Meio Ambiente
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2 de setembro de 2021
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19:45

PGR se posiciona contra restringir demarcações de terra à tese do marco temporal

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Sul 21
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Indígenas acompanham a votação em Brasília. Foto: Marina Oliveira/Cimi
Indígenas acompanham a votação em Brasília. Foto: Marina Oliveira/Cimi

O procurador-geral da República, Augusto Aras, afirmou nesta quinta-feira (2), durante a fase de sustentação oral do julgamento do Recurso Extraordinário 1.017.365/SC pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que é contra delimitar a demarcação de terras indígenas à tese do marco temporal, que defende que territórios só poderiam ser demarcados se os povos indígenas conseguissem provar que estavam ocupando a área anteriormente ou na data exata da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988, ou se ficasse comprovado conflito pela posse da terra.

Para Aras, o art. 231 da Constituição Federal garante aos povos indígenas direitos originários sobre as terras de ocupação tradicional. “Não se pode invisibilizar os nossos ancestrais, que nos legaram este país”, disse.

Aras defendeu o direito da etnia Xokleng sobre a área que está sendo discutida no julgamento extraordinário, mas que deverá ter repercussão para todas as disputas por demarcação de territórios. O PGR argumentou que a identificação e delimitação das terras deve ser feita no caso concreto, aplicando-se a cada situação a norma constitucional vigente a seu tempo.

Ao iniciar a sustentação, ele argumentou que o julgamento deve elucidar três pressupostos: definir se a proteção jurídica de terras indígenas começa com a demarcação, eventual adequação da tese do marco temporal e decisão sobre a possibilidade de ocupação indígena em áreas de proteção ambiental.

Aras lembrou que, ao reconhecer direitos originários dos indígenas sobre as terras de ocupação tradicional, a Constituição Federal adotou o instituto do Indigenato, pelo qual os índios são senhores naturais de suas terras e titulares da posse sobre elas. “As comunidades indígenas guardam relação própria com a terra, dotada de ancestralidade e de preservação de seu peculiar modo de ser, inerentes à sua sobrevivência física e cultural. É diretamente da terra que os índios extraem sua sobrevivência alimentar e, a partir dela, preservam suas tradições culturais intergeracionais. A terra, para os índios, é sagrada e assume uma relevância identitária”, afirmou.

O procurador-geral sustentou ainda que o direito dos índios sobre as terras que tradicionalmente ocupam não depende da prévia demarcação das glebas. “A medida demarcatória apenas atribui segurança jurídica, ou seja, esclarece e facilita a reivindicação dessas terras na eventualidade de conflito possessório. De toda sorte, a demarcação é de índole declaratória, não constitutiva. Demarcar uma terra indígena equivale a reconhecer um status pré-existente, vale dizer, consiste em atestar a ocupação dos índios como circunstância anterior à demarcação”, afirmou Augusto Aras.

O PGR ponderou ainda que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos já afirmou que a aplicação da tese do marco temporal contradiz as normas internacionais e interamericanas de direitos humanos, em particular a Convenção Americana sobre Direitos Humanos e a Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas. Isso porque não leva em consideração os casos em que os povos indígenas foram expulsos de seus territórios, muitas vezes com violência, razão pela qual não estariam ocupando suas terras em 1988. “É preciso que se diga com clareza: haverá casos em que, mesmo não havendo posse por parte dos índios em 5 de outubro de 1988, a terra poderá ser considerada como tradicionalmente ocupada por eles”, explicou.

Aras afirmou também que a demora na regularização das terras indígenas, bem como a falta de proteção das comunidades durante a tramitação do processo, configura violação de direitos humanos. Por isso, é dever do Estado proteger e garantir os direitos constitucionais das comunidades durante todo o processo demarcatório.

No caso concreto discutido no recurso extraordinário, o PGR defendeu que a demarcação do território do povo Xokleng está de acordo com a legislação e passou por todas as etapas necessárias, devendo ser mantida.

Com julgamento iniciado na última quinta-feira (26) pelo Plenário do STF, o recurso extraordinário discute, de forma concreta, um pedido de reintegração de posse movido contra o povo Xokleng, em Santa Catarina. A demarcação da área é questionada pelo Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (antigo Fatma), já que o local coincide com reserva ambiental. O argumento para a contestação é a tese do marco temporal, entendimento suscitado pela primeira vez no caso Raposa Serra do Sol. Agora, pretende-se chegar a um entendimento definitivo sobre o tema. O Supremo reconheceu a repercussão geral do caso e, ao final do julgamento, vai estabelecer tese para orientar as decisões futuras de todo o Poder Judiciário.

O julgamento foi interrompido nesta quinta-feira sem que fosse iniciada a leitura dos votos dos ministros e deve ser retomado na próxima quarta-feira (8). O primeiro a votar deverá ser o ministro-relator, Edson Fachin, que já manifestou posicionamento contrário à adoção do “marco temporal” em sessão plenária virtual.

O marco temporal é uma tese jurídica defendida por ruralistas que ergue novas barreiras à demarcação de terras dos povos originários. Já as entidades que atuam na defesa dos direitos dos povos indígenas defendem que, caso a tese seja adotada, as demarcações de terra serão definitivamente paralisadas e haverá brechas para revisão de processos que já delimitaram territórios indígenas no passado.

Milhares de indígenas estão acampados em Brasília há semanas para pressionar os ministros a não aceitarem a tese.


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