Educação
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26 de outubro de 2021
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18:37

Sem condições estruturais, escola indígena de Viamão ainda não retomou aulas presenciais

Por
Luís Gomes
luisgomes@sul21.com.br
Cozinha coletiva da aldeia Tekoá Pindó Mirim era utilizada para preparar a merenda escolar da Escola Indígena Nhamandu Nhemopu'ã. Atualmente, a cozinha encontra-se desativada e passará por uma reforma, financiada com recursos privados | Foto: Luiza Castro/Sul21
Cozinha coletiva da aldeia Tekoá Pindó Mirim era utilizada para preparar a merenda escolar da Escola Indígena Nhamandu Nhemopu'ã. Atualmente, a cozinha encontra-se desativada e passará por uma reforma, financiada com recursos privados | Foto: Luiza Castro/Sul21

Quase 18 meses após o início da pandemia de covid-19, a maioria das escolas estaduais já retomou as atividades presenciais de ensino. Não é o caso da Escola Estadual Indígena de Ensino Fundamental Nhamandu Nhemopu’ã, da aldeia Tekoá Pindó Mirim, localizada no bairro Itapuã, em Viamão. Com graves problemas estruturais, a direção da escola cobra do Estado há pelo menos dois anos a realização de reformas. Sem retorno positivo, avalia que não tem condições de retomar as aulas neste momento.

A primeira turma da Nhamandu Nhemopu’ã teve início em 2011, mas ela só foi homologada oficialmente como escola estadual no final do ano seguinte. Diretor da escola, Leandro Subtil Moura explica que a instituição começou a funcionar na casa do fundador da aldeia e, desde sua criação, o governo estadual fez apenas uma obra no local, em 2014, quando construiu um anexo para a instalação de banheiros e fez a divisão da estrutura já existente em duas salas de aulas. “Em resumo, o Estado nunca investiu nada”, diz.

O diretor avalia que a estrutura existente já não é capaz de dar conta da demanda, ainda mais em um cenário de pandemia em que é necessário o respeito a protocolos sanitários de ventilação, separação entre as classes, etc. Com 84 alunos, a Nhamandu Nhemopu’ã atende hoje estudantes que vão desde o Ensino Infantil até a Educação de Jovens e Adultos (EJA), em aulas ministradas em guarani e em português.

Do total, 28 são alunos de Ensino Médio, vinculados oficialmente a outra escola estadual, a Genésio Pires. Leandro explica que a Nhamandu Nhemopu’ã não tem o Ensino Médio reconhecido oficialmente porque não tem a estrutura considerada mínima para essa etapa de ensino, como um ginásio de esportes e um laboratório de informática.

“Não adianta exigir o mínimo para o Médio se eles não dão suporte”, diz Leandro.

Contudo, como os alunos são membros da aldeia, as aulas são ministradas ali. O prejuízo para a escola ocorre porque os recursos destinados pelo Estado para esta etapa, como a verba da alimentação dos estudantes, são destinados para a Genésio Pires. “A gente tira recurso do Fundamental para alimentar os alunos do Médio”, diz o diretor.

No momento, a cozinha da escola se encontra desativada. Em visita ao local, a reportagem do Sul21 verificou que parte do telhado cedeu. Da mesma forma, a biblioteca — a sala mais ampla da instituição e construída a partir de doações de uma empresa — , apresenta diversos furos no teto, feito com palha de santa fé.

Leandro diz que há anos vem pedindo à Secretaria de Educação (Seduc) recursos para reformar a cozinha e a biblioteca, mas eles foram negados. Recentemente, a escola recebeu uma verba extraordinária de R$ 10 mil, que o diretor decidiu encaminhar para a reforma da cozinha. “Continua tendo goteiras na biblioteca e eu perdi muitos livros. Quando chove, é goteira direto. Não são só gotinhas, é inviável. Agora eu guardei muitos livros para não perder os demais”, diz.

Telhado danificado da Biblioteca Nhamandu, localizada na Escola Indígena Nhamandu Nhemopu’ã. A chuva impossibilita a utilização do local. Com problemas estruturais, a escola não conseguiu retomar às aulas presenciais nos últimos meses | Foto: Luiza Castro/Sul21

As salas de aula, em geral, são apertadas, com pouco espaço de separação entre as classes. O diretor diz que, desde 2019, solicita a construção de um prédio novo. “O máximo que fizeram foi uma verificação de solo e deu, não deram mais atenção”.

Ele avalia que, para recomeçar as aulas, seria necessário, no mínimo, a construção de uma nova sala de aula, com cadeiras, classes e quadro, para abrigar os alunos do Ensino Médio. Atualmente, os 15 professores da instituição cumprem a carga horária na aldeia para ajudar os alunos a realizarem as tarefas encaminhadas na modalidade de ensino à distância, mas não há a realização de aulas presenciais convencionais.

Leandro afirma que comunicou a 28ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE) sobre a situação e, desde junho, aguardava o agendamento de uma reunião com a coordenadoria e a Seduc para discutir o retorno das aulas.

“É um descaso com a escola, um descaso com a gente. A gente é cobrado todo o tempo, e é um direito deles, mas não dão suporte. A impressão que eu tenho é que eles não querem uma escola indígena”, diz o diretor.

Leandro Moura, diretor na Escola Indígena Nhamandu Nhemopu’ã | Foto: Luiza Castro/Sul21

Na semana passada, o Cpers publicou em sua página uma reportagem a respeito da situação da escola. Depois disso, a Seduc agendou uma visita ao local nesta terça. Procurada pela reportagem, a assessoria da pasta disse que não teria uma avaliação a visita e nem sobre os pedidos da direção até o final do dia.

Morador da aldeia Tekoá Pindó Mirim, Thiago Dinarte é estudante do terceiro ano do Ensino Médio. Com a turma dele, é a primeira vez que a escola tem alunos que irão concluir essa etapa. Ele lamenta os problemas estruturais da Nhamandu Nhemopu’ã.

“Aqui faltam muitos materiais para os alunos. A gente precisava que melhorasse um pouco para atender melhor os alunos. Precisamos muito de uma biblioteca, agora tá tudo estragado. Quando chove, os cadernos que ficam lá ficam todos molhados”, diz.

Contudo, ele avalia que é inviável para muitas crianças e jovens da aldeia terem aulas em outras escolas. “Se a gente não tiver mais a escola aqui na aldeia, para nós fica é difícil. Nós precisamos da escola aqui”, diz.

Thiago, morador da aldeia Tekoá Pindó Mirim e estudante do terceiro ano do ensino médio na Escola Indígena Nhamandu Nhemopu’ã | Foto: Luiza Castro/Sul21

Nesta segunda-feira (25), a deputada estadual Luciana Genro (PSOL) visitou a escola e informou que irá levar o assunto para a Comissão de Educação da Assembleia Legislativa, convidando o diretor Leandro Moura para falar sobre a situação da escola. Luciana também irá articular a realização de uma audiência pública sobre a situação das escolas indígenas no Rio Grande do Sul. Ela destaca que o Rio Grande do Sul tem, atualmente, 90 escolas indígenas, nas quais estudam mais de 7 mil alunos. “É um descaso muito grande com a comunidade indígena e com a educação por parte do governo”, diz a deputada.

No dia 14 de outubro, o governador Eduardo Leite (PSDB) anunciou investimentos de R$ 1,2 bilhão em educação até o final do seu mandato, dos quais R$ 243 milhões serão destinados para a infraestrutura física e tecnológica das escolas — a Nhamandu Nhemopu’ã não possui laboratório de informática — e R$ 228 milhões para a autonomia financeira das escolas. Antes da visita da Seduc, Leandro Moura disse que não recebeu nenhuma informação sobre a possibilidade da escola ser contemplada com parte das verbas. Por outro lado, ele conta que chegou a procurar a secretaria para se informar sobre a possibilidade da escola entrar no projeto de implementação de 56 escolas padrão, mas recebeu como retorno que ela não se enquadraria.

Telhado danificado da Biblioteca Nhamandu, localizada na Escola Indígena Nhamandu Nhemopu’ã. A chuva tem danificado o espaço e impossibilita a utilização do local | Foto: Luiza Castro/Sul21
Com o telhado danificado e devido a chuva que entra no local, os livros precisam ser armazenados em armários, dificultando o acesso dos estudantes e da comunidade aos materiais | Foto: Luiza Castro/Sul21
Com problemas estruturais, a escola não conseguiu retomar às aulas presenciais nos últimos meses. A direção da escola, diz que há mais de dois anos tenta dialogar com a Seduc para tratar da demanda, mas não obtém retorno | Foto: Luiza Castro/Sul21
Biblioteca Nhamandu, localizada na Escola Indígena Nhamandu Nhemopu’ã | Foto: Luiza Castro/Sul21
Sala de aula construída pela comunidade na parte externa da Escola Indígena Nhamandu Nhemopu’ã | Foto: Luiza Castro/Sul21
Sala de aula construída pela comunidade na parte externa da Escola Indígena Nhamandu Nhemopu’ã | Foto: Luiza Castro/Sul21
Refeitório e banheiros dividem um pequeno espaço no saguão da Escola Indígena Nhamandu Nhemopu’ã, localizada em Itapuã, distrito da cidade de Viamão | Foto: Luiza Castro/Sul21
Sala de aula da Escola Indígena Nhamandu Nhemopu’ã | Foto: Luiza Castro/Sul21
Sala de aula da Escola Indígena Nhamandu Nhemopu’ã | Foto: Luiza Castro/Sul21
Em um pequeno corredor, funciona, paralelamente, a sala dos professores, a secretaria e direção da Escola Indígena Nhamandu Nhemopu’ã | Foto: Luiza Castro/Sul21
Luiza Castro/Sul21

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