Cidades|z_Areazero
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15 de janeiro de 2020
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21:05

Entidades denunciam nova rodada de demissões ilegais no Imesf

Por
Luís Gomes
luisgomes@sul21.com.br
Movilização de trabalhadores do Imesf contra as demissões em outubro | Foto: Giulia Cassol/Sul21

Luís Eduardo Gomes

Trabalhadores do Instituto Municipal de Estratégia de Saúde da Família (Imesf) e sindicatos representativos das categorias denunciam que a Prefeitura de Porto Alegre entregou dezenas de avisos-prévios em pelo menos oito unidades de saúde da cidade nesta quarta-feira (15), contrariando decisões judiciais que impedem as demissões de funcionários da fundação municipal até que seja solucionado o impasse jurídico sobre a continuidade do órgão.

No dia 17 de setembro, o prefeito Nelson Marchezan Júnior (PSDB) apresentou um plano para terceirizar os serviços de atenção básica de saúde de Porto Alegre como resposta à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), de 12 de setembro, que considerou o Imesf ilegal. Para o STF, o instituto criado em 2011 não é constitucional por se tratar de uma fundação pública de direito privado. Como consequência, a Prefeitura informou que deverá demitir todos os 1.840 funcionários do Imesf e dar baixa no CNPJ do instituto.

Apesar da mobilização dos trabalhadores e de uma disputa judicial sobre a legalidade da terceirização, no dia 18 de dezembro, a Prefeitura assinou um convênio com quatro organizações sociais (OSs) — Irmandade Santa Casa de Misericórdia, Sociedade Sulina Divina Providência, Instituto de Cardiologia e Associação Hospitalar Vila Nova — para a contratação de profissionais que irão executar os serviços de atenção primária em unidades de saúde de Porto Alegre em substituição aos trabalhadores do Imesf. No mesmo dia, começou a promover a demissão de trabalhadores do órgão — que não são considerados servidores estatutários e, por isso, poderiam ser demitidos — com a entrega de avisos-prévios.

No entanto, em 20 de dezembro, a juíza Carolina Quadrado Ilha, do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, deferiu um pedido de liminar feito por um grupo de sindicatos e anulou as demissões. No dia 10 de janeiro, o Tribunal de Justiça manteve a decisão que considera nulos os avisos-prévios entregues pela Prefeitura em dezembro. De acordo com a decisão, a única possibilidade de ressalva é a aceitação expressa do aviso pelo trabalhador e/ou comprovação de obtenção de novo emprego. Apesar disso, uma nova rodada de avisos-prévios foram entregues nesta quarta.

Aviso-prévio entregue para Natália na manhã desta quarta | Foto: Reprodução

Em conversa com a reportagem, a enfermeira Natalia da Silva Fialho afirmou que sete funcionários da UBS Cristal, onde trabalha, receberam avisos-prévios nesta manhã, o que inclui duas enfermeiras, dois dentistas, duas auxiliares de saúde bucal e uma técnica de enfermagem. Segundo ela, há outros trabalhadores do Imesf que atuam na unidade, mas não estavam no local quando os avisos foram entregues. Segundo ela, as demissões estão atingindo as lideranças das mobilizações contra a extinção do Imesf.

“As pessoas estão péssimas, as pessoas estão chorosas, estão perdidas, não sabem o que fazer. Não nos é surpresa a questão da tentativa de demissão, porque já conhecemos esse assédio, esse terrorismo. Mas nos é surpresa que o Marchezan não tenha respeitado nem uma decisão jurídica, porque, na verdade, existe uma decisão judicial de que ele não poderia demitir ninguém para substituir esses profissionais por terceirizados, e ele segue fazendo isso”, disse Natália.

A enfermeira disse que os avisos foram entregues por um representantes da gerência da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), um representante do administrativo do Imesf e um funcionário do Divina Providência, que, segundo ela estava assediando os trabalhadores a procurarem e entidades para serem imediatamente recontratados como terceirizados, o que é vedado pela legislação trabalhista nacional, e continuarem trabalhando na saúde municipal.

“A minha equipe é muito coesa e disse que não. A gente disse ‘não, não iremos’. A gente vai ver outra forma de agir, mas que não vai ser se vendendo para a terceirizada, não vai ser entregando a saúde pública de Porto Alegre na mão de uma terceirizada, que só vai lucrar e deixar as pessoas morrendo, como já aconteceu e vai acontecer outras vezes. Aconteceu na Farrapos, no primeiro dia que a terceirizada assumiu lá, já houve um óbito”, afirmou.

Presidente do Sindicato dos Enfermeiros do Rio Grande do Sul, Cláudia Franco diz que os sindicatos estão orientando os trabalhadores a considerarem os avisos-prévios como inválidos. Além disso, ela diz que o Sergs está fazendo um levantamento dos avisos e que vai anexá-los ao processo judicial, cobrando uma manifestação a respeito do descumprimento das decisões judiciais, bem como fará uma denúncia ao Ministério Público. “O prefeito está naquele jeito que ele não obedece nem nada, nem ninguém. Nem Justiça”, afirmou.

Presidente do Sindisaúde, Julio Cesar Jesien disse que visitou diversas unidades de saúde nesta quarta e que em pelo menos oito delas foram registradas entregas de avisos-prévios — nas unidades Vila Jardim, Assis Brasil, Ramos, Diretor Pestana, Mapa, Cristal, Modelo, Belém Velho e São Cristóvão. Segundo ele, os sindicatos receberam a informação de que a SMS estava imprimindo cerca de 200 avisos-prévios para serem entregues a trabalhadores da saúde municipal. “Nós acreditamos que pelo menos 50 avisos foram emitidos no dia de hoje e outros deverão ser emitidos no dia de amanhã”, disse.

Oposição fala em crime de responsabilidade

Em nota, o vereador Aldacir Oliboni (PT), líder da oposição na Câmara, diz que a ação da Prefeitura, além de lamentável, não tem respaldo jurídico e configura crime de responsabilidade.

“Ao enviar na presente data avisos-prévios a esses trabalhadores extrapola todos os limites do estado democrático de direito, demonstrando-se uma atitude autoritária e contrária à legislação vigente. Além de promover o desemprego e prejudicar o conjunto da população a partir da descontinuidade do atendimento através da principal estratégia de atenção básica à saúde em Porto Alegre, o prefeito municipal e sua equipe incorrem também em crime de responsabilidade”, diz a nota.

O vereador pontua que o inciso XIV do artigo 1º do Decreto-Lei N° 201/67 diz que deixar de cumprir ordem judicial constitui crime do prefeito municipal sujeito ao julgamento do Poder Judiciário, independente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores.

“Entendemos haver elementos concretos para que os autores da ação judicial cuja decisão foi desrespeitada, os órgãos que a julgaram e o próprio Ministério Público do Trabalho poderá, se quiser, optar por esse caminho. No âmbito legislativo, a mesma lei estabelece em seu artigo 4º considera o mesmo crime como infração político-administrativa do prefeito sujeitas ao julgamento do parlamento. Nesse sentido, envidaremos todos os esforços para, com o conjunto de vereadores e vereadoras, analisar o tema”, afirma.

Prefeitura nega descumprimento

Em nota encaminhada à reportagem na noite desta quarta-feira (15), a SMS nega irregularidades e diz estar seguindo “à risca” as decisões judiciais. A Prefeitura diz que a entrega dos avisos-prévios foi feita para dar oportunidade aos trabalhadores para que “manifestem o interesse e comprovem a realocação em outro posto de trabalho por documento formal”. “Essa orientação tem como motivação exatamente respeitar a livre escolha dos profissionais que querem ser desligados do Imesf, garantida reiteradamente pela Justiça do Trabalho”, diz a nota.

A nota diz ainda que um acordo judicial firmado com o Ministério Público e o Poder Judiciário permite a “contratualização de uma parcela dos serviços da Atenção Primária para cumprir com as portarias do Ministério da Saúde e garantir a adesão ao Programa Saúde na Hora”, do governo federal, que já foi implementado nas unidades Farrapos e Diretor Pestana (Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre), Moab Caldas, Glória, Santo Alfredo e Campo da Tuca (Hospital Divina Providência), Lami, Macedônia, Morro dos Sargentos, Morada da Hípica, Campo Novo e Guarujá (Hospital Vila Nova).


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