Geral
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1 de setembro de 2022
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15:02

4º Distrito: Porto Alegre precisará escolher entre prédios mais altos e aviação eficiente

Por
Luís Gomes
luisgomes@sul21.com.br
4º Distrito é a região dos bairros São Geraldo, Navegantes, Floresta, Humaitá e Farrapos | Foto: Luiza Castro/Sul21
4º Distrito é a região dos bairros São Geraldo, Navegantes, Floresta, Humaitá e Farrapos | Foto: Luiza Castro/Sul21

A Aeronáutica informou nesta semana que negou a autorização para o projeto que prevê a construção do prédio mais alto de Porto Alegre, com 130 m de altura, a cerca de 5 km do Aeroporto Salgado Filho. Apesar da negativa, a Prefeitura apoia a iniciativa e acredita que ela possa ainda ser aprovada, mesmo que com alterações na altura.

De autoria da incorporadora ABF Developments, o projeto prevê a construção do prédio na Rua Almirante Tamandaré, próximo à Rua Voluntários da Pátria. Atualmente, a altura máxima permitida para construção naquela região, que incluiu os bairros São Geraldo, Navegantes, Floresta, Humaitá e Farrapos, é de 52 metros. Contudo, o limite será eliminado assim que o prefeito Sebastião Melo (MDB) sancionar o projeto de lei que criou o Programa de Regeneração Urbana do 4º Distrito, aprovado no dia 17 de agosto.

Em nota encaminha à reportagem por meio de sua assessoria, a Aeronáutica informou que a empresa responsável pela obra ingressou com o pedido de liberação para construção do prédio em março de 2022, mas a resposta foi negativa.

“Até o momento, o projeto não atende aos requisitos exigidos, uma vez que a altura proposta da edificação viola a superfície limitadora de obstáculos do aeroporto. O processo recebeu parecer desfavorável e foi solicitado à empresa o ajuste do projeto, conforme a altura permitida naquela localização”, diz a nota.

Já a Fraport Brasil, administradora do Aeroporto Salgado Filho, afirmou que “está confiante de que a Prefeitura conhece e irá considerar o Plano de Zona de Proteção do Aeródromo em suas decisões”.

Contudo, a incorporada informou que vai ingressar com um pedido de liberação da construção com a alegação de que o projeto tem interesse público.

A Diretoria de Planejamento Urbano da Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade de Porto Alegre (Smamus) ressalta que a decisão a respeito da liberação é de responsabilidade da Aeronáutica e que a altura limite do imóvel dependerá de sua localização no 4º Distrito.

No entanto, a pasta acredita que o empreendimento pode vir a ser liberado, ainda que possa ter a altura revisada. “Há áreas atingidas pelo cone de aproximação do Aeroporto Salgado Filho, mas em pontos próximos ao Centro Histórico, será possível erguer prédios mais altos. Quando é realizado o protocolo para um projeto de empreendimento na área, anexa-se um pedido de interesse público. A aeronáutica então, avalia o pedido com outros critérios”, diz a nota.

Lucas Bertelli Fogaça, coordenador do curso de Ciências Aeronáuticas da PUCRS e piloto comercial entre 1999 e 2015, acredita que o prédio terá potencial de interferir no tráfego aéreo que chega e sai do Aeroporto Salgado Filho.

O professor explica que as regras do setor começaram a ser implementadas pela Organização da Aviação Civil Internacional, órgão das Nações Unidas, e versam sobre praticamente todos os detalhes que afetam o tráfego aéreo e os aeroportos, desde como deve ser a sinalização na pista até qual a altura que a grama deve ser cortada para reduzir espécies de animais (como aves) que possam interferir em um voo. Uma das principais regras é justamente sobre o entorno dos aeroportos (a zona de proteção do aeródromo).

“O ponto central é a pista e, do ponto onde a pista começa, projeta-se como se fosse um cone, que vai subindo do ponto onde aeronave toca o chão para as laterais, que tem que ser uma área desobstruída. E desobstrução envolve tudo o que possa provocar interferência eletromagnética ou física mesmo, em que o avião possa vir a bater ou que possa provocar algum tipo de problema”, explica Fogaça.

Ele destaca que, à primeira vista, a construção de um prédio de 130 metros a 5 km do aeroporto pode não parecer representar uma grande interferência. No entanto, considerando que a aviação precisa operar com níveis de precisão altíssimos, os gabaritos de segurança precisam contemplar tanto erros de equipamento, quanto humanos durante a operação, mesmo em condições de tempo ruim.

“O projeto desse empreendimento está numa região que é bem crítica para a manobra visual das aeronaves que estão chegando e saindo do aeroporto. É uma região bem complicada porque fere a zona de proteção do aeroporto, que é justamente a região mais sensível para obstáculos, porque as aeronaves precisam curvar para pista em descida. Nesta região, eventualmente tem que se pedir para remover torres de celular, ou outros obstáculos quando são construídos sem permissão, para não afetar esses gabaritos de segurança”, explica.

Outro fator preocupante, na avaliação do professor, é a abertura para um fim das restrições nesta área de proteção, potencialmente abrindo as portas para que novos empreendimentos com altura semelhante ou superior possam ser construídos na região e, consequentemente, aumentando o número de obstáculos para as aeronaves. “Quanto mais altas as estruturas construídas ali, mais restrições teremos na circulação aérea próxima àquele setor”, afirma o professor.

A presença destes obstáculos seria um problema especialmente em dias de nevoeiro e de baixa visibilidade, avalia Fogaça.

“A gente pensa num dia de céu azul, com tudo bonito, o avião operando com um nível de precisão máximo, que é o usual na indústria, mas o gabarito de segurança do aeroporto precisa ter margens relativamente conservadoras para que a gente consiga homologar o pouso de precisão, para que o avião possa chegar bem perto do chão e pousar mesmo com o tempo ruim”, diz. “Hipoteticamente, se um piloto pudesse baixar, por exemplo, até 100 metros de altura para avisar a pista em razão de um nevoeiro, em uma região com obstáculos, ele vai conseguir baixar até só até 200 metros porque existe um obstáculo naquela região, o que pode ser a diferença entre conseguir pousar e ter que ir para outro aeroporto. E, em uma situação extrema, se o obstáculo estiver bem na reta de aproximação, talvez não se consiga uma aproximação direta e tu não pode mais fazer o pouso de precisão, vai ter que ser só um pouso de não precisão, que deixa o avião mais alto em relação ao solo e depende de melhores condições de tempo para permitir o pouso, porque ele não vai poder estar alinhado com a pista ou com a trajetória de saída”, complementa.

Ele avalia, então, que, embora essas autorizações sejam possíveis de serem articuladas, subir estruturas mais altas na região de proteção do aeroporto implica em uma escolha: a cidade precisará avaliar se as restrições adicionais que precisarão ser impostas na eficiência do aeroporto e do tráfego aéreo compensam ter as estruturas que deseja construir. “Em um cenário extremo, talvez Porto Alegre escolha por não conseguir condições tão boas para pouso com tempo ruim, ou mesmo uma redução na capacidade de pousos por minuto. Claro que seria um exemplo extremo, não estou falando especificamente dessa obra”, afirma.


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