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18 de dezembro de 2021
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18:25

Justiça afasta presidente do Iphan após Bolsonaro agir para favorecer loja da Havan em Rio Grande

Por
Sul 21
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Em 2019, Iphan recomendou paralisação da obra após encontrar peças de cerâmica no terreno em Rio Grande. Foto: Divulgação
Em 2019, Iphan recomendou paralisação da obra após encontrar peças de cerâmica no terreno em Rio Grande. Foto: Divulgação

Em decisão liminar neste sábado (18), a Justiça Federal no Rio de Janeiro determinou o afastamento da presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Larissa Peixoto Dutra. A medida foi tomada poucos dias após o presidente Jair Bolsonaro (PL) ter reconhecido, durante evento na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) divulgado na última quinta-feira (16), que interferiu no órgão com o objetivo de beneficiar o empresário Luciano Hang, dono das lojas Havan.

A decisão da Justiça ocorre dentro de uma ação popular movida em junho de 2020 pelo então deputado federal e atualmente secretário de Governo e Integridade Pública da Prefeitura do Rio de Janeiro, Marcelo Calero (Cidadania/RJ), em que ele alega que Larissa Dutra não preenche os requisitos técnicos exigidos por lei para o exercício da função. Após as declarações de Bolsonaro na Fiesp, o Ministério Público Federal (MPF) fez novo pedido pelo afastamento da presidente do Iphan.

“Ante o exposto, diante do fato novo apresentado pelo MPF, defiro o pedido de tutela de urgência para determinar a suspensão do Ato de Nomeação de Larissa Rodrigues Peixoto Dutra e o afastamento de suas funções, até final julgamento de mérito da presente ação”, escreveu a juíza federal substituta Mariana Cunha, da 28ª Vara Federal do Rio de Janeiro.

Em discurso na Fiesp, Bolsonaro contou que mandou “ripar” o responsável do Iphan que havia interditado a obra da loja Havan na cidade gaúcha de Rio Grande, após arqueólogos encontrarem 20 peças de cerâmica indígena pré-colonial e uma peça de louça do século 19.

“Há pouco tempo, tomei conhecimento que, uma obra, uma pessoa conhecida, o Luciano Hang, estava fazendo mais uma loja e apareceu um pedaço de azulejo durante as escavações. Chegou o Iphan e interditou a obra. Liguei para o ministro da pasta: ‘Que trem é esse?’, porque eu não sou tão inteligente como meus ministros. ‘O que é Iphan?’, com ph. Explicaram para mim, tomei conhecimento, ripei todo mundo do Iphan. Botei outro cara lá. O Iphan não dá mais dor de cabeça pra gente”, disse o presidente.

Na decisão, a juíza cita a admissão pública de Bolsonaro de que interferiu no trabalho do órgão para favorecer o empresário, conhecido por ser um grande apoiador do presidente.

“Com efeito, no exercício de suas funções, o atual Exmo. Presidente da República admitiu que, após ter tomado conhecimento de que uma obra realizada por Luciano Hang, empresário e notório apoiador do governo, teria sido paralisada por ordem do Iphan, procedeu à substituição da direção da referida autarquia, de modo a viabilizar a continuidade da obra. As falas supratranscritas sugerem, ao menos em um juízo de cognição sumária, uma relação de causa e efeito entre as exigências que vinham sendo impostas pelo Iphan à continuidade das obras do empresário e a destituição da então dirigente da entidade”, afirmou.

A magistrada ainda ponderou que as declarações de Bolsonaro “sinalizavam, desde a reunião interministerial realizada em 22 de abril de 2020, a intenção de substituir a presidência da autarquia com o propósito não de acautelar o patrimônio cultural brasileiro, mas de promover o favorecimento pessoal de interesses específicos de pessoas e instituições alinhadas à agenda governamental”.

Mariana Cunha destacou que a nomeação da nova presidente do Iphan ocorreu no dia 11 de maio de 2020, poucos dias após a reunião ministerial. Responsável pela preservação do patrimônio histórico e artístico do Brasil, o Iphan tem a função de “promover, em todo o país e de modo permanente, o tombamento, a conservação, o enriquecimento e o conhecimento do patrimônio histórico e artístico nacional”.

Os primeiros vestígios arqueológicos no terreno em Rio Grande foram encontrados no dia 4 de julho de 2019 pela Archaeos Consultoria em Arqueologia, empresa contratada pela Havan para fazer a análise da área. O estudo durou três meses e encontrou 20 peças, sendo 11 de cerâmica, oito de louças e uma não identificada. Atualmente, o material está guardado na Universidade Federal do Rio Grande (Furg).


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