Geral
|
15 de julho de 2022
|
19:28

Liderança Guarani-Kaiowá sobrevivente do ‘Massacre de Guapoy’ é assassinada no MS

Por
Sul 21
sul21@sul21.com.br
Márcio Moreira, nova liderança guarani assassinada no MS (Divulgação/Cimi)
Márcio Moreira, nova liderança guarani assassinada no MS (Divulgação/Cimi)

Três indígenas Guarani-Kaiowá sofreram um ataque de homens armados, na tarde de quinta-feira (14), que resultou no assassinato de Márcio Moreira e deixou duas outras lideranças feridas, no interior do Mato Grosso do Sul. Segundo o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Márcio e os outros dois indígenas, que por motivo de segurança não serão identificados, são lideranças da retomada Guapoy, em Amambai, no MS. O fato leva os indígenas a apontarem a possível motivação do crime vinculada à retaliação contra a ação de retomada e/ou a repercussão negativa sobre a atuação de polícias e do Estado no “Massacre de Guapoy”, como tem sido chamado pelos indígenas.

Os indígenas, inclusive um dos sobreviventes, afirmam que Márcio havia recebido uma proposta de trabalho no ramo da construção civil, que demandaria mais dois serventes de pedreiro para auxiliar na construção de um muro. Conforme relatos dos indígenas, Márcio foi chamado por um conhecido local e, por sua vez, chamou as outras duas lideranças para ajudar no serviço.

“Fomos convidados para levantar um muro e fomos até o local com nossas ferramentas. Encontramos uns karaí [não indígenas] que passaram a intimidar a gente. Márcio se levantou e olhou bem para eles, que sem falar nada jogaram nossas ferramentas”, relatou uma das vítimas.

Segundo os próprios indígenas, eles foram abordados por dois homens em uma moto, munidos com armas de fogo, e que já chegaram ao local com intimidações e agressões verbais contra os indígenas. Em seguida, realizaram os disparos contra Márcio e as outras duas vítimas. O jovem Guarani Kaiowá, que conseguiu fugir do local, conta que foi segurado e os três foram intimidados.

“Nos intimidaram com as balas, mostraram com pistola de cano curto e bateram em nós, jogando no meio dos caraguatás [planta espinhosa], em seguida atiraram no Márcio e nos deitamos, como a munição acabou, eles nos bateram com a arma, e eu fugi deles”, contou ainda um dos sobreviventes.

Após os disparos, houve luta corporal e um dos indígenas conseguiu fugir do local, o outro foi ao hospital de Amambai para atendimento. Ainda segundo relato dos indígenas, Márcio correu cerca de 100 metros sangrando, mas não resistiu aos ferimentos e morreu. Haveria, ainda, uma quarta testemunha que presenciou o ataque e que, por segurança, não será identificada. Os Guarani-Kaiowá temem um novo ataque contra os sobreviventes e esta testemunha.

Segundo o Corpo de Bombeiros, que atendeu a ocorrência, ao chegar ao local Márcio já estava sem vida. Foram identificadas pelo menos duas perfurações: uma de arma de fogo no ombro, e outra de arma branca no tórax, o que reforça as denúncias dos sobreviventes sobre a luta corporal após os disparos de arma de fogo.

O caso segue sob investigação. A suspeita é de que haja relação com os recentes conflitos de terras, envolvendo indígenas e fazendeiros da região, em Amambai (MS).

A luta dos Guarani-Kaiowá pela retomada do território de ocupação tradicional, no Mato Grosso do Sul, tem sido motivada pela morosidade do Estado brasileiro em realizar a demarcação. Há décadas os indígenas reivindicam a demarcação do território tradicional. Enquanto isso, vivem acampados, em péssimas condições de vida, e vêm passando por longos períodos de fome.

Há menos de um mês, no dia 23 de junho, os Guarani-Kaiowá realizaram, mais uma vez, a retomada de parte do território tradicional Guapoy, em Amambai (MS). Na manhã do dia seguinte (24), policiais militares e fazendeiros invadiram a área com objetivo de expulsar os indígenas por meio do uso da força, mesmo não havendo ordem judicial. Devido à gravidade e truculência do ataque, os indígenas referem-se à situação como “massacre de Guapoy”.

Na ocasião, policiais militares dispararam tiros de borracha e de arma de fogo contra os indígenas, deixando dezenas de feridos, inclusive crianças e anciãos, e um morto – Vitor Fernandes, de 42 anos. A comunidade tem denunciado ser alvo de uma série de ataques, preconceitos e acusações que não encontram respaldo na realidade dos fatos.

A reserva de Amambai é a segunda maior do estado de Mato Grosso do Sul em termos populacionais, com quase 10 mil indígenas. Para os Guarani-Kaiowá, Guapoy é parte de um território tradicional que lhes foi roubado – quando houve a subtração de parte da reserva de Amambai.

O Conselho Indigenista Missionário teme que a situação evolua rapidamente para um novo episódio de massacre contra os Guarani-Kaiowá e pediu  a imediata intervenção de órgãos federais e do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), na apuração dos ataques, a fim de controlar a situação e investigar os episódios.

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) denunciou a situação à Comissão Interamericana de Direitos Humanos e à Organização das Nações Unidas, além  de reforçar o pedido de medida cautelar para proteger os povos indígenas sob ameaça. “Sabemos que há uma articulação das forças policiais com o agrobanditismo no Mato Grosso do Sul. E que os ataques acontecem graças à conivência do governo estadual e ao incentivo de Bolsonaro”, disse a Apib em nota.

Com informações do Cimi e da Apib


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora