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18 de novembro de 2017
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08:03

Denúncias a Conselho Tutelar do Centro de Porto Alegre dobram em um ano: situação é de ‘alerta vermelho’

Por
Sul 21
sul21@sul21.com.br
Conselheiras tutelares da região Centro manifestam preocupação com processo de desmonte da Assistência Social em Porto Alegre. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

Marco Weissheimer

18 de novembro é o dia do conselheiro tutelar, atividade que, em Porto Alegre, vem ganhando uma dramática importância em virtude dos cortes orçamentários na área da assistência social. Inscrito no artigo 131 do Estatuto da Criança e do Adolescente, o Conselho Tutelar tem o papel de zelar pelo cumprimento de direitos de crianças e adolescentes, diante de ameaças ou real violação de seus direitos e tomar as providências necessárias para efetivar esses direitos. Em Porto Alegre, o Conselho Tutelar está organizado em dez microrregiões, cada uma delas com uma equipe formada por cinco conselheiros eleitos pelo voto direto facultativo, para um mandato de três anos, com direito a uma recondução.

O Sul21 visitou a sede da microrregião 8 (Centro), responsável pela cobertura de 19 bairros de Porto Alegre, para conhecer um pouco da realidade cotidiana que vem sendo enfrentada por conselheiros e conselheiras tutelares na cidade. Logo na entrada, a conselheira Maria Lucia Sant’Anna pede desculpas pela falta de energia e de sinal de internet, fruto do terceiro arrombamento em seis dias que resultou no furto de fios, cabos, aparelho de microondas e outros equipamentos. Os assaltantes só não levaram os computadores porque, após o primeiro arrombamento, as conselheiras decidiram retirar os equipamentos do prédio. Além da falta de segurança, o aluguel do prédio não é pago há três meses pela Prefeitura, o que levou o proprietário a colocar o mesmo à venda.

No caso da microrregião 8, a estrutura que é oferecida pelo município, além dos cinco conselheiros, inclui um agente administrativo, dois estagiários, um motorista e um veículo. Além do atendimento interno, os conselheiros são responsáveis também por fazer as notificações, enfrentando muitas vezes situações de risco. Há também um plantão centralizado na madrugada, onde dois conselheiros se revezam.

Aumento da presença de crianças em sinaleiras e no entorno de supermercados preocupa Conselho Tutelar. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

“Além de atuarmos como garantidores dos direitos de crianças e adolescentes, nós também promovemos esses direitos, orientando as famílias, e adotamos medidas de proteção tanto em relação à criança como em relação aos pais e responsáveis”, explica Aline Bettio, coordenadora da Microrregião 8. Juntamente com as conselheiras Maria Lucia Sant’Anna, Rosi Bilhalva, Gisele Wolkind Aberbuj e com o conselheiro Lucas Brizola, Aline integra a equipe que presta serviços que vão desde encaminhamentos para a Assistência Social e atendimentos emergenciais de saúde até questões mais complexas que envolvem problemas psíquicos e casos de alienação parental.

“Há um senso comum que acredita que o Conselho Tutelar é utilizado apenas pela população mais pobre. Não é assim. Muitas pessoas, de todas as classes sociais, acabam se envolvendo em determinadas situações e precisam do auxílio do Conselho Tutelar”, observa a coordenadora da Microrregião 8. É um espaço que não substitui os serviços públicos, acrescenta, mas que acaba recebendo demandas e problemas que não são resolvidos por esses serviços. “Tudo que deu algum problema acaba chegando aqui. Somos o escoadouro dos problemas e violações de direitos de crianças e adolescentes. Por vezes, o conselheiro tutelar ganha o rótulo de ser muito ‘reclamão’, mas nós acabamos nos defrontando, de fato, com problemas resultantes da inoperância de órgãos públicos”.

Conselheira Aline Bettio, coordenadora da Microrregião 8. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

O Conselho Tutelar, relata Aline Bettio, vem enfrentando muitas dificuldades para poder exercer o seu papel. “Agora, estão ocorrendo cortes na Assistência Social e um dos nossos trabalhos é justamente encaminhar pessoas para um atendimento nesta área, como uma visita domiciliar por uma assistente social ou garantir um acesso a uma cesta básica. Não tem como fazer isso, porque os recursos estão sendo cortados. Estamos muito atentas e preocupadas com os anúncios de cortes que vêm sendo feitos tanto em nível federal quanto em nível municipal. Temos, por exemplo, muitas adolescentes grávidas e programas muito tímidos para apoiar as mães adolescentes. Isso acaba ficando no âmbito familiar o que gera sérios problemas, pois muitas famílias não aceitam ou não sabem lidar com essa situação”.

A maioria das requisições e encaminhamentos do Conselho Tutelar é dirigida às áreas da saúde, educação e assistência social. Em função dos cortes orçamentários, muitos desses encaminhamentos estão ficando sem resposta por parte do poder público municipal. Segundo Aline Bettio, as próprias reuniões da rede de proteção – que reúne órgãos das áreas da Saúde, Assistência Social, Educação e Habitação – estão suspensas pela falta de recursos. A última reunião ocorreu em agosto. “Há um processo de desmonte em curso. Além da falta de recursos, parcerias foram desfeitas e vários profissionais foram afastados. Temos uma função de garantidores de direito e de requisitores de serviços públicos. Os serviços de assistência social de Porto Alegre estão desaparecendo. É um alerta vermelho que estamos dando”, diz ainda a conselheira.

Maria Lucia Sant’Anna: “Está tudo parado. O que o Conselho Tutelar pode fazer? (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

Esse processo de desmonte vem provocando o aumento da procura pelo Conselho Tutelar. Em 2016, a microrregião 8 recebeu 524 denúncias. Em 2017, até o dia 10 de novembro, já foram recebidas 1.084 denúncias. “Se a pessoa chega num CRAS e não encontra o serviço que procura, vai bater na porta do Conselho Tutelar, quando deveríamos ser a última porta a ser procurada”, diz a conselheira Rosi Bilhalva.

“Está tudo parado”, emenda Maria Lucia Sant’Anna. “O que o Conselho Tutelar pode fazer? Representar judicialmente? Mas como é que nós vamos representar a Assistência Social?” – questiona. “Nós podemos até judicializar, mas é preciso vontade política para mudar esse quadro, o que não está existindo hoje”, diz Aline Bettio, que aponta o crescimento de grandes problemas no centro da cidade que tendem a se agravar nos próximos meses.

Exploração infantil

Um deles é a exploração do trabalho infantil. O Conselho Tutelar tem mapeados pontos na região central para onde vão famílias inteiras, com todas as crianças, para ganhar sapatos, roupas e cestas básicas, principalmente agora que se aproxima o período de Natal e final de ano. Essas famílias vivem em Porto Alegre e em outras cidades da Região Metropolitana. As ruas Padre Chagas, no Moinhos de Vento, Lima e Silva, na Cidade Baixa, e Fernandes Vieira, no Bom Fim, são exemplos desses pontos. As sinaleiras e os grandes supermercados também funcionam como núcleos de atração para essas famílias. As crianças vendem panos de prato, doces, empurram carrinhos, cuidam de carros e seguram sacolas para idosos, entre outras atividades.

A exploração do trabalho infantil é uma das portas para a exploração sexual.

Atrás desse tipo de atividade, adverte Aline Bettio, pode ocorrer exploração sexual e outros tipos de violação. “A exploração do trabalho infantil é uma das portas para a exploração sexual. No ano passado, tivemos um caso de um menino de 9 anos de idade que foi abordado por um pedófilo na frente de um supermercado e acabou sendo violentado. O menino foi encontrado por policiais mais tarde, perdido na zona sul. A Brigada Militar recebeu um telefonema dizendo que havia uma criança sozinha chorando em uma parada de ônibus”, conta a conselheira.

Segundo ela, há verdadeiras máfias agindo na região central, aliciando crianças e adolescentes. Além disso, acrescenta a conselheira Gisele Aberbuj, há também a prática de “alugar” crianças, junto a vizinhos, para ajudar na venda de balas, panos de prato e outros produtos. As quatro conselheiras concordam que é visível o aumento da presença de crianças em sinaleiras e em outros locais. E preveem que essa situação vai se agravar no final do ano. O Conselho Tutelar já informou o Ministério Público sobre essa situação e pediu providências. “Estamos fazendo o nosso papel, mas temos visto poucos movimentos políticos para enfrentar essa realidade. Hoje, temos apenas uma assistente social para atender toda a região Centro. Não tem como”, diz Aline Bettio.

Veja aqui os endereços e contatos das dez microrregiões do Conselho Tutelar em Porto Alegre.

Galeria de fotos

Foto: Guilherme Santos/Sul21
Reuniões da rede de proteção – que reúne órgãos das áreas da Saúde, Assistência Social, Educação e Habitação – estão suspensas por falta de recursos. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)
Com alugueis atrasados há quase três meses, proprietário colocou prédio onde funciona a microrregião 8 à venda. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)
Foto: Guilherme Santos/Sul21
Foto: Guilherme Santos/Sul21
Foto: Guilherme Santos/Sul21

 


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