Cultura
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16 de junho de 2021
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20:01

Secretaria da Cultura não autoriza pagamento de prêmio criado para ajudar artistas na pandemia

Por
Luciano Velleda
lucianovelleda@sul21.com.br
Setor cultural do Brasil é um dos mais afetados pela crise econômica causada pela pandemia do novo coronavírus. Foto: Guilherme Santos/Sul21
Setor cultural do Brasil é um dos mais afetados pela crise econômica causada pela pandemia do novo coronavírus. Foto: Guilherme Santos/Sul21

Nesta terça-feira (15), 1.500 artistas e grupos culturais deveriam ter recebido a premiação  de R$ 8 mil, descontados os tributos incidentes conforme legislação vigente, do Prêmio Trajetória Culturais — Mestra Sirley Amaro. Passadas 24h do último dia do prazo para pagamento, os contemplados ainda nada receberam.

A conclusão do Prêmio Trajetórias Culturais – Mestra Sirley Amaro vive um impasse. Após passar por um processo turbulento no dia 05 de abril, quando a lista preliminar dos classificados foi suspensa a pedido da Secretaria Estadual da Cultura (Seduc), sob a alegação de que os artistas deveriam optar por um segmento cultural principal, no dia 2 de junho foi então publicada a listagem final dos artistas contemplados.

O período para pagamento foi estabelecido entre os dias 4 e 15 de junho. A Sedac, porém, não autorizou o Instituto Trocando Ideia, responsável pelo edital, a realizar os pagamentos. A justificativa é de que novas denúncias foram feitas e que as mesmas devem ser respondidas, ainda que o prazo para recursos tenha se esgotado.

O edital Trajetórias Culturais é fruto da aprovação no Congresso Nacional, em 2020, da Lei Aldir Blanc de Emergência Cultural, feita para ajudar o setor cultural brasileiro afetado pela pandemia do novo coronavírus.

A situação motivou artistas e grupos culturais contemplados a entregarem, na segunda-feira (14), duas longas cartas, uma ao governador do Estado, Eduardo Leite (PSDB), e outra à secretária estadual da Cultura, Beatriz Araújo. No documento, os signatários refazem o histórico do edital e os problemas ocorridos, e reafirmam o direito de receber a premiação devida.

“No caso em tela, tendo passado todas as fases processuais do edital e tendo a SEDAC autorizado, após análises de recursos, a publicação da lista final de contemplados, entende-se que confirma o direito adquirido, ou seja, que aos contemplados fossem realizados os pagamentos e que, em virtude das insatisfações, as fases de alegações já estão prescritas. Em ação contrária à este feito, estaria a SEDAC, atuando contra uma estabilidade saudável a qualquer processo de edital, gerando uma insegurança jurídica”, afirma trecho da carta entregue à secretária da Cultura.

Os autores do documento destacam que o prêmio Trajetórias Culturais não estava baseado num “concurso de currículos na área cultural”. Pelo contrário, a proposta do edital teve a preocupação de democratizar o acesso à Lei Aldir Blanc, ao distribuir recursos para agentes culturais e artistas da Capital e do interior, “principalmente para atender às camadas da classe artística que sequer tiveram acesso à recursos para manterem suas atividades culturais e que foram frontalmente atingidos pela pandemia da covid-19”. De forma inédita, o prêmio Trajetórias Culturais reservou 51% das vagas para cotistas, como artistas populares, periféricos, negras e negros, população quilombola, indígena, ciganos, pessoas com deficiência, trans e travestis.

“É a parte da população artística do Rio Grande do Sul que tem o fazer autônomo liberal da cultura do ponto de vista econômico. É a parte da população que não tem condições de participar de grandes editais culturais (dadas as exigências que dificultam o acesso), e não tem condições de pagar empresas ou profissionais da área de captação de recursos. A Trajetória da qual o edital se direcionava, não é a Trajetória dos Consagrados, dos que ganharam vários prêmios pelo Brasil afora, dos grandes currículos, das grandes produções e de constantes aparições em Programas de TV”, afirma a carta.

Em nota divulgada nesta quarta-feira (16), a Secretaria Estadual da Cultura (Sedac) disse seguir acompanhando a repercussão após a publicação do resultado final do edital Trajetórias Culturais – mestra Sirley Amaro. Segundo o órgão, o pagamento da premiação não foi autorizado devido “à falta de respostas do Instituto Trocando Ideia, responsável pela execução do Edital, que solucionem as diligências e os questionamentos enviados”.

A Sedac ainda enfatiza que o repasse dos recursos “só será feito mediante resposta satisfatória da instituição parceira a todas as questões levantadas”.

“Entendendo a importância e o impacto da premiação na vida dos fazedores e fazedoras de cultura concorrentes, a Sedac cumpre o seu papel de orientar e fiscalizar a instituição parceira. Assim, trabalha para que todos os envolvidos sejam atendidos de forma justa e plena”, completa o órgão do governo estadual.

As novas diligências citadas pela Sedac se referem a 14 candidatos que foram desclassificados ou não classificados. Fabiana Menini, presidente do Instituto Trocando Ideia de Tecnologia Social Integrada, explica que cada uma das três etapas do edital teve seu próprio tempo de recurso. A última etapa recebeu 900 recursos.

“Foram todos respondidos”, afirma Fabiana. Ela recorda que após encerrar a última etapa de recursos, o Instituto Trocando Ideia passou a receber questionamentos da Secretaria Estadual da Cultura (Sedac) pedindo explicações específicas sobre a situação de alguns nomes não contemplados. “Respondemos todos”, afirma, novamente.

Ato contínuo, a Sedac fez mais uma vez novos questionamentos. “Nós pegamos o print das notas, do dia em que a pessoa se inscreveu, o que ela fez que não classificou. Pegamos todo o histórico e complementamos a primeira resposta”, explica Fabiana.

Para a Sedac, entretanto, as respostas não foram suficiente e mais diligências foram então solicitadas. A presidente do Instituto Trocando Ideia diz que alguns questionamentos se referem a procedimentos que já foram feitos.

“As coisas estão dando voltas. Essas diligências que recebemos ontem, solicitando que a gente responda com mais informações para alguns candidatos… Não temos mais informações pra dar. Todas as informações estão no processo, na inscrição, na nota dos pareceristas. Estão indo e voltando as mesmas perguntas e estamos respondendo todas”, afirma.

Fabiana enfatiza que alguns questionamentos feitos pela Sedac se referem a particularidades cujas explicações estão disponíveis no site do Instituto, onde o candidato tem acesso as suas notas. “Como participamos muito de editais, tomamos por base o que achávamos ruins nos editais para organizar melhor nesse. E essa era uma das coisas, sempre há dificuldade em saber o que está acontecendo e colocamos tudo na área do candidato”, explica.

Na página do Pró-Cultura, plataforma da Sedac para se comunicar com entidades participantes de editais, já são mais de 70 comunicações entre o Instituto Travessia e a Secretaria. Acostumada a participar de projetos, Fabiana conta não se lembrar de alguma vez ter tido mais de cinco comunicações.

Apesar do impasse, Fabiana é taxativa em dizer que não há risco dos contemplados não receberem o prêmio. Ao menos não no que depender do instituto que preside. “Somos uma entidade de base social consolidada. Trabalhamos há 21 anos e sempre tivemos nossas prestações de contas aprovadas em todas as esferas federal, estadual e em vários municípios. Nesse tempo todo temos nossa capacidade técnica comprovada.”


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