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14 de março de 2011
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00:10

O Carnaval de rua se renova no coração de Porto Alegre

Por
Sul 21
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Maria do Bairro levou cerca de dez mil pessoas à Cidade Baixa em 2011 | Foto: Ricardo Stricher

Felipe Prestes

O bloco Maria do Bairro completou cinco anos de vida em 2011. A palavra “vida” é a mais adequada para descrever o grupo que fez com que o som das marchinhas de Carnaval voltasse a pulsar com força na Cidade Baixa, tradicional bairro boêmio no coração de Porto Alegre. Em 2007, no primeiro ano em que desfilaram na rua Sofia Veloso, cerca de 200 pessoas brincaram com o bloco. Em 2011, estima-se que dez mil pessoas estiveram presentes.

O Maria do Bairro, que desfila sempre no fim-de-semana anterior ao Carnaval oficial, não é um fenômeno isolado: paralelamente outros blocos, bandas, baterias, iam sendo criados e continuam surgindo. “Não fomos os únicos, era uma necessidade coletiva”, afirma um dos fundadores do Mario do Bairro, o cineasta Zeca Brito. Em 2011, pelo menos mais quatro grupos de Carnaval passaram pelas ruas da Cidade Baixa: a bateria do Areal da Baronesa (proveniente de uma área quilombola do bairro), o grupo Turucutá, o bloco Galo do Porto, que lembrou o Carnaval de Recife, e a tradicional Banca DK, que retornou ao Carnaval nos últimos anos, após um hiato de décadas.

“O Carnaval de Porto Alegre está se renovando, se vitalizando. Está voltando a ser um Carnaval em que o povo participa”, diz Pernambuco, fundador da Banda DK, nos anos setenta. Com uma trajetória como mestre de bateria e diretor de escolas de samba de Porto Alegre, Pernambuco exalta a qualidade dos desfiles do Porto Seco, mas ressalta a importância do “Carnaval de participação”, a festa mais democrática, onde cada um veste a fantasia que quiser, e não há uma separação entre quem desfila e quem assiste.

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Foto: Ricardo Stricher

“Vocês só têm a ideia”

“No Carnaval que estamos resgatando, a pessoa é o próprio Carnaval”, concorda Zeca Brito. Décadas separam o nascimento de Pernambuco e o do jovem Zeca, mas o papel dos dois é importante para a renovação da festa popular na Cidade Baixa. Em 2007, o cineasta assistia na televisão uma reportagem sobre o bloco carioca “Suvaco de Cristo”, que sempre desfila antes do Carnaval oficial no Rio de Janeiro, quando teve o estalo de criar um bloco em Porto Alegre.

Zeca telefonou para vários amigos que gostavam de pular Carnaval e a empolgação foi geral com a ideia. Faltava menos de um mês para a data em que queriam desfilar e eles precisavam resolver um detalhe importante: não tinham uma banda. Zeca se lembrou de um amigo de seu pai, que conhecia tudo de Carnaval. Foi aí que o telefone de Pernambuco tocou. “Faltava uns vinte dias para o dia do desfile e eles não tinham a banda. Falei para eles: vocês só têm a ideia”, conta Pernambuco, sorrindo.

Pernambuco conseguiu não só os músicos como compôs, em parceira com Zeca, o primeiro hino do Maria do Bairro – a cada Carnaval, o bloco cria uma música. O que era apenas uma ideia se transformou em um bloco que tem carro de som, que consegue, com apoio da iniciativa privada, instalar barracas para a venda de bebida na rua, que tem uma banda própria, com doze músicos. O Maria do Bairro, atualmente, abre o espaço para a apresentação de outros grupos durante seu desfile e ajudou a motivar Pernambuco a reativar a Banda DK.

Na segunda-feira (7), a Banda DK desfilou pela Cidade Baixa tocando marchinhas em versão instrumental, com sopros e percussão. Na terça-feira (8), Pernambuco voltou a organizar, como fazia nos anos setenta, a Rua do Perdão. A Rua da República, no trecho entre José do Patrocínio e João Alfredo, foi fechada. Durante o fim da tarde até à meia-noite, centenas de pessoas brincaram ao som da Banda DK.

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Zeca Brito: "Não existe política pública que apoie o Carnaval espontâneo em Porto Alegre" | Foto: Tiago Coelho

Sem apoio do poder público

Até agora a renovação do Carnaval de rua em Porto Alegre se mantém pela vontade coletiva de brincar e pela obstinação dos organizadores dos blocos. O poder público ajuda, no máximo, fechando algumas ruas, oferecendo o monitoramento de policiais ou guardas de trânsito.

Além de ensaiar com a banda, compor canções, pessoas como Zeca Brito precisam alugar banheiros químicos, pedir patrocínio para fabricantes de bebidas, entre outras tarefas. “Não existe política pública que apoie o Carnaval espontâneo em Porto Alegre”, lamenta o cineasta, que também é o principal cantor do Maria do Bairro.

Zeca conta que, em várias capitais brasileiras, quem faz a intermediação com a iniciativa privada para buscar patrocínios e viabilizar a infraestrutura necessária para o Carnaval de rua são órgãos públicos de Cultura. “Seria muito bonito se fosse reconhecido como algo da nossa cultura, se tivéssemos o apoio da municipalidade ou do governo do estado”, afirma.

Pernambuco, que é militante do movimento negro e assessor da PC do B na Assembleia Legislativa, concorda com Zeca. “Fechar a rua, respaldar é o mínimo. Acho que a preocupação com o resgate de nossa identidade precisa de um zelo que, lamentavelmente, a gente não vê de parte dos gestores. O espírito de Carnaval precisa de certa preparação. Precisariam fazer algumas ações lembrando: divulgação, shows, criar um concurso de marchinhas e sambas. Tomara que os gestores entendam isto e propiciem condições para que surjam mais bandas”, diz.

Para Pernambuco uma retomada mais forte do Carnaval de rua poderia, inclusive, incrementar o turismo de Porto Alegre. “Os uruguaios e argentinos são encantados com a nossa cultura”, diz. Mas, para ele, a importância maior de se zelar pelas manifestações populares como o Carnaval de rua se dá porque propiciam o conhecimento de nossa história. “O ópio do povo não é nem Carnaval, nem futebol, nem religião. O ópio do povo é a desinformação sobre sua história”.


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