Cultura
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26 de agosto de 2021
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15:54

Fim do Cine Guion: uma história que não deveria entrar em cartaz

Por
Luciano Velleda
lucianovelleda@sul21.com.br
Segundo o proprietário, Cine Guion deve fechar nas próximas semanas. Foto: Divulgação
Segundo o proprietário, Cine Guion deve fechar nas próximas semanas. Foto: Divulgação

O fim do Cine Guion leva consigo um capítulo importante da cultura cinéfila de Porto Alegre. Fundado em 1995, o cinema cumpriu papel relevante na formação cultural de porto-alegrenses e visitantes ao se constituir como espaço para exibição de filmes latino-americanos, europeus e de cinematografias menos conhecidas, como do Japão, Coréia do Sul, Índia, Irã, Austrália e de países africanos.

Impactado pela pandemia do novo coronavírus, a confirmação de que os projetores se apagarão nas próximas semanas é um roteiro que os frequentadores jamais gostariam de assistir.

“É uma perda enorme, é um motivo para deixar os cinéfilos de luto”, atesta Milton Ribeiro, proprietário da livraria Bamboletras, vizinha ao cinema, no centro comercial Nova Olaria, espaço que passará por mudança a partir de 2022.

Cliente assíduo há mais de 20 anos, Ribeiro credita ao Cine Guion boa parte da sua cultura cinematográfica, forjada no hábito de assistir filmes no local mais de uma vez por semana. Além da qualidade da programação, ele destaca o ambiente agradável, com a cafeteria e a loja de discos compondo o cenário aconchegante para desfrutar da sétima arte.

“Sou devoto da sala escura do cinema. Vai fazer uma falta enorme”, lamenta.

Ribeiro recorda que o proprietário do Guion, Carlos Schmidt, em outras ocasiões já havia comentado sobre a intenção de fechar as portas. Porém, quando a ideia circulava na cidade, os clientes aumentavam a fila e enchiam as salas. Uma reação expontânea que agora, em tempos de pandemia, não deve ocorrer para sensibilizar o dono do cinema.

A palavra “luto” para definir o sentimento com o anúncio do fim do Guion também é usada por Carlinhos Carneiro. Cantor e compositor, explica que sua ideia de criação artística tem muita ligação com o cinema. Quando morava no interior, a paixão pela arte o fazia vir à Capital exclusivamente para assistir filmes.

“O fim do Guion é muito triste, uma tristeza enorme. Saber que o espaço não vai mais existir é um abalo, um luto. Cada cinema que se perde, tem que se lamentar”, diz o vocalista da banda Bidê ou Balde, brincando (sem faltar com a verdade) que o Guion conseguiu a façanha de criar uma geração fã de cinema iraniano.

Carneiro, também fundador da Império da Lã, conta que as idas ao Guion alimentaram seu fascínio pelo cinema e igualmente pela música. Muitos dos seus CDs foram adquiridos na lojinha do local.

Moradora da Cidade Baixa, a jornalista e produtora cultural Luciana Fagundes cita o conforto das salas do Guion, pequenas e com poucas pessoas, reconhecida por suas poltronas elegantes. Um ambiente especial para desfrutar e conhecer os filmes exibidos, selecionados fora do tradicional circuito comercial.

“Esse era o grande diferencial. O principal era o conteúdo”, afirma.

Carneiro reflete que, de algum algum modo, o fim do Guion se conecta com uma Porto Alegre que aos poucos foi desaparecendo. “Parece que toda aquela Porto não existe mais. Era uma Porto Alegre super politizada e cultural, uma efervescência que refletia no Brasil inteiro.”

A análise é compartilhada pelo proprietário da Bamboletras. Ribeiro acredita que a situação do Guion se insere no processo de gentrificação geral da Capital. A Porto Alegre que não existe mais é refletida nas mudanças do próprio Nova Olaria.

“Era um lugar mais popular antes. Lembro que aos domingos a cena gay tomava conta do espaço, mas foi encarecendo e mudou o público, alguns comerciantes também saíram”, recorda.

Nesse roteiro de cultura efervescente de outrora, o Cine Guion que hoje apaga as luzes para não mais acender cumpriu com brilhantismo o papel de personagem coadjuvante dos atores e atrizes que amaram, sofreram, deram risadas e se aventuraram por suas telas.


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