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16 de fevereiro de 2019
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18:16

Após três anos sem verbas públicas, blocos e escolas buscam alternativas para o Carnaval

Por
Sul 21
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Após três anos sem verbas públicas, blocos e escolas buscam alternativas para o Carnaval
Após três anos sem verbas públicas, blocos e escolas buscam alternativas para o Carnaval
O Carnaval de 2019 acontecerá por conta de dois editais abertos no final de 2018 que, depois de reuniões com as escolas e blocos, conseguiram estruturar uma base mínima para organizar os eventos culturais.  Foto: Guilherme Santos / Sul21

Giovana Fleck

Em 2017, quando a Prefeitura de Porto Alegre anunciou que, pela primeira vez, não iria direcionar recursos ao Carnaval da capital, o Complexo Cultural do Porto Seco refletia a situação de descaso com a festa. No meio do mato alto, um cavalo pastava nos mais de 450m de comprimento e 16m de largura da pista de desfiles. Focos de lixo tomaram conta da paisagem. “É sério, toma cuidado. ‘Eles’ surgem do nada”, alertou uma das frequentadoras do barracão da Academia de Samba Praiana quando o Sul21 foi até o local. Segundo ela, a violência dentro do complexo chegava a ser “terrível”.

O prefeito Nelson Marchezan Jr. (PSDB) havia acabado de tomar posse. A nova gestão chegou a divulgar peça publicitária durante a corrida eleitoral em que o candidato aparece tocando instrumentos e conversando com membros da escola de samba Estado Maior da Restinga. No vídeo, os carnavalescos dizem esperar um resgate da festa no governo de Marchezan. “A importância do carnaval é a parte cultural. Como a maioria das escolas de samba reside em comunidades, o nosso trabalho para incluir crianças, adolescentes e também idosos na área da cultura é muito importante”, diz uma professora de dança.

Pouco evoluiu até agora. O Carnaval de 2019 acontecerá por conta de dois editais abertos no final de 2018 que, depois de reuniões com as escolas e blocos, conseguiram estruturar uma base mínima para organizar os eventos culturais. A empresa Impacto Vento Norte Produções Técnicas foi a vencedora da disputa do Pregão Eletrônico para realizar o Carnaval de Rua de Porto Alegre 2019.

O lance vencedor de outorga a ser paga ao município foi de R$ 50 mil. Uma solenidade chegou a ser realizada no Paço Municipal, onde o prefeito Nelson Marchezan Jr. reafirmou que a festa deste ano não terá nenhum recurso oriundo dos cofres públicos. De acordo com as regras definidas em audiência de conciliação na 2ª Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre, no mês de dezembro de 2018, o Carnaval no bairro Cidade Baixa será realizado nos dia 2 e 5 de março e os desfiles no Porto Seco nos dias 15 e 16 de março.

A decisão desse novo formato de carnaval foi formalizada no dia 2 de janeiro, quando seis escolas da Série Ouro assinaram a adesão ao desfile. Outras nove escolas da Série Prata e Bronze, que já haviam decidido desfilar de qualquer maneira, e a tribo carnavalesca Os Comanches se uniram à proposta.

Além da Cidade Baixa, outras festas ocorrem entre os dias 16 de fevereiro a 24 de março na Orla do Guaíba, Centro Histórico ou em outro bairro como Partenon ou Restinga.

Os últimos anos do Carnaval em Porto Alegre

Complexo Cultural Porto Seco, em 2017. Foto: Guilherme Santos/Sul21

Após as eleições, o desfile de Carnaval teve suas datas adiadas duas vezes ao longo de 2017. Acabou sendo transferido para os dias 23, 24 e 25 de março. A escola Imperadores do Samba foi a vencedora da Série Ouro, com um enredo que focava em resistência a partir da artes, com inspiração nas obras de Frida Kahlo.

Um ano depois, a perspectiva era de mudança entre as escolas. Novamente, a Prefeitura anunciou que não cederia ajuda financeira para os desfiles. Assim, a Liga Independente das Escolas de Samba da Capital (Liespa) convocou uma coletiva de imprensa para anunciar que uma empresa privada havia assumido o orçamento de R$ 2 milhões e que o Carnaval seria, outra vez, fora de época. Na ocasião, o presidente da Liga, Juarez Gutierrez, afirmou que a decisão era a única alternativa para “fazer o Carnaval não parar”.  Segundo ele, a “força-tarefa” da Prefeitura, para apoiar o evento mesmo sem dinheiro público, “funcionou em quase nada”. No entanto, em 2018, o desfile foi cancelado.

Ainda em 2017, a gestão municipal se dispôs a empenhar funcionários especialistas em captação de recursos junto à iniciativa privada, para ajudar a levantar recursos. Apesar do grupo ter sido criado, não conseguiram os investimentos necessários. A única empresa que ajudou foi a Caixa Econômica Federal que aportou R$ 140 mil.

Após a realização do desfile em março, a Prefeitura, reconhecendo o interesse de desvincular completamente o poder público da realização do evento, chegou a sugerir que as escolas administrassem o Porto Seco.  O acordo permitiria que elas mesmas possam decidir sobre negócios com a iniciativa privada e usar o dinheiro arrecadado em eventos no local, para o Carnaval.

No entanto, essa seria uma das justificativas para a construção do complexo, inaugurado de forma incompleta em 2004, que nunca chegou a se concretizar. Segundo os primeiros projetos, o Porto Seco deveria oferecer atividades culturais ao longo de todo o ano, não somente no Carnaval. Localizado no bairro Rubem Berta, próximo ao Aeroporto Internacional Salgado Filho, muitos questionavam o afastamento do Centro da cidade e a dificuldade de acesso ao local.

No dia 21 de dezembro de 2017, a Câmara de Vereadores aprovou o projeto de lei que autorizava a prefeitura a fazer o termo de uso. A negociação que começou no meio do ano passado, foi concluída em janeiro de 2018.

O cenário do Porto Seco, no entanto, não mudou muito desde 2017 – a sensação de abandono prevalece entre os 15 barracões e a pista. A Prefeitura segue fazendo o básico, como o serviço de capina e a manutenção da iluminação. No entanto, as escolas lidam com constantes furtos e roubos de equipamento, além da falta de segurança em geral. Na pista, esqueletos de carros alegóricos ocupam o espaço que, originalmente, deveria ser destinado a arquibancadas com auditórios, salas para espetáculos, unidade de saúde, departamentos da prefeitura, Brigada Militar, Corpo de Bombeiros e um Museu do Carnaval. Com as cercas derrubadas em alguns pontos, moradores do Rubem Berta usam a travessia como atalho. Para os desfiles deste ano, a Liespa comunicou que a ideia é utilizar geradores, pois se tem conhecimento de que os constantes roubos das fiações já prejudicaram a distribuição de energia no complexo.

Serão arquibancadas de oito degraus, com capacidade para um público de 3,5 mil pessoas. O acesso a esse espaço será gratuito. Outras 3 mil pessoas poderão assistir ao desfile dos camarotes e lounges. Serão 190 camarotes, com área de 12m², sendo que cada um poderá receber até 18 pessoas. Os valores variam de R$ 800 a R$1,5 mil, dependendo da localização ao longo da passarela. A comercialização dos espaços irá começar no dia 21 de janeiro. Além da iluminação e sonorização, serão três cabines para os jurados, já que o caráter competitivo do desfile será mantido.

Bloco da Laje organizou sua saída de forma independente, através de financiamento coletivo. Foto: Guilherme Santos

A diferença é que a categoria “alegorias e adereços” será excluída da avaliação neste ano. É que as escolas não terão dinheiro para exibir os carros alegóricos vistosos que costumavam chamar atenção no carnaval. Conforme a organização, será feito o chamado “carnaval no chão”, que consiste nas pessoas desfilando com suas próprias fantasias. A venda dos ingressos é importante para a montagem da estrutura, cujo valor foi estimado em R$ 130 mil. Outra maneira de viabilizar a verba seria por meio das leis de incentivo à cultura, com apoio de parceiros comerciais. Até o momento, no entanto, nenhuma parceria foi fechada.

Já na saída dos blocos, a alternativa encontrada por alguns foi através de campanhas de financiamento coletivo. Assim fez um dos maiores blocos de Porto Alegre, o Bloco da Laje. De forma independente, a saída do grupo ocorreu ainda em janeiro, no dia 27.

No edital da Prefeitura, cerca de 80 interessados inicialmente resultaram em 30 escolhidos por uma comissão que avaliou critérios como “histórico cultural” e “relação com o bairro”. No dia 14 de fevereiro, a relação com os nomes dos grupos escolhidos foi divulgada. De férias, o secretário da Cultura, Luciano Alabarse, foi representado pelo secretário-adjunto, Leonardo Maricato, no lançamento dos nomes. Ele destacou que essa era “mais uma etapa vencida” na consolidação do novo formato de Carnaval de Rua. “Seguimos fazendo a nossa parte, para que os blocos e, principalmente, os foliões, possam brincar de forma harmônica e segura nessa festa que é de toda a cidade”, afirmou.

Investimentos em cultura

Em entrevista à Rádio Gaúcha em dezembro de 2018, o Prefeito afirmou que foram investidos R$ 7 milhões dos cofres públicos em 2016 para a realização do evento – valor bem acima dos R$ 2 milhões aportados em 2019.”Não nos sentimos confortáveis em colocar dinheiro público em algum evento”, afirmou.

De fato, essa não tem sido a política adotada por Marchezan. Em agosto de 2018, um grupo de carnavalescos que discutia saídas para o Carnaval deste ano, na Câmara de Vereadores, acusou o prefeito de apoiar apenas “festas importadas e elitizadas”. Um deles, chegou a citar a lei municipal que prevê a destinação de 1% da arrecadação tributária de Porto Alegre para estrutura e ornamentação do Carnaval de rua. Segundo Alan Carlos Dias da Silva, membro da Liespa ouvido pelo Sul21 na ocasião, ela não estaria sendo cumprida.

No último ano, a Prefeitura anunciou outros cortes expressivos na área da cultura. Depois da repercutir nacionalmente, no início de junho, a intenção de cobrar perto de R$ 180 mil de aluguel para realização da Feira do Livro, o secretário municipal de Cultura disse que o assunto foi“esclarecido e superado”. A Câmara Rio-grandense do Livro, responsável pela Feira, recebeu um boleto do Executivo com o valor que corresponderia ao aluguel da Praça da Alfândega. Luciano Alabarse se manifestou afirmando que, depois de reuniões entre as secretarias e o prefeito chegou-se ao acordo de não efetuar cobrança à Câmara.

Meses depois, foi para votação na Câmara Municipal projeto de autoria do prefeito que altera o regramento dos fundos públicos municipais. Se aprovado, poderá colocar em risco a continuidade do Fumproarte (Fundo Municipal de Apoio à Produção Artística e Cultural) e do Funcultura (Fundo Pró-Cultura) – ações de apoio municipal à produção artística local. O projeto tramita em regime de urgência na Câmara, a pedido de Marchezan. No texto do Executivo, afirma-se que ele “dispõe sobre diretrizes para a criação e a extinção de fundos públicos, e novas regras para movimentação financeira dos atuais fundos, criação do Fundo de Reforma e Desenvolvimento Municipal, autoriza o Poder Executivo a reverter os saldos financeiros dos fundos ativos e extintos ao Tesouro Municipal”.

Os fundos municipais foram criados para garantir que dinheiro destinado a setores especiais, como políticas públicas para crianças, idosos ou cultura, caísse no caixa único da prefeitura. O PL ainda aguarda votação.

Haveria, no entanto, dinheiro público disponível para a área da cultura. Em julho de 2018, uma cota de R$ 350 mil da Câmara de Vereadores de Porto Alegre foi aplicada, depois de anos em desuso, no projeto do vereador e presidente da Casa, Valter Nagelstein (MDB). Um edital público foi lançado para colocar em prática o espetáculo Revolução Farroupilha, uma História de Sangue e Metal.

Como tem funcionado em outras capitais

Em outras capitais do Sul do Brasil, os desfiles e os blocos de Carnaval não tiveram a origem de seu financiamento alterada. Em Curitiba (PR) e em Florianópolis (SC), além da semana dedicada aos festejos tradicionais, acontece o pré-carnaval. Nas duas cidades, as festas são oferecidas de forma integralmente gratuita pelas prefeituras.

Na capital catarinense, o Carnaval Magia, como é conhecido o evento em Florianópolis, é publicizado como “uma das festas mais completas do Brasil”. O local dos desfiles de samba é, desde 1987, a passarela Nego Quirido, no bairro da Prainha. Para isso, a Prefeitura organizou dois editais com pedidos de infraestrutura para blocos de rua e para a promoção e organização de eventos na Arena Central.


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