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27 de julho de 2018
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18:23

Hospital de Piratini irá assumir exames de colo do útero após suspeitas de fraudes em Pelotas

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Sul 21
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Hospital de Piratini irá assumir exames de colo do útero após suspeitas de fraudes em Pelotas
Hospital de Piratini irá assumir exames de colo do útero após suspeitas de fraudes em Pelotas
Hospital de Caridade Nossa Senhora da Conceição foi o único interessado em contrato emergencial | Foto: Google Street View

Débora Fogliatto

A Prefeitura de Pelotas contratou, na última quinta-feira (26), o Hospital de Caridade Nossa Senhora da Conceição, de Piratini, para realizar exames citopatológicos de colo do útero para dez municípios da região, duas semanas após surgirem denúncias de fraudes na coleta por parte do laboratório que prestava o serviço em Pelotas. O hospital piratiniense foi o único a apresentar proposta para ser contratado de forma emergencial, até que seja concluída a licitação de um laboratório definitivo.

Tanto Pelotas quanto os nove municípios que têm a cidade como referência para a realização do exame estavam com a coleta parada, aguardando uma resolução para o caso. No dia 12 de julho, o jornal local Diário da Manhã publicou matéria com denúncias anônimas por parte de trabalhadoras da rede municipal de saúde de que os exames de papanicolau, que podem detectar sinais de câncer do colo do útero, estariam sendo analisados por amostragem. Segundo a denúncia, essas repetições de resultados estão acontecendo nos últimos seis anos, período em que os exames voltavam com resultados normais mesmo quando as pacientes demonstravam lesões aparentes. O jornal afirma que de cada 500 exames, cerca de 5 eram analisados.

As suspeitas são de que isso acontecesse na Unidade Básica de Saúde da Bom Jesus, na qual a situação foi registrada em ata e enviada para a secretária de Saúde, Ana Costa, em março desse ano. Ao mesmo tempo em que os exames voltavam sem indicar alterações, as pacientes já chegariam aos hospitais com o câncer avançado devido à falta de diagnóstico nos estágios iniciais. As coletas realizadas pela UBS eram analisadas pelo laboratório Serviço Especializado de Ginecologia (SEG), que é o responsável por todos os 1.500 exames mensais enviados por Pelotas e outras nove cidades da região. Quando surgiram as denúncias, a Prefeitura de Pelotas definiu que fosse contratado um novo laboratório para prestar o serviço.

Problemas foram verificados em exames realizados com pacientes da UBS Bom Jesus, em Pelotas | Foto: Divulgação/Ascom Pelotas

Desde então, a prefeita Paula Mascarenhas (PSDB) determinou que a secretária de Saúde Ana Costa saísse de férias e assumiu interinamente a pasta, enquanto a denúncia começou a ser investigada pelo Ministério Público. Os municípios de Amaral Ferrador, Arroio Grande, Cerrito, Chuí, Herval, Morro Redondo, Piratini, São José do Norte e Turuçu suspenderam as coletas, aguardando uma solução por parte de Pelotas, que é a referência na região. “No mesmo dia em que saiu a primeira reportagem, já suspendemos as coletas. Estamos aguardando Pelotas resolver a questão”, afirma a secretária de Saúde de Amaral Ferrador, Tânia Tyczwieckz.

Com a contratação do Hospital de Caridade, os exames devem voltar a ser coletados já na próxima semana, de acordo com o secretário de Saúde de Piratini, Diego Espindola de Avila. “Na segunda ou terça-feira devem voltar [a serem feitas as coletas]. Estamos tentando normalizar os exames atuais, porque os que já estavam coletados antes disso Pelotas está fazendo um processo paralelo”, explica. Mesmo com a contratação de um laboratório de Piratini, Pelotas segue sendo a referência na região e é quem gere o recurso, reitera o secretário. A diferença é que, agora, ao invés de serem analisados na própria cidade, os exames serão enviados para Piratini.

O Processo de Dispensa de Licitação para a contratação emergencial agora está sendo apreciado pela Procuradoria-Geral do Município. Caso o parecer seja favorável, o próximo passo será a assinatura da prefeita Paula Mascarenhas e de representante do Hospital e, a partir daí, as análises poderão começar a ser feitas imediatamente. O Hospital de Caridade de Piratini se propôs a fazer os exames citopatológicos por R$ 16 a unidade. O contrato emergencial terá a duração máxima de 180 dias e prevê a realização de 2.000 exames — podendo receber aditivos.

Simultaneamente, o poder público pelotense contratou um laboratório nível II, especializado em revisão de exames para refazer uma mostra representativa de análises do SEG, o que deve ser feito em Porto Alegre. Segundo a Prefeitura, serão refeitos 2.100 exames, número que foi indicado por especialistas. Este número deve ser o suficiente para, a partir da revisão, determinar se houve fraude nos resultados dos exames.

Investigações

O SEG presta serviços em Pelotas há cerca de 40 anos e, em 2000, passou a ser o responsável pelas análises de exames para a Prefeitura. A Secretaria de Saúde de Pelotas afirma que o laboratório era vistoriado periodicamente e estava com a documentação necessária e alvará em dia. Após as denúncias, o Executivo municipal solicitou que o SEG fornecesse novos relatórios de qualidade, enquanto o Ministério Público também passou a investigar o caso.

Na sexta-feira da semana passada (20), o MP e o Instituto Geral de Perícias (IGP) realizaram inspeção e recolheram 17 mil exames guardados pelo laboratório desde 2017. O Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers) informou que também abriu sindicância para investigar a conduta da responsável técnica pelo laboratório e informou que o SEG não tem registro no Conselho, embora devesse, pois presta serviço médico.

Na manhã desta terça-feira (24), a Comissão de Saúde da Câmara de Vereadores de Pelotas se reuniu e determinou a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar as possíveis fraudes. Como a Câmara está em recesso parlamentar, ela deve ser instaurada oficialmente a partir da próxima semana, com o retorno às atividades normais. O presidente da Comissão, vereador Marcos Ferreira (PT), o Marcola, esteve no Ministério Público Federal e Estadual e na Polícia Federal para tratar do caso. “Eu solicitei que esses órgãos pudessem abrir inquéritos para apurar, porque há recursos do SUS envolvidos. E ainda encaminhamos para a prefeita um pedido para que a Prefeitura possa, de alguma forma, refazer os exames, porque essa é a preocupação”, afirma.

Marcola, presidente da Comissão de Saúde, pediu abertura de CPI | Foto: Lenise Slawski/ Assessoria de Imprensa do vereador

Segundo o vereador, é importante “passar tranquilidade para todas essas mulheres que fizeram o exame dos últimos 4 anos” e, por isso, a ideia é solicitar ao Executivo a lista de todas as pacientes que realizaram os exames neste período, verificar quais foram feitos, além de todos os óbitos por câncer do colo do útero, para que possam cruzar os dados. Marcola pretende analisar toda a rede de saúde, e não apenas a UBS que está sob suspeita. “Vamos fazer um chamamento público via imprensa para que as pessoas que fizeram o exame na rede pública possam procurar a Câmara e levar os exames”, relata.

Na semana passada, o laboratório Serviço Especializado em Ginecologia divulgou nota oficial em que garante que nunca deixou de fazer a análise de nenhum exame e que tem guardadas todas as lâminas, que estão à disposição das autoridades. O SEG afirma também que “manifesta total apoio à instalação de uma CPI na Câmara de Vereadores, para que se demonstre todo o processo de exames pré-câncer, desde a coleta de material na UBS até a entrega do laudo à usuária” e que solicitará ao MP investigação acerca do que foi veiculado no jornal local. A advogada Christiane Ualt Fonseca, que representa o laboratório, informou à reportagem que “todas as denúncias serão devidamente apuradas, o laboratório se encontra à disposição das autoridades para auxiliar nas investigações”.

No início da semana, a prefeita Paula Mascarenhas também determinou a abertura de uma sindicância para apurar as denúncias. Em vídeo divulgado nesta quarta-feira (25), ela afirmou que “a denúncia grave, feita de forma anônima e sem provas publicada em jornal local colocou sob suspeita os exames citopatológicos de colo de útero realizados em Pelotas”. Garantiu, ainda, que o Executivo municipal está colaborando com todas as instituições que investigam o caso. “Eu, mais do que ninguém, busco a verdade deste caso, para trazer segurança às mulheres usuárias do SUS do nosso município”, disse.


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