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18 de novembro de 2010
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17:00

Ricardo Kotscho: “Grande imprensa comete suicídio”

Por
Sul 21
sul21@sul21.com.br
Marco Quintana/Sul21
Ricardo Kotscho: lugar de jornalista é na rua / Foto: Marco Quintana/Sul21

Felipe Prestes

Ricardo Kotscho gosta de ser repórter. Já foi diretor de televisão, teve cargos políticos, mas hoje desfruta do fato de realizar grandes reportagens mensais para uma revista. Como repórter, Kotscho gosta da rua, e dispensa pesquisas na internet. “Tudo o que está na internet já saiu em algum lugar. Algum repórter já escreveu antes”, explica. Kotscho mantém um blogue e não acredita que a internet seja uma vilã, que reduz o espaço do jornalismo impresso. “Não é a internet que está matando. É um suicídio”.

Kotscho veio a Porto Alegre para participar do lançamento do livro “Lugar de repórter ainda é na rua”, em que dois jovens jornalistas, Mauro Junior e José Roberto da Ponte, narram a trajetória profissional de Kotscho. O livro começou a ser escrito em 2001, como um trabalho de conclusão de curso, quando os dois autores – que eram colegas – cursavam Jornalismo.

Desde o primeiro contato, Kotscho atendeu os jovens de forma amigável e despachada. “Não me chamem de senhor”, disse logo no primeiro telefonema. Enquanto eu fazia perguntas para os dois autores, em um café do hotel onde os três estavam hospedados, Kotscho aproveitava para dar lições. “Isso que eles estão lhe contando deviam ter colocado no livro”.

Os autores seguiam falando sobre o livro. Kotscho se mandou de nossa mesa e foi para o balcão tomar um café. Mauro e José Roberto contaram que retomaram o projeto no ano passado. Entre 2001 e 2010 reuniram, para o livro sobre Kotscho, mais de 30 depoimentos de jornalistas e também entrevistaram políticos como o vice-presidente José Alencar. Em 2001, quando Lula ainda era um eterno candidato à presidência, falaram com ele sobre o amigo que o acompanhou durante anos.

Kotscho e Lula se conheceram nas greves do ABC, no final da década de 1970, um como repórter, o outro como personagem principal. Em 1989, Kotscho foi assessor de campanha de Lula, e também em 1994. Em 2003 e 2004, Kotscho ocupou o cargo de secretário de Imprensa e Divulgação da Presidência da República. “Há afeto muito grande entre os dois”, conta Mauro Junior.

Depois de acabar o cafezinho, Kotscho voltou a sentar-se e conversou com o Sul21 por cerca de meia hora. Falou sobre o amigo Lula e, principalmente, sobre jornalismo: papel da internet, a imprensa como partido político, democratização dos meios de comunicação, entre outras questões que envolvem a imprensa.

Marco Quintana/Sul21
Foto: Marco Quintana/Sul21

“A maioria dos jornais, telejornais, internet, é tudo muito parecido. As notícias são as mesmas.”

Sul21: Mauro e José Robero estão dizendo que o livro deles é melhor que o seu (Do Golpe ao Planalto).
Ricardo Kotscho
: Isto é uma estratégia de marketing. Só tem um jeito de saber qual é o melhor: tem que ler os dois. Aí eu aproveito para vender o meu. (risos de todos)

Sul21: Vamos começar então falando sobre o título do livro. Lugar de repórter ainda é na rua?
RK
: Só pode ser. Porque as coisas acontecem na rua, e não na redação. Na redação não acontece nada. Você só pode descobrir histórias novas saindo para a rua. Em um dos últimos empregos que eu tive na grande imprensa, na Revista Época, tinha reunião de pauta toda a segunda-feira. E na reunião de pauta todo mundo brilha. Agora, na hora de fazer, tinha pouca gente para ir para a rua. O pessoal saía da reunião e ia direto para o Google pesquisar sobre o assunto. Eu falei para os caras: ‘tudo o que está aí (na internet) já saiu em algum lugar, algum repórter já escreveu isso antes. Nós temos que descobrir histórias novas’. Não pode ficar só no gabinete, no telefone, na internet, que é o que está acontecendo na maioria das redações. É por isso que a grande imprensa está perdendo prestígio e faturamento. Não é a internet que a está matando. É um suicídio. Estão deixando de ser imprescindíveis. A maioria dos jornais, telejornais, internet, é tudo muito parecido. As notícias são as mesmas. Personagens, assuntos (também).

Sul21: Você fez muitas grandes reportagens…
RK
: Não só grandes reportagens. Esse negócio de grande reportagem que você diz: ‘pô, isso tem que ficar bom, esse cara teve um mês para fazer’. Eu fazia sobre qualquer assunto. Às vezes um pequeno assunto rendia uma coisa maior. Mas não é ‘só vou fazer matéria especial’, porque aí você só faz matéria fria.

Sul21: Por que estas grandes reportagens vêm desaparecendo dos jornais?
RK
: As grandes e as pequenas. Não tem mais reportagem. O que você vê hoje são notícias e opiniões. Peguei um jornal hoje chamado “O Sul”, que tem um caderno inteiro de colunas. Tem mais colunas que a Grécia Antiga, pô. E aí tem várias razões. É lógico que tem uma razão financeira. Ir para a rua custa dinheiro. Mas nem sempre. Eu fiz boas matérias perto da redação, e 90% das matérias era um repórter, um fotógrafo e um motorista. Aliás, está desaparecendo a figura do motorista de reportagem. Era uma figura imprescindível, participava das matérias. Tinha um motorista de reportagem na Folha (de S.Paulo) que gostava de fazer reportagem. Se ele me encontrava coçando o saco na redação, falava: ‘Porra, meu, que cê ta fazendo aí? Lugar de repórter é na rua’. O Gil Passarelli – fotógrafo que trabalhou por 50 anos na Folha – no final da carreira foi encostado. Ele ficava agoniado, chegava para mim e dizia: ‘Kotscho, vamos caçar alguma matéria na rua’. A gente saía sem pauta, sem porra nenhuma. Saía andando pela região da Folha de S.Paulo e nunca voltava sem matéria, sempre achava alguma coisa.

Sul21: Então, se não é contenção de gastos, qual o motivo (para a extinção das reportagens)?
RK
: Falta de tesão. Não correr riscos. Este tipo de matéria burocrática, por telefone, declaração, não tem problema. As pessoas se acomodam, desde o chefe-de-redação até o repórter principiante. A única profissão do mundo em que o cara briga para trabalhar é a de repórter. Para fazer uma reportagem você tem que convencer o seu chefe de que vale a pena. É um risco que você está correndo, porque pode não dar certo. Os caras falam para mim: ‘Você só pega assunto bom’. Pego não, eu vou atrás. Porque a maior parte das pautas eu mesmo sugeri.

Marco Quintana/Sul21
Foto: Marco Quintana/Sul21

Sul21: Quais das grandes pautas que você fez lhe vêm à mente agora?
RK
: Muitas vezes você sai para uma pauta que não rende muito, mas no caminho descobre outra. Vou lhe dar um exemplo. Em uma das muitas crises econômicas que viveu o Brasil, fui a Ribeirão Preto, região mais rica do país, para ver os efeitos que a crise tinha causado por lá. Não rendeu muita coisa. A região não tinha sido muito afetada. Na hora de voltar, paramos em um posto de gasolina e entrou um ônibus caindo aos pedaços. Nele estava escrito assim: ‘Sensacional. Hoje na cidade: Mulher-Montanha’. Que merda é essa? Era uma mulher enorme, muito gorda, muito forte. O marido pequeno e fraco e uma filha, de uns 14 anos. Eles viviam naquele ônibus, de cidade em cidade, e o marido desafiava os homens a lutarem com a mulher dele. O troço foi um fracasso. Havia caído o movimento. Aí apareceu a matéria. Aquela família havia sido atingida pela crise.

“Não vai acabar a cultura escrita. Só que a cultura escrita tem que ser boa. Vai se valorizar cada vez mais a qualidade.”

Sul21: Como você vê o espaço ocupado pelos blogues? Isso altera em que a função do jornalista?
RK
: Para mim, isto é mais um mercado de trabalho. Um não elimina o outro. E também não são muito diferentes. Tudo é contar histórias, ter informações. Jornalismo é contar novidades. Eu tenho um blogue também, estou moderno. Mas também estou na Revista Brasileiros, escrevendo reportagens grandes. No blogue, eu sei que não adianta escrever muito porque o pessoal não lê. Pelos comentários, vejo que o cara lê o título e o primeiro parágrafo. Na revista, não, é outro público. O texto é o mesmo, mas você tem que respeitar a natureza dos veículos. Na internet, o pessoal não gosta de textos longos, complicados, porque o público é, em sua maioria, jovem. E o jovem é mais visual. Mas não vai acabar a cultura escrita. Só que a cultura escrita tem que ser boa. Vai se valorizar cada vez mais a qualidade. Todo mundo hoje é repórter e fotógrafo. Mas, quem é confiável? Aqueles que são profissionais mesmo vão se valorizar. Tanto é que todos os portais estão contratando jornalistas respeitados para terem blogues. O que eu acho é que está havendo um suicídio da velha mídia. A última campanha eleitoral foi um exemplo disso. Na hora em que se transformam em partidos políticos ninguém acredita mais neles. Ninguém acredita mais neles. Todos, sem exceção, perderam a eleição e a credibilidade. O veículo tem direito de apoiar um candidato. O que não pode é fazer campanha no noticiário. Jornalista pode tudo, menos brigar com a notícia.

Sul21: Vários blogues independentes têm tido certo protagonismo na imprensa especializada em política. Dá para fazer um paralelo entre eles e a imprensa nanica da época da Ditadura Militar?
RK
: (Ambos) são um contraponto. Você tinha a velha mídia, que já era velha naquele momento, e a imprensa alternativa que, como a própria palavra diz, era uma alternativa à imprensa tradicional. E aí eu concordo com você: acho que hoje os blogues e sites são uma alternativa à imprensa tradicional. E serviram nesta campanha eleitoral para desmascarar os formadores de opinião. O que você tinha antigamente era meia dúzia de nomes que eram os donos da verdade, os formadores de opinião. E os milhares de blogues e sites começaram a mostrar que a história não é bem assim. Neste sentido, houve uma democratização da opinião, da informação. É um processo que está apenas começando. Tem muita porcaria também, a gente sabe disso. Acho que vai haver uma seleção do mercado e serão valorizados os bons profissionais. Os que têm compromisso com os fatos, independentemente da posição política.

Sul21: Queria falar sobre o presidente Lula, que é um grande amigo seu. O que ele vai fazer depois de deixar a presidência? Você acha que ele ficará afastado do governo, sem dar palpites?
RK
: O que ele vai fazer, nem ele sabe direito. Ele já falou dez coisas diferentes. Eu estive com ele no feriado de Finados, conversamos bastante. Primeira coisa: ele vai ter que descansar. Oito anos de governo não é fácil – eu fiquei dois lá e sei como é. Ele não vai ficar parado. É impossível para um cara como ele. Ele não para um minuto. Não para de falar. Nas viagens, todo mundo queria descansar um pouco e ele não dormia; ele é muito acelerado. Mas ele tem consciência também de que não pode ser mais protagonista da cena como foi nos últimos anos. Tem um novo governo eleito, que ele ajudou a eleger, mas precisará guardar uma distância. Não vai sumir da cena política, mas não poderá mais ser protagonista. Aí, é opinião minha, é bem provável que em um primeiro momento ele vá mais para o Exterior, trabalhar as políticas públicas que deram certo no Brasil – de combate à fome, inclusão social – nos países pobres da África e da América Latina. Ele hoje é uma figura respeitada no mundo inteiro.

“Quem acha que vai mandar na Dilma está enganado, é porque não conhece a Dilma.”

Sul21: Mas você acredita que ele vai conseguir ler o jornal e ver que a Dilma está fazendo algo com o qual discorda sem se envolver?
RK
: É muito difícil a gente prever, porque é uma experiência inédita. Não conheço nenhum caso de um presidente que tenha atingido a popularidade que ele atingiu no final do segundo mandato. A tendência normal é no segundo mandato ir caindo (a popularidade). E em 80 anos, no Brasil, é a primeira vez que um presidente eleito em eleições diretas entrega a faixa para um sucessor eleito em eleição direta. Como é uma coisa muito nova, a gente vai ter que esperar para ver. O que eu sei – e eu conheço bem os dois – é que há um respeito mútuo muito grande entre eles. Tanto a Dilma sabe que deve ao Lula a posição dela – me disse isso em uma breve entrevista que eu fiz com ela, que vai sair na Revista Brasileiros – quanto o Lula sabe que tem que respeitar o espaço institucional da presidência. E os dois têm uma coisa em comum também: eles não gostam de receber conselhos e palpites. Quem acha que vai mandar na Dilma está enganado, é porque não conhece a Dilma. O pessoal daqui (do RS) conhece. Estava até falando isso com o Olívio (Dutra). Estão falando que a Dilma é fraca, que não tem experiência. Se preparem. Ela é muito consciente.

Marco Quintana/Sul21
Foto: Marco Quintana/Sul21

Sul21: Você conhece muito bem a cidade de São Paulo. Depois do segundo turno das eleições aflorou um sentimento antinordestino por lá. Apesar de serem poucas pessoas, já há algum tempo ocorrem fatos semelhantes. Quanto mais cosmopolita, mais este sentimento aflora em São Paulo?
RK
: Não dá para generalizar São Paulo. São Paulo são muitas. Isso não é uma coisa recente, desta eleição. O sentimento do paulistano, que se acha superior ao resto do mundo, é uma coisa antiga, da tradicional família paulista. E os nordestinos que migraram, principalmente a partir da II Guerra Mundial, hoje, com seus descendentes, formam maioria em São Paulo. Antes a cidade tinha maioria de italianos, e estes já tinham conflitos com os barões do café e com seus filhos, da elite tradicional paulistana. Os árabes eram chamados de “turcos”; os italianos, de carcamanos; e os nordestinos, de baianos. Então isto é uma coisa cultural muito arraigada. Acontece que esta elite é decadente e é pequena – mas é uma minoria barulhenta. Perdeu muito dinheiro, muito poder, mas ainda tem. E não aceita, desde a primeira vez que o Lula foi eleito, que um “baiano” seja eleito à presidência da República. Eles têm ódio. Não importa se o governo foi bom ou ruim. Pertencem a esta elite, muitos jornalistas e seus patrões. A melhor representação desta cultura é o jornal O Estado de S. Paulo, que é também uma expressão da decadência, porque hoje é controlado por um grupo de credores, não mais pela família Mesquita, fundadora do jornal. Nesta última eleição a coisa aflorou e ganhou maior dimensão porque o candidato da oposição fez uma campanha ultraconservadora, estimulando estes sentimentos: tanto do preconceito, do racismo regional, como na questão religiosa. Mas acho que isso não dura muito, não. Essas febres eleitorais vêm e passam.

Sul21: O governo federal tem iniciado uma discussão sobre a democratização dos meios de comunicação. Tem gente que não quer nem discutir…
RK
: Não quer discutir nada.

Sul21: É possível avançar nestas questões no Brasil?
RK
: Aí eu acho que a pergunta não pode ser: ‘é possível’? Tem que ser, porque faz parte da democracia. Qualquer país democrático e civilizado do mundo tem regras do jogo que valem para todas as áreas da sociedade, para todas as áreas econômicas – inclusive para a comunicação. Hoje não tem lei nenhuma para isso. Nem a regulação física dos meios, das concessões. E nem sequer o direito de resposta. Esta questão não é de interesse específico, das empresas jornalísticas ou dos jornalistas, é de toda a sociedade. Isso tem que ser discutido no Congresso. Na democracia é assim. O governo ouve a sociedade, prepara um projeto. A presidente Dilma, em janeiro, decide se envia ou não ao Congresso (projeto de regulamentação dos meios de comunicação). Se ela decidir enviar, o Congresso vai discutir se modifica, se aprova ou se rejeita. Aqui os barões da mídia esqueceram que é assim que funciona a democracia. Eles não aceitam discutir nada. Se amanhã um jornal publicar que você é ladrão, mentiroso, tenta consertar isto. Eles vão dizer para você mandar uma carta, e podem publicar ou não. Quando resolverem publicar, depois de uns três meses, ninguém vai lembrar sobre o que sua carta está falando. Você pode ir à Justiça. Aí leva mais uns dez anos. Ou seja, não tem direito de resposta. Isso tem que ser regulamentado. Tem que ter prazo, tem que ter uma instância jurídica. É como foi o Conselho Federal de Jornalismo, participei da discussão quando estava no governo, em 2004. A Fenaj fez um pedido ao presidente da República, ele formou um grupo de trabalho – com jornalistas e integrantes do governo – no Ministério do Trabalho. Prepararam um projeto de lei e enviaram ao Congresso. Houve uma campanha tão violenta contra, dizendo que era censura, que o governo foi obrigado, politicamente, a retirar o projeto de lá. Era um massacre. E também a nossa classe política morre de medo da mídia. O poder da grande mídia já não é mais o mesmo, mas eles ainda têm poder.

Sul21: Há uma tendência entre os jornalistas de começar “na rua” e depois abandoná-la. Por que você continua indo para a rua?
RK
: Porque eu sou muito teimoso, como alguém falou (risos). Porque eu gosto. A verdade é essa. O que eu vi acontecer nestes quase 50 anos como jornalista é que os maiores salários eram do pessoal da redação – o redator, o editor, etc. – ganhavam mais do que os repórteres. O repórter e o fotógrafo – que chamavam de retratista – eram uma função menor. Isso foi mudando. Hoje, você tem, em todos os veículos, alguns repórteres ganhando mais do que os burocratas. Você não precisa deixar de ser repórter para ganhar um salário maior. Eu já fui chefe também, diretor. Ser diretor de televisão é um salário fantástico. Além de ganhar mais, isso me deu uma visão mais completa. Antes eu achava que a minha matéria era a mais importante e dane-se o resto. Eu procurei me adaptar a isto também.

O LIVRO

Lugar de repórter AINDA é na rua – o jornalismo de RICARDO KOTSCHO, de Mauro Junior e José Roberto de Ponte, Editora Tinta Negra, 360 páginas, R$ 40,00. Distribuição: Livraria Palmarinca

Mauro Junior e José Roberto de Ponte, dois jovens repórteres, conseguiram contar a história de Ricardo Kotscho, um dos principais jornalistas brasileiros, de forma leve e interessante. A história deste filho de imigrantes (mãe alemã e pai russo) conquista o leitor. Os depoimentos de amigos e familiares, muitas fotos e a reprodução de parte dos textos de Kotscho, escritos nestes seus mais de 40 anos de jornalismo, completam a obra, que ninguém deve deixar de ler, seja jornalista ou não.

O momento em que a relação de Kotscho e Lula deixou de ser apenas a de repórter e fonte e passou a ser de assessor e assessorado é lembrada pelos autores. Kotscho deveria cobrir o julgamento do metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva, acusado de ser o mentor da greve do ABC paulista. Mas, o Comando do I Exército negou-lhe a credencial. Negou a ele e aos correspondentes estrangeiros, fazendo com que Kotscho se sentisse um correspondente estrangeiro em seu próprio país. Ele, então, propôs a seu chefe ir até São Bernardo do Campo “e tentar cobrir o ambiente do julgamento na raça, na esperança de conseguir algum furo”. Chegou à casa de Lula, antes de qualquer outro jornalista, e ali “encontrou advogados, sindicalistas e o próprio Lula que, com sua mulher, Mariza Letícia, resolvera não ir ao julgamento”. Eles decidiram ser julgados à revelia e acompanhar o julgamento pelo rádio.

Mauro e José Roberto descrevem o que aconteceu a partir dali: “Quando o julgamento foi suspenso, toda a imprensa apareceu em São Bernardo do Campo, em frente à casa do Lula. Mas Kotscho já está lá, com a matéria na mão. Os repórteres ficaram em frente à residência, querendo falar com Lula, de qualquer forma. E Kotscho lá dentro, conversando com o réu, na boa. Muitos colegas não entendiam a razão de tal exclusividade.

“Apesar dos calorosos chamados da plateia para Lula se apresentar no portão e dar entrevista, ele preferiu o silêncio, para não correr o risco de arrumar confusão e, sem pensar muito, pediu ao repórter que se encarregasse de ser seu porta-voz:

– Kotscho, vá conversar com seus colegas e explique tudo.
– Como assim, Lula?
– É, vá lá logo e diga o que está ocorrendo.

“Foi, extraoficialmente, o primeiro dia em que Kotscho fez um trabalho de assessor de imprensa para Lula.”


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