Entrevistas
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10 de fevereiro de 2014
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09:45

Vinicius Wu: “Não vamos resolver conflitos sociais com repressão policial”

Por
Sul 21
sul21@sul21.com.br

Marco Weissheimer

Vinicius Wu: "A primeira coisa a fazer é reconhecer que, diante da Copa do Mundo, há uma série de questionamentos, muitos deles legítimos, que devem encontrar acolhimento por parte do Estado". (Foto: Imprensa/Piratini)
Vinicius Wu: “A primeira coisa a fazer é reconhecer que, diante da Copa do Mundo, há uma série de questionamentos, muitos deles legítimos, que devem encontrar acolhimento por parte do Estado”. (Foto: Imprensa/Piratini)

O Governo do Rio Grande do Sul realizará nos próximos meses, por meio do Gabinete Digital, uma série de audiências e escutas sobre a Copa do Mundo de Futebol. Os encontros, que serão transmitidos ao vivo pela internet, reunirão representantes de movimentos e organizações críticas à Copa e também setores da sociedade que defendem a realização do evento em um clima de paz e diálogo. A ideia é abrir um espaço de diálogo com esses grupos e setores que terão a oportunidade de dialogar entre si e também com o governador Tarso Genro em busca de soluções que minimizem tensões e acolham reivindicações sociais fruto de impactos da organização da Copa.

Em entrevista ao Sul21, o Secretário Geral do governo gaúcho e coordenador do Gabinete Digital, Vinicius Wu, fala sobre a iniciativa dos Diálogos da Copa e defende a construção de um espaço de diálogo e não-violência em torno do tema da Copa. Wu reconhece que o poder público está diante de muitos questionamentos legítimos (como aqueles envolvendo a remoção de moradores, por exemplo) que devem ser ouvidos e encontrar acolhimento por parte do Estado. E rejeita a ideia de que a resolução de conflitos sociais seja tema da atuação das forças policiais. “Esse é o maior erro que um governo pode cometer. Para aqueles que defendem de maneira mais incisiva a manutenção da ordem deve-se lembrar que alguns lugares estão testando essa fórmula e ela não tem dado certo”.

Sul21: O governo do Estado, por meio do Gabinete Digital, anunciou que pretende iniciar uma série de diálogos com a sociedade sobre a Copa do Mundo de Futebol que ocorre este ano no Brasil e tem Porto Alegre como uma de suas cidades-sede. Em que consiste essa iniciativa e quais são seus objetivos?

Vinicius Wu: Em primeiro lugar, é importante reconhecer que estamos diante de um processo que deve ser compreendido como um fenômeno social e político com o qual os governos precisam aprender a lidar. Desde o ano passado, vivemos um processo que introduziu um elemento novo na cena política nacional. Cabe aos governos desenvolver algumas estratégias de abertura de diálogo e escuta, visando não apenas a compreensão deste fenômeno, mas também o reconhecimento de pautas que são legítimas, de um conjunto de vozes que devem ser ouvidas pelo poder público e, a partir daí, transformar isso em ação pública e política de governo para promover um patamar superior de diálogo e buscar minimizar algumas tensões que estão evidentes. A primeira coisa a fazer, portanto, é reconhecer que, diante da Copa do Mundo, há uma série de questionamentos, muitos deles legítimos, que devem encontrar acolhimento por parte do Estado. Não acreditamos que o Estado deva ignorar algumas questões legítimas que estão sendo levantadas e que representam a opinião de uma parte importante da sociedade.

"Não é a métrica da força que vai definir se teremos ou não uma solução para esse tema. Aqueles setores que aqui defendem uma ação mais firme da polícia devem lembrar que alguns estados estão tentando fazer isso e essa via tem sido inócua, tem se demonstrado fracassada".
“Não é a métrica da força que vai definir se teremos ou não uma solução para esse tema. Aqueles setores que aqui defendem uma ação mais firme da polícia devem lembrar que alguns estados estão tentando fazer isso e essa via tem sido inócua, tem se demonstrado fracassada”.

Sul21: Poderia citar um exemplo deste tipo de questionamento que considera legítimo?

Vinicius Wu: O questionamento em relação às remoções de moradores por obras relacionadas à Copa, por exemplo. Aqui no Rio Grande do Sul esse problema é localizado e, certo modo, não é o principal ponto de tensão. É um dos, mas não o principal. Mas isso aconteceu com muita força em outras cidades, gerando um sentimento de insatisfação e comoção que deve ser observado e compreendido pelo poder público. Outro questionamento importante está relacionado à forma como alguns procedimentos originários da Lei Geral da Copa incidem sobre as dinâmicas de organização urbana, sobre a vida das pessoas durante esses eventos. Isso é algo que também pode se tornar um ponto de tensão e que deve, portanto, ser observado com cautela pelo poder público.

Outro ponto importante é o questionamento generalizado que se faz em relação aos gastos da Copa. É verdade que há muita desinformação e muita mistificação em relação a isso. Porém, é importante reconhecer que o governo federal talvez tenha perdido o debate da comunicação nesta área. Mais do que isso, existe um certo consenso sendo formado em torno de uma agenda crítica à opção que o Brasil fez de organizar a Copa do Mundo. Isso precisa ser tratado como uma questão política que requer uma resposta de natureza política e não ser enfrentado com o aparato repressivo do Estado para a mera garantia da ordem e dos jogos propriamente ditos.

Acreditamos que deve haver um embate político e os governos devem agir no sentido de ampliar o acesso à informação, de proporcionar um ambiente de diálogo, democrático, e não apenas reforçar as estruturas repressivas e garantidoras da ordem, muito embora isso também seja função do poder público. Os governos em geral, obviamente, devem se preocupar com a garantia de um ambiente no qual os jogos se realizem da maneira mais adequada, o que pressupõe criar um ambiente de não violência. Isso não seria bom não apenas para a imagem do país, mas, fundamentalmente, não seria bom para a vida das pessoas durante esse processo. A garantia dos direitos da cidadania também passa pela organização do espaço urbano, pela garantia dos direitos fundamentais, e isso é uma obrigação do Estado.

Aqui em Porto Alegre, por exemplo, há uma questão envolve a derrubada de árvores. Essas obras são importantes para a cidade, mas o poder público deve estabelecer canais de dialoga, inclusive para a busca de alternativas. Essa é um pouco a nossa ideia com a proposta dos Diálogos da Copa. Reconhecer as pautas que são legítimas, procurar estabelecer canais de diálogo e compreender que esse não é um processo que se resolve meramente com uma visão repressiva destes segmentos sociais que, independentemente de sua capacidade de mobilização e de seu alcance, são expressões de representações políticas legítimas e que devem ser tratadas com todo o respeito.

Sul21: Quando começa e qual vai ser a sistemática dos Diálogos?

Vinicius Wu: Em primeiro lugar, vamos abrir uma série de canais de diálogo. Já estamos fazendo isso com diversos grupos organizados que questionam a Copa. Tivemos algumas conversas reservadas que entrarão agora dentro de um calendário. Esse calendário prevê um diálogo inicial que será transmitido ao vivo pela internet com os ativistas que se organizam nos diversos movimentos, principalmente em Porto Alegre. Queremos ouvi-los e buscaremos pactuar alguns pressupostos para esses diálogos que promoveremos. Vamos ouvir aqueles que questionam a Copa do Mundo, mas vamos ouvir também aqueles que defendem a Copa do Mundo e que querem que o poder público intervenha para garantir o melhor ambiente possível para a realização do evento. Isso envolve taxistas, camelôs, comerciantes, o setor hoteleiro e uma série de segmentos ligados ao esporte e ao turismo no Estado.

Diálogos serão transmitidos ao vivo pela internet e terão a participação do governador Tarso Genro (Foto: Pedro Revillion/Piratini)
Diálogos serão transmitidos ao vivo pela internet e terão a participação do governador Tarso Genro (Foto: Pedro Revillion/Piratini)

Temos aí um amplo leque de atores sociais e segmentos que, de uma certa maneira, se consideram beneficiados pela realização dos jogos e pretendem inclusive desenvolver atividades específicas neste período. Os movimentos críticos da Copa precisam ouvir também essa dimensão. O poder público tem que ouvir a totalidade dessas vozes e procurar pactuar uma metodologia que inclua e abranja o máximo possível de setores descontentes e também de setores favoráveis à realização da Copa no Brasil.

Para tanto, vamos abrir um canal de diálogo onde as pessoas poderão se reportar diretamente ao governador, questionando, colocando as suas reivindicações, sugestões, dúvidas e agendas. A partir dessas duas escutas que faremos, buscaremos construir algumas sínteses e algumas iniciativas concretas que busquem balizar, por exemplo, a atuação de nossas forças policiais e ação do governo nesse processo que pode servir para termos aqui no Rio Grande do Sul um exemplo de diálogo, de abertura e de fortalecimento da democracia.

Sul21: O governo do Rio Grande do Sul vem sendo pressionado por alguns setores da sociedade e da mídia a adotar uma postura mais dura e repressiva em relação às mobilizações de rua e, mais recentemente, em relação à greve dos rodoviários. Como é que o governo vem recebendo e lendo essas pressões?

Vinicius Wu: Em primeiro lugar devemos reconhecer que, de modo geral, as polícias no Brasil não estavam preparadas para enfrentar esse fenômeno de mobilização em rede que conhecemos no ano passado. Não só as forças policiais, mas o poder público em geral não estava preparado para isso. O poder público e as forças policiais mais especificamente se acostumaram a lidar com movimentos sociais e sindicatos onde havia lideranças bem identificadas com as quais era possível estabelecer canais de interlocução e diálogo e mitigar algumas tensões. Esses movimentos de junho passado não têm essa característica, não possuem essa conformação. Mais do que isso, o caráter massivo, atomizado e fragmentado dessas manifestações adiciona um ingrediente novo à própria política brasileira. É natural que as polícias não estivessem preparadas para isso.

Recentemente, um estudo da Fundação Getúlio Vargas, publicado pelo jornal O Globo, demonstrou que a maioria esmagadora dos policiais no Brasil reconhece que não estava preparada para enfrentar protestos com essas características. Temos aí, portanto, uma questão que tem a ver com a mudança do perfil de organização e de mobilização na sociedade brasileira, que, por sua vez, tem a ver com as mudanças ocorridas no país nos últimos anos e com as mudanças no âmbito das comunicações e do uso de novas tecnologias. Estamos lidando com algo bastante complexo.

Precisamos ter a clareza de que esse fenômeno não deve ser enfrentado com soluções simplistas. A ideia de que uma política de repressão, mais ou menos violenta, possa dar conta da complexidade desse processo é uma ilusão. Em São Paulo, a polícia é bastante repressora e nem por isso tem deixado de ocorrer depredações, quebra-quebra, confusões de todo tipo. Não é a métrica da força que vai definir se teremos ou não uma solução para esse tema. Não é apenas reforçando o caráter repressivo das forças policiais que vamos encontrar a solução. Alguns estados estão tentando esse caminho. É importante dizer isso. Aqueles setores que aqui defendem uma ação mais firme da polícia devem lembrar que alguns estados estão tentando fazer isso e essa via tem sido inócua, tem se demonstrado fracassada.

Sul21: Até piora a situação…

Vinicius Wu: Exato, até piora, criando situações de maior beligerância e situações de maior conflitividade. Aqui no Rio Grande do Sul, apesar das limitações e dos problemas que certamente ocorreram, a atuação das polícias foi, na média e comparando com o que ocorreu em outros estados, bastante razoável, positiva em muitos aspectos, recebendo a aprovação de uma parcela significativa da sociedade gaúcha. Procuramos aferir a percepção geral da sociedade sobre esse tema e a maioria se posiciona de maneira positiva em relação à forma como o governo agiu.

"Em São Paulo, a polícia é bastante repressora e nem por isso tem deixado de ocorrer depredações, quebra-quebra, confusões de todo tipo. Não é a métrica da força que vai definir se teremos ou não uma solução para esse tema". (Foto: Imprensa/Piratini)
“Em São Paulo, a polícia é bastante repressora e nem por isso tem deixado de ocorrer depredações, quebra-quebra, confusões de todo tipo. Essa fórmula é inócua, não dá certo e aumenta a conflitividade”. (Foto: Imprensa/Piratini)

Temos consciência de que há muitas questões a serem tratadas e corrigidas, mas a atuação das forças policiais se mostrou, no nosso entendimento, acertada na sua totalidade. É claro que, pontualmente tivemos tensões, problemas e procedimentos inadequados. Todos eles vêm tendo algum tipo de tratamento por parte do governo que procura aperfeiçoar a formar de atuação da polícia durante esses protestos, considerando um pressuposto básico: a nossa prioridade é a preservação da vida e dos direitos da cidadania, a afirmação de um ambiente democrático no Estado, o que, sem dúvida alguma, pressupõe a garantia da ordem e do direito das pessoas ir e vir. Isso passa pela atuação das forças policiais, mas pressupõe também a construção de consensos e pactuações políticas na sociedade.

Nós não podemos, de maneira alguma, aceitar a ideia de que a resolução de conflitos sociais seja tema da atuação das forças policiais, seja objeto das forças de segurança. Esse é o maior erro que um governo pode cometer. Para aqueles que defendem de maneira mais incisiva a manutenção da ordem deve-se lembrar que alguns lugares estão testando essa fórmula e ela não tem dado certo.

Sul21: Você observou antes que o governo federal pode ter perdido a batalha da comunicação no tema da Copa. Como está a comunicação e o diálogo, aqui no Rio Grande do Sul, entre os três entes federados envolvidos com a organização da Copa? Como vai a comunicação entre União, Estado e município (de Porto Alegre, no caso)?

Vinicius Wu: Nós queremos que esses Diálogos da Copa sirvam também para proporcionar essa maior aproximação. A Secretaria Geral da Presidência da República já sinalizou a disposição de participar dos Diálogos aqui no Estado do Rio Grande do Sul e quer também, a partir da nossa experiência, ver como isso pode ser multiplicado em nível nacional. Essa foi a sinalização dada pelo ministro Gilberto Carvalho na sua última visita a Porto Alegre. Queremos também aprofundar a nossa interlocução não só com o poder público municipal de Porto Alegre, mas também com prefeituras da região metropolitana, como forma de antever algumas questões e procurar também soluções para problemas relacionados à organização dos jogos e para reduzir as tensões sociais.

Eu diria que o patamar de integração entre os poderes públicos municipal, estadual e federal, e isso se viu na Copa das Confederações, esteve aquém das necessidades. Isso se refletiu na organização das informações, na relação com a sociedade, na explicitação de dados e números que poderiam inclusive desmistificar alguns mitos e ideias falsas que foram construídas. É importante reconhecermos que houve uma precariedade nesta interlocução, cuja responsabilidade é do poder público em geral. Precisamos, entre outras coisas, apresentar informações consistentes que demonstrem que muitas das coisas que se falam sobre a realização da Copa do Mundo no Brasil são falsas. O valor dos recursos investidos nos estádios no Brasil, por exemplo, comparado aos investimentos totais que temos hoje na saúde nos últimos anos, é praticamente irrisório. Mas isso acaba aparecendo de uma maneira muito distorcida no debate público.

Cabe a nós, agentes políticos dos poderes públicos municipal, estadual e federal, reconhecer que a nossa capacidade de comunicação esteve aquém das necessidades, o que possibilitou inclusive a formação de algumas ideias e consensos que não correspondem à realidade. Temos alguns meses pela frente e esperamos que esse processo que vamos iniciar por meio do Gabinete Digital sirva também para contribuir com a superação desse déficit de comunicação que tivemos neste último período.


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