Cidades|z_Areazero
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16 de maio de 2017
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19:04

Com prazo prestes a vencer, ocupação Mirabal se prepara para resistir a reintegração de posse

Por
Luís Gomes
luisgomes@sul21.com.br
Ocupação Mulheres Mirabal é localizada na Duque de Caxias, no Centro de Porto Alegre | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Luís Eduardo Gomes

Desde novembro passado, Porto Alegre tem uma casa voltada a receber mulheres vítimas de violência ou em situação de vulnerabilidade, a Ocupação Mulheres Mirabal. Apesar de se tratar de uma ocupação, a Mirabal vem sendo legitimada como um porto seguro para vítimas de violência pelo próprio poder público, uma vez que tem sido o destino de encaminhamentos de mulheres que procuram a Delegacia da Mulher para denunciar abusos e também de serviços de assistência social da cidade. No entanto, em razão de uma disputa judicial com os proprietários do prédio, a Congregação dos Irmãos Salesianos, corre o risco de ser desocupada até o final desta semana. O movimento, porém, ainda busca na Justiça que seja determinada a mediação da disputa pelo poder público e que, ao menos, se encontre um lugar alternativo onde possa ser realizado esse acolhimento.

“Já teve casos de ligarem para gente porque a alternativa era levar a vítima ou para um albergue, que não tem capacidade de acolher mulheres em situação de violência, ou para cá. Já vieram com um carro da Brigada para cá. A ocupação já foi legitimada na prática. É muito contraditório para um poder público que nos encaminha não ingressar efetivamente no processo, porque é isso que a gente tem solicitado”, diz Priscila Voigt, coordenadora do Movimento de Mulheres Olga Benário, que organiza a ocupação.

Priscila conta que o prédio, onde antigamente funcionava o Lar Dom Bosco, dedicado a atender meninos em situação de vulnerabilidade social, se encontrava desocupado há pelo menos quatro anos. “Desde o primeiro dia, já ocupamos com mulheres em situação de vulnerabilidade, que tinham sido despejadas, que estavam em locais com risco de tráfico, com assassinatos de porta de casa, que não tem um espaço seguro para estarem”, diz.

Priscila (esq.) e Maria Dione dizem que as mulheres procuram uma solução negociada | Foto: Maia Rubim/Sul21

Segundo ela, na segunda-feira seguinte à ocupação (realizada na madrugada de sexta-feira, 25 de novembro), o movimento chegou a se reunir com representantes jurídicos da congregação, que nega que o prédio estivesse abandonado, e acordaram buscar uma solução negociada. No entanto, no dia seguinte, os advogados entraram com uma ação de reintegração de posse.

Inicialmente, os Salesianos ganharam a questão em primeira instância, mas a reintegração foi suspensa pelo Tribunal de Justiça, que determinou que fosse realizada uma mediação. No entanto, em 15 de março, três desembargadores da 20ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul votaram por unanimidade a favor da reintegração de posse e deram prazo de 30 dias para que o prédio fosse desocupado, o qual, em razão da demora de mais de um mês para publicação em Diário Oficial, vence neste sábado (30).

Até o momento, a Mirabal não recebeu nenhum mandado oficial ordenando a reintegração de posse nem quaisquer informações de que a Brigada Militar irá realizar uma operação nesse sentido nos próximos dias. Mas, apesar de ainda aguardar o julgamento de recursos pelo TJ nesta quarta-feira (16), as representantes da Mirabal dizem que, diante do encerramento do prazo e do histórico das disputas do tipo em Porto Alegre, estão em alerta para a possibilidade de isso ocorrer nos próximos dias.

Priscila pede que a Justiça dê mais prazo para a Mirabal antes da reintegração de posse | Foto: Maia Rubim/Sul21

“A gente já está em alerta praticamente 24 horas”, diz Maria Dione Morais, moradora da ocupação. “A gente não tem muita ilusão de que a Brigada vai agir de outra forma que não a qual age em uma desocupação de terra porque são mulheres aqui dentro”, diz Priscila. “Na vila eles passam por cima e quebram tudo, sabendo que tem criança, mulheres, sem respeito nenhum”, complementa Dione.

Priscila diz que representantes da Mirabal têm procurado uma solução negociada e que estariam abertas a mudar para outro local, mas afirma que não há possibilidade de simplesmente desocupar o prédio e “devolver as mulheres para os agressores”. “Os Salesianos tentam colocar que a gente não está disposta a negociar, que vamos resistir, mas daqui para a rua não é possível encaminhar essas mulheres. Hoje, o Estado não teria nenhum lugar para encaminhar as mulheres que estão aqui”, diz Priscila.

Segundo ela, já foram realizadas reuniões com a secretária municipal do Desenvolvimento Social, Maria de Fátima Záchia Paludo, e com a diretora de Política para as Mulheres da Secretaria da Justiça e dos Direitos Humanos do Estado, Salma Farias Valencio, que teriam se mostrado favoráveis a encontrara uma solução para a ocupação, mas até o momento estas conversas não geraram encaminhamentos práticos. Em razão disso, pede que o prazo seja estendido para que o movimento possa sentar com os representantes dos Salesianos para arranjar uma solução mediada. “A gente não conseguiu sentar com o padre responsável que, no final de contas, vai dizer sim ou não”, diz Priscila.

Maria Dione diz que não há alternativa no momento para as moradoras da ocupação | Foto: Maia Rubim/Sul21

Maria Dione diz que se mudou para a Mirabal por sugestão da sua irmã, que já tinha sido acolhida anteriormente. Cuidadora de idosos, ela conta que não tinha condições de continuar pagando aluguel e que até tentara morar em uma ocupação de terra no bairro Rubem Berta, mas que desistira porque o local tinha se tornado muito violento para ela e os filhos menores de idade. Três meses depois, ela diz que, além de moradora, já se considera uma ativista e que trabalha para que mulheres em situação de risco possam ter um espaço seguro onde possam reorganizar suas vidas e buscar algum encaminhamento. Um dos trabalhos realizados pela Mirabal, através das redes sociais, é ser uma espécie de central de busca de empregos e oferta de mão de obra para suas moradoras.

Segundo ela, caso não haja uma decisão judicial que estenda a permanência da Mirabal, a ideia das moradores é permanecer no local, uma vez que não há outra alternativa. “A gente vai tentar resistir até quando foi possível. Até o dia que alguém chegar e dizer: ‘temos um lugar para vocês’. Do contrário, aqui estamos e aqui vamos ficar. A gente precisa daqui”, diz.

“O poder público tem que estar ciente da decisão que está tomando, porque é uma decisão de agredir mais uma vez mulheres que são vítimas de violência. Já foram, encontram um espaço de acolhida seguro e não vão só ser agredidas por uma eventual ação da Brigada, mas serão devolvidas para o agressor. Porque hoje o município de Porto Alegre não tem onde colocar essas mulheres. Se estivesse, não estaria nos encaminhando”, diz Priscila. “É um negócio muito sério porque está lidando com vidas de mulheres que são negligenciadas o tempo todo”.


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