Entrevistas
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4 de outubro de 2014
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11:24

Geneton Moraes Neto fala das “duas verdades” e dos desafios do jornalismo em tempos de internet

Por
Sul 21
sul21@sul21.com.br

Débora Fogliatto*

Geneton Moraes Neto é um jornalista brasileiro com 11 livros publicados, que atualmente trabalha na Rede Globo, no Rio de Janeiro. Nascido em Pernambuco, iniciou sua carreira como repórter no Diário de Pernambuco, nos anos 1970. Tornou-se mais conhecido ao começar a trabalhar na Globo, já tendo sido editor do Jornal da Globo e do Jornal Nacional, correspondente do canal Globonews e do jornal O Globo na Inglaterra, além de repórter e editor-chefe do programa Fantástico.

Recentemente, entrevistou os generais da ditadura Newton Cruz e Leônidas Pires Gonçalves, pelo que se tornou mais conhecido no país. Ele defende seu interesse por entrevistar pessoas de quem discorda ou até despreza: “Eu conheço jornalistas que não entrevistariam George Bush, porque é um fanático de direita e invadiu o Iraque e outros que não entrevistariam Fidel Castro porque é um ditador comunista. Eu adoraria entrevistar os dois!”, disse ao Sul21.

Nesta entrevista, ocorrida quando esteve em Porto Alegre para participar do SET Universitário, evento da Faculdade de Jornalismo da PUC/RS, Geneton falou principalmente sobre como fazer jornalismo com a necessidade do imediatismo da internet, sobre credibilidade, sobre o documentário Mercado de Notícias, de Jorge Furtado, onde aparece como um dos entrevistados, além de contar um pouco sobre sua trajetória e dar dicas aos estudantes e novos jornalistas. Confira:

 | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Geneton afirmou ter ficado “sinceramente surpreendido” por ter sido chamado para participar do Mercado de Notícias | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Sul21 – O filme Mercado de Notícias, do qual tu participaste, indaga o que rege as regras do jornalismo e a quem serve esse jornalismo que é feito hoje. Tu poderias comentar um pouco sobre o filme?

Geneton de Moraes Neto – Primeiro eu fiquei sinceramente surpreendido de ter sido um dos entrevistados, não é falsa modéstia não. Porque tem Mino Carta, Jânio de Freitas. E depois eu achei saudável um filme em que jornalistas discutem jornalismo, isso faz muita falta no Brasil. Porque o jornalismo se ocupa de outras profissões, mas raramente do próprio fazer jornalismo. Uma coisa que eu sinto falta terrivelmente em redação é o debate interno sobre jornalismo. Então quando vem o Jorge Furtado e propõe um debate público sobre jornalismo, eu achei super-saudável e fiquei feliz de ter participado. Porque eu tento transmitir uma visão otimista do jornalismo, animadora, mas claro que tenho críticas a fazer. E uma é essa, a dificuldade de tratar do próprio jornalismo. Acho que isso é injustificável.

Sul21 – Como tu vês a relação do jornalismo com a publicidade, o fato de haver anúncios nos jornais? Isso prejudica a ética de alguma forma?

Geneton – Acho que não, isso faz parte do modelo econômico. Eu por exemplo não lembro de ter sido impedido de fazer alguma coisa por publicidade. Acho que até que inventem um outro modelo não tem o que fazer… Os jornais vivem mais de publicidade do que das vendas. Mas a grande novidade, tem um grande problema econômico que inclui a publicidade, que é o que fazer para que o jornalismo na internet se torne autossustentável. Eu vi um estudo norte-americano de que o dinheiro de publicidade que entrava no site do jornal só seria 10% do necessário para bancar uma redação completa, com jornalista no exterior, profissionais qualificados.

 | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
“Não tenho visão apocalíptica”, afirma ele sobre o futuro do jornalismo | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Então a boa notícia é que nunca se fez tanto jornalismo. Mas o preocupante é que não descobrimos como tornar a internet viável economicamente para o jornalismo. Você pode fazer um site genial e a receita ser zero. Isso é um pouco assustador, é muito difícil. Como convencer alguém a pagar por algo que ele tem de graça?

Sul21 – Muito se critica os sites de jornais que limitam o número de acessos, só permitem que assinantes acessem certas áreas.

Geneton – Ainda não se sabe se a solução é abrir totalmente e deixar só publicidade, ou limitar o número mesmo. Às vezes a impressão que dá é que revogaram o capitalismo, é tudo de graça mas faltou combinar quem vai pagar a conta.

Sul21 – Talvez a própria publicidade então que não tenha se adaptado totalmente.

Geneton – Talvez, sim. Mas eu não tenho visão apocalíptica, acho que fica a interrogação de qual é o modelo. E vai aparecer cedo ou tarde, não existe nenhum problema insolúvel. Marx já dizia e eu não sou marxista, mas ele dizia que não existe nenhum problema que se ponha que a humanidade não consiga resolver. Vamos descobrir, mas naõ sei qual.

Sul21 – Mas o senhor vê mesmo como perspectiva o fim do jornalismo impresso, o reino da internet?

Geneton – É, eu até algum tempo atrás eu estava com muxoxo assim, de descrença quando alguém dizia que os jornais impressos iam acabar. Hoje já tenho dúvidas, a médio prazo. E eu dizia que 65% por culpa dos próprios jornais. Um grande problema do jornalismo brasileiro – e isso eu digo como leitor mesmo – é a dificuldade que os jornais tiveram para se adaptar nos tempos de internet. Então não faz mais sentido um jornal gastar papel, tinta, caminhão, equipe, gasolina, para colocar na primeira página uma manchete como “Neymar fora da Copa”, que até as pedras lá de casa já sabiam disso. E tinha essa manchete nos grandes jornais. Eu até brinquei num debate sobre O Mercado de Notícias lá no Rio e disse “pra quem eles estavam se dirigindo? Só se for para um marciano recém-desembarcado no planeta para não saber disso”.

“Sempre, desde que eu me entendo por gente e estudava jornalismo lá em Pernambuco via as pessoas dizendo ‘o jornal não pode repetir o que a TV ou o rádio disseram ontem’, mas continuam repetindo”.

Sul21 – O senhor até fez umas postagens no Facebook sobre isso né?

Geneton – Fiz sim, é verdade. Porque isso para mim se tornou um caso emblemático da inadequação dos jornais ao momento atual. Eu acho incrível e é por isso que o jornalismo me cansa. Por exemplo,sempre, desde que eu me entendo por gente e estudava jornalismo lá em Pernambuco, via as pessoas dizendo “o jornal não pode repetir o que a TV ou o rádio disseram ontem”, mas continuam repetindo. E hoje é pior ainda por causa da internet e das redes sociais. Os jornalistas sabem qual é a solução e não aplicam. É um bom teste até para os estudantes propor uma manchete que avance um milímetro que seja em relação à notícia “Neymar fora da Copa”. Por isso 15 minutos depois todo mundo já sabia, interessava ao Brasil inteiro.

 | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
“Só publicar algo que todo mundo já sabe só pode ser incompetência generalizada”, diz Geneton| Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Sul21 – E na internet tem aquela coisa de poder acompanhar ao vivo, desde quando se tem a suspeita de algo até se concretizar.

Geneton – É, é só ver o caso agora do Eduardo Campos. A grande novidade é que agora a apuração ficou ao vivo. Antigamente era feita em off entre os repórteres e hoje, num fato importante, a novidade é essa. Isso até expõe alguns problemas do jornalismo. Eu lembro que a primeira notícia era “um helicóptero caiu em Santos”, daqui a pouco o boato de que era o avião do Eduardo Campos e depois a suspeita de se a família estava lá. A gente tem que se acostumar também com isso da apuração ao vivo. Só publicar algo que todo mundo já sabe só pode ser incompetência generalizada.

Sul21 – E será que os novos jornalistas estão mais preparados para essa cobertura ao vivo, os atuais estudantes?

Geneton – Eu espero que sim, que essa nova geração entenda que vai ter um desafio, de avançar, de dar uma informação que avance em relação ao que já se sabe. Com a velocidade, é a vida em tempo real. As coisas importantes acontecem em tempo real. E é papel das novas gerações se adaptar para essas exigências e se preparar para ser mais ativo, ousado. O grande fato é que estamos no meio de um maremoto e ninguém sabe qual vai ser o futuro, o jornalismo está virado de ponta cabeça. Ninguém sabe, nem cursos, nem alunos, nem jornais. O fato é que é uma revolução em andamento e eu acho saudável. Hoje a informação se consome onde você estiver, é cada vez mais móvel, e como você quiser. Não tem como voltar atrás agora, não precisa mais ficar sentado na sala esperando até as 8 horas para ver o jornal.

Sul21 – Aqui em Porto Alegre recentemente tivemos dois casos de jornais com demissões em massa nos últimos meses. Não sei se isso é um fenômeno local ou uma tendência nacional.

Geneton – Pode ser que diminuam as redações, porque hoje há essa ideia do profissional multimídia. Esses dias vi no site do New York Times… tem uma TV New York Times que é o próprio repórter, nesse caso a editora de Ciências pegou uma câmera, colocou num tripé e ela mesma gravou ela conversando com um cientista. E depois qualquer um edita, é simples. E ao mesmo tempo nada substitui um fotógrafo, não estou falando isso só para agradar você (se dirigindo ao fotógrafo, Ramiro), mas eu nunca vou conseguir tirar uma foto tão boa, só se for uma emergência. Nunca vou ser um cinegrafista profissional. Acho que o trabalho de profissional mesmo vai continuar, não vai acabar.

Essa revolução de todo mundo fazendo jornalismo, todo mundo gravando, fazendo vídeo. A diferença é que todo mundo vai fazer isso, mas sempre vai ser preciso alguém que tem aquele olho do fotógrafo, do cinegrafista, e o talento do jornalista, de hierarquizar informações. Porque qualquer um pode colocar no Twitter, mas o cara que vai hierarquizar, apurar porque aconteceu aquilo, essa figura vai ser sempre precisa. Acho que não vai acabar. Porque é um artigo de primeira necessidade a informação numa sociedade civilizada.

 | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Morte de Eduardo Campos a uma semana do início da campanha “confirmou tragicamente que tudo é possível” no Brasil | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Sul21 – E qual a tua avaliação da cobertura nessa corrida eleitoral? Foi parecida com o que sempre é ou teve diferenças devido a esse momento da internet?

Geneton – Acompanho como eleitor, acho que está sendo normal. A diferença que teve é que o Brasil realmente confirmou tragicamente que tudo é imprevisível. Nunca alguém ia imaginar que um candidato uma semana antes de começar a campanha ia ter um acidente e daí a Marina entra já no páreo. Parece aquele folclore de “só acontece no Brasil”, mas tem algumas coisas que acho que é mesmo. Quem imaginaria que o Brasil ia perder de 7 a 1 para a Alemanha por exemplo? No início do ano, ninguém teria previsto que ia perder e que ia cair um avião e Marina ia estar no páreo. É um desafio para o jornalismo também, tentar traduzir o Brasil.

“No jornalismo existem duas verdades: a verdade dos fatos, que eram os caras comendo feijão com pedra; e a verdade cor-de-rosa, que é a verdade oficial”

Sul21 – E como é tua relação com as redes sociais, como tu vês o uso delas?

Geneton – Ao contrário de muitos jornalistas da minha geração, que fomos criados no papel e no modelo antigo de televisão, eu não tenho nenhum preconceito com a internet. Eu uso e fico até meio surpreso de ver jornalistas dizendo “eu não vou escrever de graça no Facebook”. Eu escrevo, porque acho em primeiro lugar que ninguém vai me pagar para escrever no Facebook. E depois porque está lá o Papa, o Obama… Então é um negócio avassalador, acho até que ficou secundário isso. Eu não me sinto explorado, porque ninguém me pediu para escrever. Nem me ocorre isso. Eu prefiro, se eu tiver um texto legal, escrever no Facebook mesmo, a tendência hoje são as nano-audiências, conheci há pouco essa expressão. Ao invés de ser enormes audiências acompanhando tudo ao mesmo tempo, são audiências localizadas. E eu acho isso bom.

 | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
“Não me sinto explorado” por escrever de graça no Facebook, afirmou | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Eu tenho dez mil seguidores agora no Facebook, acho uma multidão. Porque a tiragem de um livro é cerca de três mil, então é muita gente. No Twitter também eu me lembro que foi aumentando e está em cem mil, do nada. Porque não teve nada de especial, mas noto sempre que quando se critica algo a quantidade de gente aumenta muito. Escrevo qualquer coisa detonando a televisão, “a televisão é um eletrodoméstico metido a besta” (risos).

Sul21 – E tu acreditas na imparcialidade, na necessidade da imparcialidade do jornalismo?

Geneton – Eu acho que o jornalismo, mais do que imparcial, precisa ser honesto Esse mito da imparcialidade total… Não existe um jornalista que não se envolve em nada, é meio coisa de filme de Hollywood. O principal é o jornalismo ser honesto, mais importante do que ser imparcial. Precisa ser honesto porque não é difícil às vezes você contar os dois lados.

Como lição que aprendi no inicio da profissão, assim que eu comecei a trabalhar, no inicio mesmo, o diretor lá do Diário de Pernambuco, que era aquele jornalista das antigas, me pediu para ir num hospício fazer uma matéria, eu tinha dezesseis anos. Ele falou “Eu quero uma matéria sobre esse hospício“, lá do Recife. “Diz que sua irmã tá internada, pula o muro, faz qualquer coisa, mas eu quero a reportagem aqui”, e eu com aquela petulância de 16 anos falei: “deixa comigo!”. Aí eu fui e entrei no hospital, era meio aberto assim, não era aquela coisa fechada, entrei e me misturei aos pacientes. Eu até brinco que isso era um assunto para dez anos de psicanálise, porque ninguém notou que eu não era paciente (risos). Aí fui lá e lá eles diziam “Aqui a comida é horrível, tem pedra dentro do feijão, uma comida sem gosto”. Aí eu sai e voltei já me apresentando como jornalista, com o fotógrafo de lá do Diário de Pernambuco. Fui falar com a diretora do hospital e a mulher falou: “Não, aqui a gente tem uma equipe com nutricionistas, que tomam conta dos cardápios dos pacientes, então um dia eles servem peixe, no outro dia servem galinha, depois é carne…”

Então você já via que no jornalismo existem duas verdades: a verdade dos fatos, que eram os caras comendo feijão com pedra; e a verdade cor-de-rosa, que é a verdade oficial. E se você tiver o cuidado de não embarcar nem em uma e nem em outra totalmente, de ter essa coisa meio salomônica de ouvir os dois lados, você já vai ser honesto e já é suficiente sabe, sem muita mitologia de jornalismo imparcial. Claro que os jornais têm interesses, mas eu pessoalmente nunca me aconteceu, para decepção de muita gente que é mais militante, de alguém chegar e dizer “Vamos deixar de dar essa notícia”, e nem eu faria também. Eu conheço jornalistas que não entrevistariam George Bush, porque é um fanático de direita e invadiu o Iraque e outros que não entrevistariam Fidel Castro porque é um ditador comunista. Eu adoraria entrevistar os dois!

“Daqui a uns 100, 50 anos, quando alguém for pesquisar o que aconteceu na ditadura militar, a Comissão da Verdade vai ser inevitavelmente uma das fontes”.

Sul21 – Tu fizeste trabalhos relacionados ao resgate de materiais da época da ditadura. Qual é a importância e o quão grande tem sido o trabalho da Comissão da Verdade?

 | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Geneton reflete que ao mesmo tempo em que não se guarda e-mails, tudo permanece na internet | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Geneton – Eu acho interessante pelo seguinte: vamos pensar longe, daqui a uns 100, 50 anos, quando alguém for pesquisar o que aconteceu na ditadura militar, a Comissão da Verdade vai ser inevitavelmente uma das fontes. Não só ela, a imprensa também, os arquivos. Aliás, voltando um pouco ao tema anterior, eu me lembro que em 1995, 1996 mais ou menos, quando eu estava com uns 15 anos, lá em Londres, um historiador escreveu um artigo meio apocalíptico, dizendo que a gente estava voltando à idade pré-escrita, antes da escrita, por causa da internet. Que o computador estava acabando com a história. Ele dizia o seguinte, “quem vai guardar os e-mails que o Primeiro Ministro da Inglaterra manda agora?” Naquele tempo eu cheguei a pensar nisso, porque antigamente, por exemplo, no Brasil, Jânio Quadros tinha os bilhetinhos né, hoje em dia ele mandaria um e-mail provavelmente, e se você não salvar isso, não tiver uma preocupação, você vai perder muita coisa mesmo. Cadê os e-mails da Dilma, por exemplo? Alguém está guardando isso?

Mas ao mesmo tempo, hoje acontece o contrário do que esse historiador estava prevendo, de que ia voltar a idade sem memória, porque o difícil é você tirar alguma coisa internet. Por outro lado é bom também, o fato de o computador, ao contrário do que alguns esperavam, não ter anulado a memória da humanidade. Eu acho que hoje é ao contrário, tanto é que já virou até caso judicial, você ter que tirar alguma coisa, obrigar a retirar.

Sul21 – Já teve casos de vazamentos de fotos íntimas de mulheres, que alguém processou o Google, pediu pro Google retirar. Tem uma lei também, acho que não foi no Brasil, foi fora, a lei do esquecimento.

Geneton – Tem um negócio que você pode querer tirar qualquer referencia a você na internet. Isso criou uma situação nova, né? Tem uma coisa muito grave aí também, que é o seguinte, você escrever os maiores absurdos hoje na internet, e você precisa saber que você pode ser obrigado a responder judicialmente por aquilo.

Isso aconteceu comigo, eu não gosto de ficar brigando, nunca entrei na justiça contra ninguém, mas dessa vez eu entrei. Eu fiz uma matéria com o cantor Geraldo Vandré, foi a primeira vez que a produtora conseguiu convencer, não sei como, o Geraldo Vandré a falar, depois de 37 anos, no Hotel da Aeronáutica, que ele frequenta. Vou contar rapidamente, para ilustrar esse problema da internet, que eu acho que é bem didático. Eu tinha recebido uns seis meses antes um trabalho que uma menina fez, de conclusão de curso sobre Geraldo Vandré, que eu não tive tempo nem de ler. Bom, quando a matéria foi pro ar na Globo News, um amigo dela colocou na internet, “ah eu li uma entrevista com Geraldo Vandré, que o Geneton roubou as perguntas de um trabalho dessa menina”. Aí eu disse espera aí, se depois de quarenta anos trabalhando, eu preciso roubar uma pergunta, roubar! Não existe isso. Eu queria que ele provasse que eu roubei, como é que faz isso? Cheguei lá e gastei uns R$ 3 mil, paguei um advogado, que localizou o cara lá em São Paulo, e entrou na Justiça e notificou o cara. Resultado: ele teve que de cara pegar um avião pro Rio com advogado e marcou uma audiência.

 | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
“Uma coisa que no jornalismo não tem preço é credibilidade”, afirmou | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Eu não sou de fazer muita bravata não, mas nesse dia eu fiz, escrevi um texto e botei no site depois, dizendo em outras palavras o seguinte: se você tá virando jornalista, se você quer fazer jornalismo, você tem que primeiro aprender que você pode fazer jornalismo na internet, mas tem que cumprir os mesmos princípios do jornalismo em qualquer lugar, não pode fazer nem calúnia, injuria, nem difamação. Você tem que responder pelo que escreve.

Tem uma coisa que no jornalismo não tem preço, que é credibilidade. Você passa quinhentos anos trabalhando para ter alguma credibilidade. Se você provar que eu roubei, eu estou doando para você qualquer coisa que eu possa ganhar do meu trabalho até o resto da minha vida. Se tiver dinheiro envolvido nisso, estou doando para qualquer creche da Rocinha, ou então pra escola pública lá no interior do Piauí, não quero dinheiro na minha mão. Só quero marcar uma posição, e dizer que você não pode no Twitter dizer o que passar na sua cabeça porque você está mexendo com outras pessoas. Foi engraçado, porque o cara não falou uma palavra. Aí o juiz perguntou se eu queria levar adiante, eu disse que não, e ele ia mandar ele escolher uma instituição de caridade e ele faria uma doação, e foi o que ele fez.

Você não pode na internet “virar a terra de ninguém” porque aí volta à barbárie de novo. Você tem que provar, como você tem que provar no jornal. É importante os jornalistas amadores, porque hoje todo mundo faz jornalismo na internet, então vamos chamar assim, os jornalistas amadores tem que se conscientizar de que eles precisam seguir as normas do jornalismo tradicional. Você não pode escrever o que der na telha e mexer com a honra das pessoas.

“É um tempo medíocre, despolitizado mesmo, só com projetos pessoais, de crescer na vida, juntar dinheiro, ter cartão de crédito, carro do ano”.

Sul21 – Parece que as possibilidades da internet avançaram numa medida que as pessoas não tomaram consciência da responsabilidade que elas precisam ter, até os próprios jornalistas, não tomaram consciência do tamanho que as coisas assumem quando estão na internet.

Geneton – Mas eu acho que já foi pior, em geral as pessoas estão percebendo que não é brincadeira. Até essa questão de vazar imagens e tudo mais.

Sul21 – E como tu avalias a situação do jornalismo atual, em termos de qualidade? 

Geneton – O que eu acho incrível é que no tempo que eu era estudante, por exemplo, eu ia a uma banca de revista, tinha o Pasquim, que eu lia da primeira a ultima página, tinha Paulo Francis, Millôr Fernandes, era genial o jornal. Tinha o Opinião, Movimento, Bondinho, Crítica, o CooJornal, era genial. Hoje, eu não sei qual o motivo, será que precisa ter um inimigo assim para a imprensa combater, ser combativa? Porque hoje você chega em uma banca de revista, a impressão que dá é que o que está dominando é o “jornalismo endocrinológico”, são aquelas capas de revista “Emagreça, Engorde”, não me interessa isso. Antigamente os jornais tinham muito mais coisas pra ler. É perigoso até você falar, e eu não sei se é isso, mas parece assim, talvez seja, que quando existia uma ditadura, uma coisa assim, tinha mais vivacidade, por incrível que pareça, mais engajamento.

Hoje eu acho que falta diversidade à imprensa, eu sinto isso. Você encontra os blogs né, mas em veículos mesmo assim, eu sinto falta disso. Você tem os grandes jornais, e o resto são essas revistas de comportamento, mulher pelada… Isso eu sinto muita falta no Brasil. Ou até de jornais que se assumissem mesmo, como é na França. Como tinha até outro dia, um jornal do partido comunista, um jornal do partido socialista, um conservador, porque aí você sabe o que está lendo. E com o tempo começou essa uniformização generalizada assim, uma coisa meio assustadora, um sinal até de mediocridade, eu acho. É um tempo medíocre, despolitizado mesmo, só com projetos pessoais, de crescer na vida, juntar dinheiro, ter cartão de crédito, carro do ano.

 | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
“Com o tempo começou essa uniformização generalizada assim, uma coisa meio assustadora, um sinal até de mediocridade”, refletiu.| Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Sul21 – Será que no caso dos jornais isso não está sendo ou pode vir a ser suprido pela internet e redes sociais?

Geneton – Ah sim, pode ser. Você acha belos sites legais, uns caras que fazem uns textos bem escritos, eu fico impressionado. Esses dias estava procurando umas coisas para uma revista que a gente ia fazer no Rio e vi uns textos em blogs melhores até do que os que os jornais publicavam, de caras que escrevem super bem, são super bem preparados e estão assim soltos. Eu acho que talvez o que falte seja um “super site”, deixe de lado então o jornalismo endocrinológico das revistas e criar um super site que juntasse esses caras todos. Talvez as pessoas estejam desarticuladas, mas se você procurar acha coisa boa sim. Textos muitos bons, caricaturistas, acha coisa boa na internet.  Não sei, estou dando uma de cientista político aqui, mas coincidiu com o fim das ideologias, ficou aquele vácuo, não surgiu uma coisa que substituísse aquilo, com o fracasso do socialismo ainda não apareceu outra bandeira. E daqui a pouco faz 25 anos já que caiu o Muro de Berlim e ficou esse vácuo. E aí fica esse risco de achar que não existe alternativa, eu acho meio complicado.

*Com Ramiro Furquim e Roberta Fofonka


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