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11 de fevereiro de 2018
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10:46

‘Será que o Carnaval não deveria ser visto como investimento ao invés de gasto?’, questiona presidente da Liga

Por
Sul 21
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‘Será que o Carnaval não deveria ser visto como investimento ao invés de gasto?’, questiona presidente da Liga
‘Será que o Carnaval não deveria ser visto como investimento ao invés de gasto?’, questiona presidente da Liga

Fernanda Canofre

Virou quase um chavão de Carnaval tão popular quanto ouvir “Mamãe, eu quero” ou esperar o próximo hit do verão. Todo início de ano, algum governante, de alguma parte do país, ganha índices de popularidade ao dizer que não dará verba pública para o Carnaval de sua cidade, porque vai investir em educação.

Em Porto Alegre, quando Nelson Marchezan Júnior (PSDB) assumiu a Prefeitura Municipal, em janeiro do ano passado, o corte de dinheiro para escolas de samba foi um dos primeiros anúncios do governo que aposta em medidas de austeridade. A justificativa seria que a situação financeira da Prefeitura não comportava repasses para a festa, a única forma de viabilizá-la seria com parcerias público-privadas.

Um ano antes, seu antecessor, José Fortunati (sem partido), encarou críticas para ter a festa no calendário da cidade, defendendo que ela movimentava a economia e cultura da cidade. “Vivemos umas das maiores crises econômicas dos últimos tempos no país e eu recebi muita pressão para suspender o Carnaval de Porto Alegre, mas não estamos tratando só de uma festa”, declarou à época, ao jornal Correio do Povo.

O presidente da Liga das Escolas de Samba de Porto Alegre, Juares Gutierrez, exaltava a “coragem” do ex-prefeito. Agora, ele trabalha para organizar o desfile das escolas de samba fora da época, mais uma vez. No início de janeiro, quando o governo tucano disse que mais uma vez não teria verba para o evento, ele disse em entrevista ao Sul21: “Não estamos nada satisfeitos [com essa posição]. Entendemos que o poder público tem que ajudar, por força constitucional, a cultura de maneira geral e, mais ainda, a cultura popular. Isso é um descumprimento das leis que conseguimos conquistar ao longo dos anos”.

Poucos dias antes do Carnaval, Gutierrez conversou com o Sul21 sobre o que os cortes significam para quem vive da data nos outros 364 dias do ano:

Sul21: Muitas prefeituras usam o “não vai ter dinheiro para o Carnaval” como um mote de economia e de outros investimentos em áreas que necessitariam mais. Para as escolas, o que isso significa, não ter o investimento do poder público?

Juares: Entendemos como uma retórica completamente sem base, pois já não tivemos este tipo de aporte no Carnaval passado e, com certeza, nada do que a população reclama melhorou na segurança, saúde e educação. É desconsiderar a importância da cultura popular e o quanto ela gera de emprego e renda, o quanto promove inclusão social, trabalha motricidade (corpo) e mente, com formação e conteúdo, através dos enredos e sambas  desenvolvidos pelas escolas. O quanto isto ajuda na formação do cidadão, que é uma obrigação de Estado. Quando tudo isto está acontecendo, estamos contribuindo diretamente na segurança preventiva, que tanto a sociedade reclama. Fazemos isto com crianças e adolescentes. Falar de tudo que uma escola de samba poderia trazer de benefícios para a nossa sociedade, como um todo, se tivesse apoio público, é ficar horas e horas falando. Lamentável saber como o poder constituído, mesmo com a legitimidade do voto, pode desconsiderar tantos pontos positivos. Está mais do que provado o quanto movimenta a cadeia produtiva, aquecendo o comércio e os serviços. Hoje, o Carnaval garante mais de 2 mil empregos diretos e mais de 5 mil indiretos. Será que o Carnaval não deveria ser visto como investimento ao invés de gasto? Espero que, além do poder público, a sociedade também passe a ver o carnaval com outros olhos.

Sul21: No que o dinheiro recebido da Prefeitura era usado durante o ano, junto às comunidades?

Juares: As escolas fomentaram mais oficinas e projetos porque tinham a certeza de repasses, que hoje não tem mais.

O prefeito Marchezan Jr. entregando as chaves da cidade ao Rei Momo do Carnaval, no ano passado | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Sul21: Pode citar exemplos de alguma comunidade que sentiu isso mais pontualmente?

Juares: Para exemplificar, vou citar uma comunidade bem pontual, mas poderia citar qualquer uma das sete escolas de Porto Alegre. Mas uma que tinha um projeto muito perene, todos os anos, que tinha um projeto que movimentava R$ 120 mil por ano, em torno de oficinas, formação e tudo mais era a Acadêmicos do Gravataí, que era com verba pública. Através do Funproarte. A ausência desse incentivo deixa a escola, de alguma forma, altamente prejudicada, porque ali havia encontro de pessoas, havia agrupamento, havia grupos que passavam a ter um outro sentimento pela escola, que participavam como componentes, na formação de alas. A estrutura do Carnaval, o próprio eco de resposta, sofre quando isso não acontece ao longo do ano. Algumas escolas lidam mais na parte de percussão, outras de dança, tem ainda os cursos paralelos que são oriundos das escolas, de mestre-sala, porta-bandeira. É um conjunto de coisas que, no desfile, traz elementos para um resultado apoteótico de um dia em 365. Os outros 364 são usados para outras atividades.

Sul21: Qual será o plano da liga daqui pra frente se seguir sem dinheiro da Prefeitura? Como pretendem se manter?

Juares Gutierres: Com publicidade nos espaços do sambódromo e eventos de médio e grande porte em parceria com produtoras.


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