À revelia da derrota no Congresso, que derrubou os vetos presidenciais aos incentivos da cultura aprovados em 2022, o presidente Jair Bolsonaro (PL) voltou a atacar artistas e produtores culturais com a edição da Medida Provisória (MP) 1135, que adia os repasses das leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc 2 para 2023 e 2024, respectivamente. O cálculo dos produtores culturais é de que o Rio Grande do Sul perde, em uma canetada, cerca de R$ 185 milhões em projetos e editais na área.
A MP foi editada no dia 29 de agosto e vale até 27 de outubro, podendo ser renovada por mais 60 dias. A medida tira R$ 3,8 bilhões do orçamento de 2022 da área cultural e, junto com R$ 1,7 bilhão deslocado do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDTC), vai abastecer as emendas do chamado orçamento secreto, a menos de 20 dias da eleição.
Além de adiar a aplicação dos recursos, a MP também transformou uma lei compulsória em autorizativa – o governo passa a ser “autorizado” a repassar os recursos aos estados e municípios, mas não está mais obrigado a isso. Articulados com lideranças de oposição, representantes do setor cultural estão pressionando o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD), a devolver a MP ao Executivo, sem permitir que entre em vigor.
“É um golpe muito duro, muito pesado. O presidente tenta burlar, de forma inconstitucional e eleitoreira, o que foi aprovado pelo Congresso à revelia do próprio Ministério do Turismo, que já havia concordado em liberar os recursos este ano”, afirmou o secretário de Cultura de São Leopoldo, Pedro Vasconcellos, que integra a coordenação nacional do Comitê Paulo Gustavo.
Vários partidos, como a Rede Sustentabilidade e o PCdoB, ingressaram no Supremo Tribunal Federal (STF) com uma ação direta de inconstitucionalidade contra a MP. A ministra Cármen Lúcia está relatando a ação, mas não há prazo para um parecer. A Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados considerou a medida “compatível” com a lei orçamentária para 2023, aprovada pelo Congresso.
“De acordo com a exposição de motivos, a MP 1.135/2022 objetiva compatibilizar o apoio financeiro da União aos estados, distrito federal e municípios, no que se refere às ações do setor cultural e aos beneficiários do Perse, com a estrutura fiscal vigente e, em particular, com as restrições orçamentárias relacionadas ao orçamento de 2023”, diz o documento.
Vasconcellos considerou que há chances de o STF reverter a MP. Ele disse que Bolsonaro já editou outras medidas provisórias “burlando” leis aprovadas pelo Congresso e foi derrotado pelo Supremo. “É absolutamente necessário reverter essa decisão, caso contrário teremos um impacto gigantesco em nossos projetos”, completou o coordenador. “A lei Paulo Gustavo é uma medida de emergência que usa o Fundo Nacional da Cultura, não executado pela União, e transfere os recursos para os estados e municípios executarem até o final de 2022”, disse.
A produtora cultural Dinorah Araújo, que também integra a coordenação nacional do Comitê Paulo Gustavo, acredita que a única possibilidade de reverter o corte de verbas é devolver a MP ao Executivo para impedir sua validação. “Se depender dos deputados, da base governista, principalmente na Câmara, a derrota me parece certa. Mas não há confiança sobre a possibilidade do [Rodrigo] Pacheco devolver a MP, isso é pouco provável”, lamenta a produtora.
As duas leis, que tinham sido vetadas por Bolsonaro, determinam o repasse de recursos para prêmios, subsídios à manutenção de espaços culturais e outras medidas de incentivo ao setor cultural num total de R$ 6,8 bilhões até 2027. A LC 195/2022, conhecida como lei Paulo Gustavo, em alusão ao comediante morto em 2021 vítima da covid-19, destinou R$ 3,86 bilhões aos estados, ao distrito federal e aos municípios para aplicação em ações emergenciais para mitigar os efeitos da pandemia sobre o setor cultural.
Além de tornar o repasse autorizativo, também condiciona o auxílio à disponibilidade orçamentária e permite que sua execução seja adiada para 2024. A lei 14.399/2022 instituiu a Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura, com repasses escalonados entre 2023 e 2027 de R$ 3 bilhões. A MP estabelece os mesmos critérios em relação à lei Paulo Gustavo e adia o início da aplicação para 2024.
A medida provisória também adia para 2023 e 2024 uma indenização a empresas do setor de eventos que tiveram redução superior a 50% do faturamento na soma de 2019 e 2020. Limitado a R$ 2,5 bilhões, esse socorro consta do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse), previsto na Lei Aldir Blanc.
O líder da minoria, Alencar Santana (PT-SP), afirmou que a medida é inconstitucional por não ter relevância ou urgência. “Que urgência e relevância há em uma lei cujos efeitos práticos só serão produzidos em 2023? Como pode baixar uma medida provisória suspendendo algo para o futuro, se precisa haver a relevância e a urgência?”, afirmou.
A líder do PSOL na Câmara dos Deputados, Sâmia Bomfim (SP), também cobrou a devolução da proposta ao Executivo. “Bolsonaro não pode modificar o caráter de uma lei através de medida provisória. É por isso que nós já pedimos para o presidente do Congresso a imediata devolução da MP”, disse.