Cidades|z_Areazero
|
23 de julho de 2017
|
12:20

‘Quem não tem endereço não existe’: declaração de residência deve auxiliar moradores de ocupação

Por
Sul 21
sul21@sul21.com.br
‘Quem não tem endereço não existe’: declaração de residência deve auxiliar moradores de ocupação
‘Quem não tem endereço não existe’: declaração de residência deve auxiliar moradores de ocupação
Moradores da Ocupação Campo Grande, em noite de reintegração de posse. Foto: Sofia Cortese/ Mídia Ninja

Giovana Fleck

Há cerca de um mês, Maria Cristina Borges da Costa precisou de atendimento médico. Saiu de sua casa, com dificuldade, e foi até o posto de saúde mais próximo. Ao chegar, relatou suas dores ao enfermeiro. Ele pediu que Cristina aguardasse enquanto analisaria seus documentos: identidade e comprovante de residência. A identidade foi entregue prontamente. O comprovante de residência não existe.

Cristina construiu sua casa no bairro Rubem Berta, em um terreno de mais de 7 hectares, na comunidade chamada Campo Grande Resiste. O dia 19 de julho marcou o aniversário de um ano da luta dos moradores que ocuparam o terreno – cuja posse é atrubuída à Prefeitura. Marcou, também, a luta pessoal de Cristina que junto com os filhos e netos migrou entre três comunidades nos últimos três anos. “Já passou da hora da gente criar raízes e ficar num lugar só”, ela afirma.  A ocupação foi estabelecida em 2014. Porém, em julho de 2016, a Justiça expediu reintegração de posse que obrigou os 300 moradores a se mudarem novamente.

Desde setembro de 2016, 49 famílias residem em terreno próximo à ocupação original, a Campo Grande Resiste (CGR). Não há rede de saneamento básico ou suporte elétrico providos pelo município. Logo, não existem contas de água, luz ou telefone. Os moradores simplesmente não têm comprovantes de residência.

O que restou da Ocupação foi destruído pelo fogo na noite da reintegração de posse. Foto: Sofia Cortese/ Mídia Ninja

“Quando tu precisa acessar um serviço, seja público ou privado, geralmente tu tem que comprovar quem tu é e onde tu mora”, afirma Juliano Fripp, um dos coordenadores do Conselho Regional pela Moradia Popular (CRMP). O Conselho representa 18 ocupações em Porto Alegre. Fripp explica que, fora a luta pela permanência no local ocupado, a principal demanda da Campo Grande Resiste era o comprovante de residência para garantir acesso à saúde, educação e aos programas federais como o Bolsa Família. “Como não é de interesse da Prefeitura garantir a área para essa comunidade, começamos a articular um projeto com a Defensoria Pública”, afirma o coordenador.

Assim, o Núcleo de Defesa da Moradia da Defensoria Pública do Estado, coordenado pela defensora Luciana Artus Schneider, estruturou em parceria com o Conselho um projeto-piloto que concederá declarações de residência para os moradores da CGR.  Segundo Luciana, as demandas da Campo Grande Resiste são diferentes das demais ocupações urbanas.

Desde 2003, o Governo Federal subsidia a instalação e manutenção de redes elétricas para conectar famílias de baixa renda, especialmente no meio rural. Dentro da lógica das grandes cidades, diversos ocupantes já foram beneficiados. O fato de a Campo Grande Resiste ter se estabelecido recentemente, porém, não garantiu acesso ao programa. “Acompanhamos a CGR desde sua primeira formação e vimos isso como uma reivindicação necessária que pode beneficiar outras comunidades”, explica a defensora ao afirmar que a ideia central do projeto-piloto é aprimorar seu funcionamento para ser implementado em outras ocupações em Porto Alegre.

Uma das lideranças da Ocupação, Marlo Leal Teixeira afirma que a iniciativa afirmará a existência dos moradores na sociedade. “Não ter um endereço é como não existir”. Ele enumera os serviços com os quais muitos moradores da Campo Grande deixaram de contar: saúde, educação, contas em bancos, benefícios sociais e, basicamente, tudo que requer comprovação por meio de uma conta de luz, água ou telefone. “Essas dificuldades atingem todos os aspectos da vida do cidadão. E não existe um morador da CGR que não tenha sido prejudicado por não poder provar onde mora”, diz Marlo.

Luciana conta que a região onde a Ocupação está estabelecida foi protocolada como Área Especial de Interesse Social (Aeis). No fim de 2014, a Câmara de Vereadores aprovou projeto que declarou 14 ocupações da Capital como Aeis, para serem destinadas à moradia popular. Após ter veto derrubado pelos vereadores, o prefeito José Fortunati entrou na Justiça com ação direta de inconstitucionalidade e, em abril de 2015, obteve liminar suspendendo a lei. O mérito aguarda julgamento pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado. “A luta, no final, sempre vai ser pela permanência dessas pessoas”, lembra Fripp.

 


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora