Cidades|z_Areazero
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23 de agosto de 2017
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12:31

Novo endereço da Usina das Artes, escolhido pela prefeitura, deixa cooperativa sem espaço

Por
Sul 21
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Trabalhadores da Coopersocial ajudam a montar e etiquetar embalagens | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Fernanda Canofre

O novo endereço escolhido pela Secretaria Municipal de Cultura, de Porto Alegre, para abrigar os grupos de teatro e dança da Usina das Artes, enquanto o prédio do Gasômetro é reformado, criou um impasse com outro grupo. O prédio localizado aos fundos da Vila Planetário, no bairro Santana, serve de casa há 22 anos para a Coopersocial – uma cooperativa de pessoas com deficiências. Nesta terça-feira (22), quando os cooperados chegaram para trabalhar no local, encontraram parte de seus materiais colocados em outro espaço, grafites com o nome “Usina das Artes” e a placa que exibia o nome da instituição coberta de tinta preta.

O acordo inicial entre a cooperativa e o coordenador de artes cênicas da SMC, Fernando Zugno, seria de que a Coopersocial abriria espaço nas salas maiores para os dez grupos de teatro e dança da Usina do Gasômetro. Das cinco salas grandes do prédio, a Coopersocial afirma ter liberado quatro e mantido uma. Nenhuma das demais instalações conseguiria comportar o número de trabalhadores e materiais com os quais a cooperativa trabalha, segundo eles.

Há uma semana, quando a prefeitura foi acionada pelo Ministério Público para encontrar um novo espaço para a Banda Municipal dentro de 20 dias, a Secretaria de Cultura voltou a pedir mais espaço para a Coopersocial. Segundo trabalhadores, a SMC teriam dado à cooperativa um prazo de 20 dias para encontrar um novo espaço e retirar seus materiais.

A presidente da Coopersocial, Sônia Rollsing dos Reis | Foto: Guilherme Santos/Sul21

“A princípio a gente ia compartilhar o espaço. Todas as salas que a Secretaria pediu para desocupar, a gente desocupou. Todo o andar de cima, salas da parte de baixo, e negociávamos o uso comum do refeitório, que ainda não estava acertado”, conta Sônia Rollsing dos Reis, presidente e voluntária da cooperativa há 4 anos.

Sônia é mãe de uma das trabalhadoras da Coopersocial. A filha de 32 anos, que tem Síndrome de Down, passou por dificuldades para encontrar um trabalho ou ocupação depois que concluiu a escola. Há 10 anos, elas conheceram a cooperativa e ficaram.

A Coopersocial surgiu dessa mesma dificuldade encontrada pela filha de Sônia. Em 1995, um grupo de pais e familiares de pessoas com deficiência, resolveram criar um espaço de capacitação onde seus filhos pudessem estar “entre iguais”, sem as dificuldades de adaptação do mercado de trabalho. Durante duas décadas, a Coopersocial funcionou no edifício do bairro Santana que é de propriedade da Prefeitura Municipal de Porto Alegre, juntamente com a Faders ( Fundação de Articulação e Desenvolvimento de Políticas Públicas para Pessoas Portadoras de Deficiência e de Altas Habilidades no Rio Grande do Sul.). Há dois anos, no entanto, a fundação estadual saiu do local e devolveu o prédio ao município. A Coopersocial teve autorização para seguir.

A cooperativa emprega, atualmente, 85 pessoas com deficiência, com idades de 26 a 70 anos, em trabalhos como produção de kits para empresas, embalagem de produtos e produção de fraldas. O trabalho garante aos cooperados acesso a um benefício especial e o lucro da venda dos produtos é dividido entre todos. A lista de espera, de pessoas querendo ingressar no grupo, possui 32 nomes.

No prédio que sempre foi seu endereço, a cooperativa agora usa três salas para os trabalhos e uma para a secretaria. Na sala maior, a única no prédio principal, que estaria sendo requisitada agora pela SMC, cerca de 40 pessoas trabalham fazendo embalagens, dividindo espaço com cerca de 250 caixas de materiais. Uma logística que seria difícil de acomodar em outro espaço.

Sala grande, onde a cooperativa guarda materiais e produtos, que virou motivo de disputa | Foto: Guilherme Santos/Sul21

“Nossa preocupação maior é que [os grupos] são passageiros. Quando ficar pronta a obra na Usina do Gasômetro, eles vão voltar para lá. E nós, que estamos aqui há tanto tempo, como vamos ficar? A gente vai ter que fazer nossos alunos reaprender a ir e vir, para outro espaço, que a gente nem sabe qual é”, questiona Ângela Godinho, coordenadora pedagógica da cooperativa.

Segundo ela, a prefeitura chegou a sugerir que a cooperativa se mudasse para um prédio público no bairro Navegantes. “Para nós seria muito difícil, porque nossos cooperados, boa parte vêm da zona sul, zona leste, de Viamão, Guaíba”, diz Ângela.

Coordenador diz que espaços serão discutidos

O coordenador de artes cênicas da Secretaria de Cultura, Fernando Zugno, afirma que a divisão dos espaços entre os grupos e a cooperativa ainda não está definida. “É tudo muito incipiente. Eles estão se defendendo de algo, antes de a Banda ir para o prédio”, afirmou ao Sul21. “Tudo ainda está em negociação, inclusive com a cooperativa. Se eles não conseguem ver outras possibilidades, teremos que discutir. Para mim, tudo está sendo feito de maneira muito leve e tranquila”.

Zugno garante que a intenção da coordenadoria e da SMC nunca foi tirar a Coopersocial do local. A ideia seria acomodar ela junto aos grupos da cultura, já que “todos desenvolvem um trabalho social muito bonito”. A secretaria teria buscado outros espaços da prefeitura para abrigar os grupos da Usina, mas os prédios estavam ou ocupados ou em “péssimo estado”, precisando de reformas.

Ele diz ainda que o plano é transformar o edifício na Rua Santa Terezinha em um Centro Cultural. Assim, mesmo quando a reforma na Usina do Gasômetro estiver concluída, o prédio seguiria sendo destinado a grupos da cultura. Por enquanto, Zugno vê como única solução que todos – a cooperativa, a Usina das Artes e Banda Municipal – “se apertem” no espaço disponível.

Integrante do Usina das Artes, Alexandre Dill, do Grupojogo, conta que os grupos foram informados pela coordenadoria que poderiam usar todas as salas do prédio principal. Assim, no final de semana, organizaram um mutirão de limpeza do prédio e decoraram com a sua marca. A pintura que cobriu o nome da cooperativa também teria sido autorizada para abrir espaço para o nome da Usina.

“[O coordenador] permitiu/cedeu que a Cooperativa ainda ficasse numa sala, porque ainda os espaços precisavam ser desocupados. O que faz com que um grupo [da Usina] ainda esteja sem sala”, diz Dill, se referindo a sala onde a cooperativa guarda a maior parte de seu material de trabalho e onde os trabalhadores montam embalagens e pacotes. O Sul21 o contatou através da página da própria Usina no Facebook. Ele reconhece que o espaço pode não ser suficiente para todo mundo.“Não sei como a Banda Municipal, a Cooperativa e o Usina das Artes vão habitar o mesmo espaço”.

Placa com o nome “Coopersocial” foi pintada de preto, sem que o grupo fosse informado | Foto: Guilherme Santos/Sul21
Foto de cooperados e voluntários em frente à placa está exposta em uma das salas do prédio | Foto: Guilherme Santos/Sul21
Material retirado de uma das salas não tem lugar para ser guardado, segundo a coordenadora Ângela | Foto: Guilherme Santos/Sul21
Grupo Usina das Artes diz que a coordenadoria estava ciente das mudanças feitas no local | Foto: Guilherme Santos/Sul21

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