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13 de abril de 2017
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11:14

Sem chamar concursados da Guarda Municipal, Prefeitura tem contratos milionários com terceirizadas

Por
Luís Gomes
luisgomes@sul21.com.br
290 pessoas aguardam chamamento para ingressarem na Guarda Municipal | Foto: Guilherme Santos/Sul21)

Luís Eduardo Gomes

Ao longo dos últimos anos, a Prefeitura de Porto Alegre vem deixando de chamar concursados e contratando empresas terceirizadas que prestam o mesmo serviço previsto em editais de realização de concursos públicos. Aprovados para a Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc) denunciaram essa situação na Comissão de Defesa do Consumidor, Direitos Humanos e Segurança Urbana (Cedencondh), nesta terça-feira (11). Da mesma forma, aprovados para a Guarda Municipal em 2016 alegam que a Prefeitura renovou – ainda na gestão de José Fortunati (PDT), mas já após a homologação de concurso – contratos com empresas de vigilância armada terceirizadas. Eles cobram agora, do prefeito Nelson Marchezan Jr. (PSDB), uma previsão de quando serão convocados, mas, até o momento, não receberam nenhuma sinalização de quando isso poderá ocorrer.

Carlos César dos Santos Monteiro, um dos representante da Comissão de Aprovados no último concurso para Guarda Municipal, explica que os aprovados têm se mobilizado para buscar a convocação e pleiteado apoio de vereadores e do Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa). Porém, com a sinalização da atual gestão de que a Prefeitura não deve os convocar tão cedo, eles estudam entrar na Justiça para exigir o chamamento.

O último concurso para a Guarda Municipal foi realizado no final de 2015, com o resultado homologado em 17 de junho de 2016, sendo 290 pessoas aprovadas. Carlos diz, porém, que muitos dos aprovados já desistiram da vaga e/ou realizaram concurso para outras áreas.

Primeira página do contrato renovado entre Prefeitura e Seltec em 2016 | Foto: Reprodução

Contrato milionário na saúde 

Um dos argumentos defendidos pelos concursados é o fato de empresas terceirizadas, desde a gestão passada, estarem sendo contratadas e tendo contratos renovados para realizar o trabalho que, segundo eles, seria de responsabilidade exclusiva da Guarda Municipal, que é a proteção dos próprios municipais.

Para os concursados, o caso mais emblemático é um contrato que a Prefeitura mantém com a empresa Seltec Vigilância Especializada para a contratação de vigilância armada de unidades de saúde da Capital. A renovação do contrato foi publicada no Diário Oficial em 21 de setembro de 2016, prevendo o pagamento de R$ 7.519.102,45 por 12 meses – a vencer em 17 de junho deste ano.

Este contrato foi originalmente firmado com a Seltec, após realização de pregão eletrônico, em meados de 2013 – a publicação no Diário Oficial do município ocorreu em 9 de julho daquele ano -, com o objetivo de prover o serviço de vigilância armada para 87 postos da SMS, com o valor de R$ 5.507.363,00. Desde lá, já foi renovado três vezes, incluindo a última, em 2016, e recebeu outros dois aditivos.

A relação da Prefeitura com a Seltec para a vigilância de unidades de saúde é anterior ainda. O primeiro contrato entre as partes foi publicado no DOPA em 20 de abril de 2012, versando sobre a contratação emergencial por no máximo 180 dias, por dispensa de licitação, em dois postos do rede de saúde, HPS, HMIPV, PAS e CGVS, com o valor de R$ 1.962.611,58. Esse contrato emergencial foi renovado mais duas vezes, sendo a última publicada no DOPA em 5 de abril de 2013, já nos atuais moldes da contratação de vigilância armada para 85 postos de trabalho em unidades de saúde da Capital, mais ainda por 18 meses, com o valor de R$ 2.756.286,20.

Outro contrato que os concursados indicam que substitui as funções da Guarda Municipal foi firmado originalmente com a empresa Star Service Vigilância ao final de 2014 – publicado no DOPA em 2 de janeiro de 2015 – e renovado pela última vez, por 12 meses, em 30 de dezembro de 2016, com valor de R$ 1.382.713,00.

Para Carlos, esses contratos não poderiam ser renovados porque há efetivo da Guarda Municipal para ser chamado. “Legalmente, só poderiam ser usados em caráter emergencial”, diz. Os concursados baseiam esta alegação em uma nota técnica redigida pelo Simpa.

Para o Simpa, a Prefeitura comete ilegalidade ao manter contratos com empresas terceirizadas enquanto há pessoas aprovadas em concurso lançado para exercer as mesmas funções, o que seria o caso da Guarda Municipal. Em nota técnica sobre a nomeação de candidatos aprovados em concurso, o jurídico do sindicato cita uma jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que entende que: “A ocupação precária, por comissão, terceirização, ou contratação temporária, para o exercício das mesmas atribuições do cargo para o qual promovera o concurso público, configura ato administrativo eivado de desvio de finalidade, caracterizando verdadeira burla à exigência”; e “a aprovação em concurso público, fora da quantidade de vagas, não gera direito à nomeação, mas apenas expectativa de direito. Essa expectativa, no entanto, convola-se em direito subjetivo, a partir do momento em que, dentro do prazo de validade do concurso, há contratação de pessoal, de forma precária, para o preenchimento de vagas existentes, em flagrante preterição àqueles que, aprovados em concurso ainda válido, estariam aptos a ocupar o mesmo cargo ou função”.

Aprovados em concurso cobraram, na semana passada, chamamento em reunião da Cedecondh da Câmara | Foto: Guilherme Santos/Sul21

A nota técnica do Simpa ainda pondera que a contratação de terceirizadas é mais custosa aos cofres públicos do que seria a convocação dos servidores. A remuneração inicial prevista no edital do concurso público para a guarda era de R$ 1.625. “Analisando um dos contratos de prestação de serviço de vigilância armada, como o celebrado entre a Secretaria Municipal de Indústria e Comércio e a Empresa Líder Vigilância LTDA., percebe-se que o valor de cada posto é imensamente superior ao da remuneração de um Guarda Municipal. Conforme disposto no anexo ‘Resumo das Planilhas de Mão de Obra com Uniforme’, o valor do posto de vigilante armado diurno é de R$ 4.369,63 (quatro mil, trezentos e sessenta e nove reais e sessenta e três centavos), enquanto o posto de vigilante armado noturno é de R$ 5.807,54 (cinco mil, oitocentos e sete reais e cinquenta e quatro centavos)”, diz a nota.

Diretor do Simpa, Alberto Terres pondera que, em algumas unidades de saúde, como o Pronto Atendimento da Cruzeiro do Sul, há uma empresa terceirizada que presta o serviço de guarda armada. “No entanto, essa guarda armada acaba ficando num papel secundário, porque é a Guarda Municipal que faz a segurança”, diz. “Não faz sentido ter, em um mesma unidade, as duas forças, a GM e a terceirizada. O dinheiro gasto com a terceirizada poderia ser usado para a contratação dos concursados e para fazer investimentos”.

A comissão de aprovados também questiona o fato de que, no início de 2016, a Prefeitura lançou, através da Central de Licitações (Celic), um edital para a contratação de espaço para a realização de cursos de formação e treinamento que previam, entre outras coisas, a capacitação para uso da arma de fogo por quatro turmas de aprovados em concurso, o que acabou nunca sendo realizado.

Gestão Marchezan

Procurada pela reportagem, a Secretaria Municipal de Saúde da atual gestão informou que o contrato com a Seltec diz respeito a 67 pessoas contratadas para fazer a vigilância de 27 serviços, como unidades de saúde, centros de saúde, unidades de pronto atendimento, farmácias distritais e Equipe de Materiais (EMAT). A pasta informa que a Guarda Municipal faz rondas no local e, quando necessário, é acionada por meio de alarme instalado nas 91 unidades de saúde pela segurança terceirizada. A SMS diz ainda que os contratos de segurança foram revisados e “estão sendo melhor dimensionados de acordo com a vulnerabilidade dos locais de atendimento”.

De acordo com o Portal da Transparência de Porto Alegre, o Orçamento de 2017 prevê que a Secretaria Municipal de Segurança irá gastar R$ 38,811 milhões com pessoal e encargos sociais, sendo R$ 28,778 milhões com vencimentos e vantagens fixas. Segundo o portal, há 632 cargos criados para a Guarda Municipal na administração direta, mas apenas 482 estariam providos. Outros 150 estão vagos. Ainda há 35 cargos para guardas de parques, sendo que 19 estão providos e 16 vagos. Já na administração indireta, há 50 cargos no Demhab (12 vagos), 170 no DMAE (70 vagos), 50 no DMLU (35 vagos).

Secretário de segurança do município, Kleber Senisse | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Em reunião da Comissão de Defesa do Consumidor, Direitos Humanos e Segurança Urbana (Cedecondh) realizada no dia 4 de abril, o secretário municipal de Segurança, coronel da reserva da Brigada Militar Kleber Senisse, afirmou que a atual gestão está unificando a Guarda, não fazendo mais distinção entre trabalhadores da administração direta e indireta.

Sobre o chamamento dos aprovados em concurso, Senisse pondera que, em 2017, está sendo feita a reestruturação da gestão da corporação e que, a partir disso, será avaliado se existe a necessidade ou não de convocação de mais agentes. “A condição de aumentarmos o efetivo da Guarda depende de um processo de gestão que nós estamos fazendo justamente neste momento onde estamos integrando as quatro guardas existentes em Porto Alegre. Então, no momento que nós integramos essas guardas, quando elas estiverem todas sendo capacitadas, como uma gestão única e uma operação, nós vamos estabelecer as metas para aumento de efetivo, se for o caso de nós fazermos”, afirma.

Senisse diz que os contratos de terceirização de vigilância dizem respeito a cada secretaria, como no caso da SMS, e que o papel da sua pasta, por não ter ingerência sobre eles, é trabalhar para que o serviço seja prestado com excelência. Por outro lado, diz que há algumas alternativas que estão sendo estudadas que não são nem a contratação de terceirizadas, nem o aumento de efetivo da GM, como a contratação mediante ao pagamento de um bônus pela Prefeitura para brigadianos inativos atuarem na vigilância ou de servidores dispensados do Exército após prestarem oito anos de serviço. “Estamos verificando efetivos que existem, já com treinamento em segurança e que vão ser bem menos onerosos para a Prefeitura”, afirma.

Senisse diz ainda que a atual gestão está trabalhando com uma visão para utilização da Guarda que seja menos patrimonial e mais integrada com as demais forças de segurança municipais, estaduais e federais. “Sua missão operacional continua, desde a segurança institucional, até mesmo a participação em segurança pública, em apoio integrado com EPTC, BM e Civil”, diz.

Já o prefeito Nelson Marchezan Jr. afirma que todos as licitações e 80% dos contratos em andamento estão sendo revisados, o que deve incluir o contrato com a Seltec. Questionado se a atual gestão pretende recolocar a guarda na vigilância de postos de saúde após o término do contrato atual, o prefeito afirmou: “Aí fica uma questão de tese operacional. Onde é melhor ter a guarda? Na rua, numa atividade e manter a portaria com alguma contratada? Isso vai depender muito da condição financeira e do que é melhor para a segurança pública do local, dos postos de saúde, e também do ambiente ao redor. Não tenho uma posição definida. Em tese, a portaria não deveria ficar como regra com a Guarda Municipal”, disse.

Após participar da reunião da Cedecondh que ouviu o secretário Senisse, Carlos, da comissão de aprovados no concurso, reconheceu que a expectativa de convocação em 2017 é reduzida. Os concursados também têm a preocupação de que o prefeito Marchezan opte pelas alternativas “mais baratas” do que pelo chamamento. “Pelo que a gente percebe, ele pode até querer extinguir a Guarda. O Marchezan está muito confiante no videomonitoramento, está delegando o poder do município para outras instituições. Ele quer chamar brigadianos aposentados e colocar esse pessoal nas escolas municipais”, avalia.

Alberto Terres, do Simpa, diz ainda que a terceirização dos serviços vêm ocorrendo em diversos setores da Prefeitura, também na saúde, na assistência social e na educação, nas creches conveniadas. “Nós, enquanto sindicato, somos contrários à terceirização porque entendemos que as políticas públicas são um direito do cidadão e não podem ser transformados em uma situação meramente econômica”, afirma.

 

 


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