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21 de abril de 2022
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09:04

Entenda o rompimento entre Prefeitura e UFRGS na parceria para elaboração do Plano Diretor

Por
Luís Gomes
luisgomes@sul21.com.br
Universidades federais sofrem novo corte de recursos neste final de ano. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)
Universidades federais sofrem novo corte de recursos neste final de ano. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

Prevista originalmente para ser concluída em 2020, a revisão do Plano Diretor de Porto Alegre ainda não começou na prática e teve mais um revés nesta semana, quando a Prefeitura anunciou o rompimento da parceria com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) para a execução de tarefas no processo. A participação da UFRGS estava prevista no acordo de cooperação técnica assinado entre a Prefeitura e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) em 18 de dezembro de 2019, ainda pelo prefeito Nelson Marchezan Júnior (PSDB). O acordo definiu que o órgão, ligado à Organização das Nações Unidas (ONU), receberia cerca de R$ 11 milhões para fornecer subsídios para a elaboração do Plano Diretor, sendo que 30% das tarefas assumidas no acordo seriam repassados para uma agência implementadora, que poderia ser uma universidade feral. Designada para assumir a função, a UFRGS ainda não aprovou a sua participação na cooperação, o que motivou a decisão de rompimento, segundo a Prefeitura.

O Anexo I do Projeto de Cooperação Técnica Internacional (PCTI) assinado por Prefeitura e PNUD prevê que entre as tarefas a serem realizadas pela agência implementadora, no caso a UFRGS, estão: estruturar os processos colaborativos e estratégias de comunicação; realizar diagnóstico, aprimoramento e complementação das estratégias e dos instrumentos urbanísticos do Plano Diretor; elaborar o Plano Estratégico de Inovação e Desenvolvimento Econômico do Município; realizar diagnóstico, aprimoramento e complementação das estratégias e dos instrumentos do Plano Diretor; e capacitar os técnicos municipais para a aplicação das propostas da consultoria, dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) e conhecimentos adquiridos a partir de experiências internacionais na área. O PCTI prevê que UFRGS, como agência implementadora, receberia R$ 3.081 milhões pelos serviços.

As diferenças entre Prefeitura e a principal universidade do Estado vieram à tona na última quarta-feira (13), quando o prefeito Sebastião Melo (MDB) e o secretário do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade, Germano Bremm, que se manteve no cargo com a troca de gestão em 2021, assinaram uma nota conjunta cobrando que o Conselho Universitário da UFRGS aprovasse o acordo em sua próxima reunião.

“A gestão mantém diálogo transparente com a reitoria da universidade, que sempre se posicionou apta a contribuir nas causas caras à comunidade. Infelizmente, a mesma disposição não se verifica na atuação do Conselho Universitário, que posterga sem explicação a autorização para avançarmos na parceria. O desenvolvimento de Porto Alegre não pode esperar. Assim, se nos próximos dias o tema não for votado, a prefeitura entenderá que não há interesse da universidade em contribuir neste projeto e dará prosseguimento ao trabalho de revisão do Plano Diretor de outras formas. Perde a cidade”, diz a nota.

A pressão era para que o Consun aprovasse o acordo em reunião que foi realizada na segunda-feira (18), mas isso acabou não ocorrendo, uma vez que o órgão, que tem o caráter de deliberar sobre as decisões da universidade, aprovou um parecer que sugeriu que a análise sobre a parceria fosse encaminhada à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo.

Após a reunião, Bremm divulgou uma nova nota anunciando o rompimento da parceria com a UFRGS. “A decisão se deve ao resultado da reunião do Conselho Universitário (Consun) da UFRGS desta segunda-feira, 18, que aprovou o reenvio do processo à Faculdade de Arquitetura para avaliação de mérito. O processo da assinatura da carta-acordo para revisão do Plano Diretor já tramita na universidade há dois anos. Teve pareceres favoráveis à aprovação do projeto de cooperação pela Controladoria da Universidade, pela Procuradoria da UFRGS e pelo CIUS – órgão técnico de apoio do Conselho”, diz a nota.

Após o anúncio feito pelo secretário, a vice-reitora da UFRGS e presidente do Consun, Patricia Helena Pranke, encaminhou ofícios à Prefeitura e ao PNUD na terça-feira (19). Ao órgão da ONU, Pranke manifestou o interesse da universidade em colaborar com o projeto e solicitou a realização de uma reunião para “harmonizarmos as informações que podem não ter sido devidamente apresentadas”.

Já no ofício endereçado à Prefeitura, além de também solicitar uma reunião “com a urgência possível”, Pranke encaminhou esclarecimentos sobre o trâmite do processo, destacando que a demora na apreciação da proposta não ocorreu por falta de interesse do Consun. Ela também reiterou o interesse da universidade em continuar colaborando com o projeto.

Em cronograma encaminhado à reportagem, a Prefeitura aponta que a tramitação da carta-acordo, o instrumento que ratificaria a participação da UFRGS na revisão do Plano Diretor, começou em 2020, com a indicação de uma comissão interna. Esta comissão recebeu oito manifestações de interesses elaboradas por equipes da universidade até 18 de novembro de 2020, das quais a Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade de Porto Alegre (Smamus) escolheu a proposta 1 em 9 de março de 2021. Em 29 de junho de 2021, é formalizada a proposta de Interação Acadêmica nº 1592, referente à proposta 1, que recebe um pedido de informações em 28 de outubro e chega para o Consun em janeiro de 2022. Após a apresentação de três pareceres técnicos favoráveis, a proposta chega à paura em 4 de março, mas só é apreciada em 18 de abril, quando a análise do mérito é reenviada para a FAU.

Em conversa com o Sul21 nesta terça, o secretário Gemrano Bremm confirmou que o rompimento é uma decisão tomada em definitivo pela Prefeitura e que as tarefas que seriam realizadas pela UFRGS serão rearranjadas e contratadas pelo PNUD junto a outros consultores, o que não significa outra universidade. “A gente vai realocar esses produtos que iriam ser desenvolvidos pela universidade e vão entrar dentro do escopo do restante, dos 70%, que já seria via PNUD. Eles fazem contratação de pessoas jurídicas e de pessoas físicas a partir do projeto que a gente demandar”, explica.

Bremm afirma que a Prefeitura pretende divulgar no dia 3 de maio um novo cronograma de desenvolvimento do Plano Diretor, o que inclui a realização de audiências públicas, oficinas, seminários e estudos técnicos que irão subsidiar sua elaboração. Segundo ele, a previsão de entrega de um novo Plano Diretor à Câmara de Vereadores segue mantida para agosto de 2023.

“A gente convidou a UFRGS, que tem a expertise acadêmica e técnica para agregar conhecimento a esse projeto. Então, 30% dos recursos a gente iria pagar à universidade para desenvolver esse projeto. No entanto, a universidade, em função dos seus ritos, dos seus trâmites internos, vem encontrando dificuldade de concluir essa concordância, pelo sim ou pelo não, para se proceder com essa cooperação”, disse ao Sul21 o secretário Germano Bremm. “A gente tem um tempo e uma obrigação legal que é do Executivo. A gente é cobrado pelos órgãos de controle, pela sociedade e pela Câmara de Vereadores para que se proceda com a revisão do Plano Diretor”.

No ofício encaminhado na terça, a vice-reitora Patricia Pranke apresenta divergências com a cronologia apresentada pela Prefeitura. Ela destaca que as unidades acadêmicas da UFRGS só foram informadas sobre a possibilidade de interação acadêmica em 18 de novembro de 2020 e que, em janeiro de 2021, uma proposta foi encaminhada pela UFRGS à Prefeitura, sendo aceita em fevereiro. Em março, a UFRGS, segundo Pranke, é informada pela Prefeitura de alterações na proposta, bem como sobre a mudança na coordenação institucional do projeto, que passa para o professor Luiz Carlos Pinto da Silva Filho, da Escola de Engenharia.

“Observa-se que em período inferior a três meses a Universidade responde à demanda da Prefeitura de Porto Alegre”, diz o ofício da vice-reitora.

Em 14 de julho, o projeto é cadastrado no Sistema de Interações Acadêmicas (IAP) da UFRGS, com o Termo de Compromisso e Responsabilidade assinado pelo coordenador em 7 de julho. No entanto, Silva Filho é nomeado como novo secretário municipal de Inovação em 2 de setembro de 2021, o que obriga uma mudança na coordenação do projeto. A documentação referente à nova coordenação é apresentada em 22 de dezembro, mas o novo coordenador solicita que o projeto retorne para alterações em 11 de janeiro.

A nova documentação é anexada no sistema IAP em 18 de janeiro, mesmo dia que chega à Comissão de Interação Universidade-Sociedade (CIUS), órgão da UFRGS responsável por parcerias do tipo, que encaminha parecer favorável no dia seguinte. Em 3 de fevereiro, o parecer é assinado por outro membro do CIUS, justamente o professor Silva Filho. Pranke frisa que o Consun só poderia analisar o acordo de interação acadêmica de posse de todos os documentos, portanto após o dia 3 de fevereiro. Contudo, como o reitor Bulhões não convocou o conselho em fevereiro, ele só iria se reunir em 4 de março, quando a proposta é pautada pela primeira vez.

O tema não é colocado em análise pelo reitor Bulhões, que mais uma vez poderia ter tomado a medida, e a reunião é interrompida pelo avançado da hora e retomada no dia 11, quando o projeto entra em análise, mas recebe pedido de vista. Uma nova reunião é convocada pelo reitor apenas para o dia 8 de abril. No ofício, Pranke destaca que havia solicitado que o Consun se reunisse em 25 de março, justamente para dar celeridade aos processos. A reunião do dia 8 é novamente suspensa pelo avançado da hora, continuando apenas no dia 18 em razão do feriado de 15 de abril. Quando enfim acontece, o Consun acolhe um dos pedidos de vista que pedia a inclusão de informações adicionais no processo.

“De acordo com o histórico apresentado, a entrada do projeto em reunião do Conselho até a decisão do Conselho, transcorreu-se em menos de um mês e meio, incluindo o pedido de vista e retorno para avaliação do Conselho. Ressalta-se que a decisão do Conselho só não se deu antes devido ao fato de que não houve reunião no mês de fevereiro e a não convocação de reunião anterior. Sendo assim, seria muito bem recebida, uma manifestação da Prefeitura para informar a sociedade porto-alegrense que a demora na apreciação dessa proposta não foi por falta de quórum ou interesse do Consun em tratar da matéria. Ressaltamos, ainda, que a Universidade tem todo interesse em prestar essa ajuda à cidade de Porto Alegre, participando da revisão de seu Plano Diretor”, diz o ofício.

Pedro de Almeida Costa, professor de Administração e representante docente no Consun, foi autor de um dos pedidos de vista apresentados no Conselho. Ele avalia que as cobranças da Prefeitura são indevidas, uma vez que a relação da UFRGS seria com o PNUD, e não diretamente com o Executivo. “Se a Prefeitura quer romper, ela tem que romper com o PNUD, porque vai ter que desfazer aquele termo e fazer outro”, avalia.

Ele aponta que o grande problema apresentado nos pedidos de vista é o fato de que a proposta escolhida pela Prefeitura entre aquelas elaboradas na UFRGS inclui os professores que já tinham prestado consultoria ao Paço Municipal para a elaboração do acordo com o PNUD. Luiz Carlos Pinto da Silva Filho, então coordenador do Pacto Alegre — acordo firmado entre Prefeitura e instituições de ensino para a promoção do empreendedorismo –, era um dos nomes que participou da construção do acordo com o PNUD.

Luiz Carlos Pinto da Silva Filho aparece à esquerda de Marchezan (centro) na assinatura do acordo com o PNUD. Bremm aparece de gravata vermelha na imagem | Foto: Cesar Lopes/ PMPA

Costa relata que, no início de 2020, após a assinatura do convênio com o PNUD, houve uma forte pressão sobre o reitor da época, Rui Vicente Oppermann, para que esses mesmos professores fossem escolhidos para tocar o projeto sem que ele seguisse os trâmites necessários internamente na UFRGS, o que acabou não ocorrendo. Logo em seguida, em março, eclode a pandemia de covid-19 e, em setembro, a UFRGS entra em uma crise institucional em razão da nomeação de Carlos André Bulhões pelo governo federal, ignorando a eleição interna que decidiu pelo reencaminhamento de Oppermann.

“A UFRGS não se mexeu de fato, mas não foi culpa do Conselho Universitário. Aquele grupo de professores queria automaticamente executar as tarefas, e isso era uma coisa um pouco absurda para a gestão anterior da universidade, porque teria que ter um chamamento”, diz Pedro Costa.

Ele explica que as diferentes propostas apresentadas pela UFRGS dizem respeito à metodologia de trabalho para execução das tarefas elencadas pelo PNUD e à formação das equipes, mas o trabalho a ser desenvolvido por elas seria o mesmo.

O professor ressalta que a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo entendia que deveria ser responsável pela escolha da equipe que coordenaria o projeto. Contudo, segundo ele, a escolha da Prefeitura, em março de 2021, desagradou a FAU, que teria então entregue informalmente à reitoria a condução do processo. “A bronca foi que faltou transparência, porque o PNUD deveria ter escolhido entre os projetos”, diz.

Ele também destaca que o projeto foi atrasado pelas trocas na coordenação da proposta escolhida pela Prefeitura e ressalta ainda que o reitor Bulhões, que foi escolhido por Bolsonaro e é ligado a políticos que apoiam o governo municipal, como o deputado federal Bibo Nunes, poderia ter convocado mais reuniões do Consun, mas não o fez. “Eu acho que tem uma campanha contra o Consun. É totalmente despropositado o Melo cobrar o Consun”, diz.

Autor de outro pedido de vista, Rafael Passos, presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB-RS) e suplente no Consun, avalia que o envolvimento da universidade deve ser assegurado em razão da expertise e argumenta que os problemas na tramitação foram gerados pela preferência por uma das propostas por parte da Prefeitura. Ele acrescenta que essa proposta, no entanto, propunha a realização de tarefas que não estavam no escopo do acordo firmado entre Prefeitura e PNUD, o que exigiu uma alteração no PCTI. Contudo, quando o projeto alterado volta para a UFRGS, diz Passos, não houve tempo para que as outras propostas fizessem alterações.

Passos diz que o entendimento de que o processo deveria ter voltado para uma nova seleção é o que motivou o pedido de vista e a recomendação de que o processo voltasse a ser analisado pela Faculdade de Arquitetura. “O secretário diz que tudo está sendo articulado porque não se aceitava aquela equipe, eu digo tudo está sendo articulado porque me parece que havia um direcionamento. Não era um interesse na universidade, era um interesse num grupo específico dentro da universidade”, diz. “Tu tinha uma proposta que se encaixava perfeitamente, que tinha uma equipe muito maior, multidisciplinar, com o envolvimento de mais disciplinas, e preteriu por uma proposta com uma equipe reduzida, que envolve só três unidades e que propõe outra coisa. Então, não há justificativa técnica para essa escolha que a Prefeitura fez e essa escolha que atrasou o processo”.

Passos avalia ainda que a decisão de não contratar a UFRGS vai provocar um atraso ainda maior no processo de elaboração do Plano Diretor.

Bremm avalia que a Prefeitura escolheu de forma subsidiada a proposta 1 e que ela tramitou por todas as esferas da universidade, com o poder público prestando todos esclarecimentos sugeridos e que a expectativa era de que a cooperação já tivesse sido aprovada pelo Consun. “Como o Consun tem um tempo diferente, e a gente respeita, não se conseguiu aprovar. Nós indicamos que se não houvesse uma deliberação final na próxima reunião a gente teria que obrigatoriamente seguir outro caminho. Foi feita a reunião, o Consun aprovou parecer de vista, reencaminhou para análise, retrocedendo para um ano atrás, aquilo que já tinha sido deliberado, e a gente compreendeu que o nosso tempo é diferente e nós precisamos seguir o caminho. A cidade tem pressa e o projeto tem que acontecer”.


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