ou localizado com açudes também não exige licenciamento ambiental devido a área da bacia de acumulação ser inferior a 5 hectares.
“Já a outorga de uso água para irrigação está aguardando análise para emissão definitiva (…), no entanto o empreendimento possui autorização para operar a irrigação enquanto aguarda o SIOUTs (Sistema de Outorga de Água) serem analisados, conforme previsto nas Instruções Normativas da Secretaria Estadual do Meio Ambiente (SEMA) 03/2021 e 04/2021”, justifica o empreendimento.
Outra dúvida refere-se ao tamanho do local. Nos canais de informação da Prefeitura de São Francisco de Paula consta que o Mátria Parque tem 135 hectares para o “visitante usufruir”, porém, a Licença Prévia e de Instalação (LP/LI) concedida para o negócio se refere a 20 hectares – área limite para a licença ser expedida pelo município, conforme a resolução 372/2018 do Consema.
Conforme a denúncia, a discrepância entre o tamanho do parque divulgado pela Prefeitura e o que consta na Licença Prévia e de Instalação (LP/LI), traz a dúvida se a Secretaria Municipal do Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) de São Francisco de Paula licenciou sobre o território do município vizinho de Canela.
Ao MPE, o Mátria Parque afirma que os proprietários do negócio possuem uma área maior que a área do empreendimento, mas que a área do parque é mesmo de 20 hectares, conforme disposto no processo de licenciamento ambiental, e localizada em São Francisco de Paula.
A Licença de Operação (LO) do Mátria Parque também é alvo da denúncia feita pelo Instituto Mira-Serra. A LO foi expedida pela Semas na antevéspera da inauguração, embora os ingressos para entrada no Parque já estivessem à venda há meses. Conforme a entidade ambientalista, o fato da LO ter sido expedida quase no dia da abertura do parque tornou inviável analisar a execução das compensações e condicionantes ambientais exigidas por lei.
Ao MPE, o empreendimento afirma ter cumprido todas as condicionantes solicitadas na Licença Prévia e de Instalação antes da solicitação da Licença de Operação, pedida com mais de 45 dias de antecedência da data prevista para a inauguração. “Estas condicionantes foram protocoladas e juntadas no processo para análise do órgão ambiental e contou com inúmeras vistorias realizadas no empreendimento pelos técnicos da Secretaria Municipal do Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas)”, explica o Mátria Parque.
Em contado com o Sul21, a Secretaria informou já ter respondido o despacho do promotor de Justiça Bruno Pereira, feito no dia 28 de novembro, ocasião em que determinou prazo de 10 dias para o Executivo Municipal se posicionar sobre a denúncia, e 5 dias para a Secretaria enviar a cópia integral do processo de licenciamento ambiental do Mátria Parque.
No entanto, a assessoria do Ministério Público Estadual (MPE) informa que a Secretaria ainda não respondeu os últimos questionamentos feitos pelo promotor. Uma das possíveis razões para o atraso é o erro cometido na notificação do MPE, que citou a Secretaria Estadual do Meio Ambiente ao invés da Secretaria Municipal da cidade serrana. Por sua vez, o Instituto Mira-Serra declarou que se manifestará sobre todas as explicações após a Prefeitura enviar suas respostas.