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14 de abril de 2017
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11:26

Enquanto concursados aguardam, Fasc mantém convênio sem contrato com Maristas

Por
Sul 21
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Usuários esperam por distribuição de senhas para atendimento na Fasc, em outubro de 2016 | Foto: Maia Rubim/Sul21

Fernanda Canofre

Concursados e trabalhadores sociais ligados à Fundação de Assistência Social (Fasc) saíram sem muitas respostas da nova presidência da entidade, em audiência convocada pela Comissão de Defesa do Consumidor, Direitos Humanos e Segurança Urbana (Cedencondh), da Câmara de Vereadores, na última terça-feira (11). O presidente Solimar Amaro não falou qual a data prevista para o chamamento dos aprovados em concursos para a entidade, nem soube responder questões orçamentárias ligadas ao programa de demissões voluntárias (PDV), aprovado na Câmara, que garantiria caixa para a contratação de concursados na instituição.

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Os concursados e servidores insistiram diversas vezes na pauta dos aditamentos, que prolongam a colaboração entre Fasc e terceirizadas até dezembro, adiando o preenchimento de vagas criadas pela Lei de Reordenação das Nomeações, em 2014, na Câmara. Porém, uma questão específica levantada diversas vezes pelo coletivo “Nomeações, já”, sem posicionamento direto de Amaro e da diretora técnica, Vera Ponzio, dizia respeito ao único convênio que não foi aditado no início do ano: os dois convênios da Fasc com a Sociedade Meridional de Educação (Some), ligada à Congregação dos Irmãos Maristas.

A Some presta hoje serviços em 22 Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), em 17 regiões de Porto Alegre, com um programa de “atendimento especializado à família e ao indivíduo” prestado por 110 funcionários. Os convênios dela com a Fasc, que vem sendo renovados desde 2010, venceram em fevereiro deste ano. Segundo a lei municipal, depois de cinco anos de contrato, a Prefeitura só pode renovar a colaboração por mais um ano. No entanto, a gestão de José Fortunati (PDT) renovou o convênio com a Some mais duas vezes. Assim, legalmente, não existe possibilidade de se aditar o contrato atual. A Fasc também não pode abrir edital de licitação para o serviço prestado pela terceirizada, porque são as mesmas funções que os concursados que esperam chamada irão assumir.

A solução encontrada pela presidência da Fasc foi seguir com os serviços da Some até fazer o chamamento dos concursados. Ou seja, a colaboração entre ambas segue sem nenhuma assinatura ou contrato legal em vigência. Procurada pela reportagem, a assessoria da Fasc diz que a Fundação realizou pagamento de “duas parcelas referentes ao exercício de 2017” à Some. Outros meses que a sociedade seguiu prestando serviços já fora do convênio – março e abril – seriam acertados como indenização, mais tarde. “O mês de março não foi pago”, afirmou a assessoria.

Porém, o Sul21 teve acesso a despachos da Fundação que indicam o contrário. Neles, a Fasc solicita “PL para elaboração do pré-empenho no sistema SDO e encaminhamento do pagamento” referente aos meses de fevereiro/2017 para aplicação em março/2017 e março/2017 para aplicação em abril/2017. Um dos pagamentos, relativo ao convênio 034, seria de R$ 150.429,61; enquanto o segundo, do convênio 024, seria R$ 321.309,06.

“Se eles tivessem saído no dia 27 de fevereiro, até o momento, nós teríamos o caos instalado na cidade de Porto Alegre, sem o contrato deles. Isso não aconteceu como um má gestão por parte da atual gestão”, afirma o chefe de gabinete da presidência da Fasc, Oziel Alves. “Por mais que a gente saiba que tem que fazer o chamamento dos concursados, não tem como parar o serviço, não tem como tirar uma empresa de lá”.

Alves afirma que, desde que assumiu a gestão, no final de janeiro, a nova presidência está em contato com Ministério Público, Tribunal de Contas do Estado (TCE) e Procuradoria Geral do Município (PGM) para acompanhar a “transição” entre serviços contratados e a chegada dos concursados. Ele diz ter participado de três reuniões entre a Fasc e o MP, nesta quinta-feira (13), onde o “assunto foi Some do começo ao fim”. A assessoria do MP confirmou duas reuniões, mas não disse qual teria sido o conteúdo delas.

Em nota, a Some afirma que desde 2010 tinha dois contratos de trabalho com a Fasc – o Programa de Atendimento Integral à Família (Paif) e o Programa de Atendimento Especializado à Família e ao Indivíduo (Paefi) – e que os 110 profissionais ligados a eles eram “pagos com recursos repassados mensalmente à Some, pelo poder municipal”. A entidade confirma o fim do contrato em 28 de fevereiro de 2017 e diz que “continuou prestando provisoriamente as atividades previstas no convênio (inclusive no pagamento dos salários, com recursos da Instituição), por entender a relevância dos serviços prestados à comunidade”.

A nota encerra com afirmação de que “depois de negociações com o município, a Fasc comprometeu-se a fazer os devidos ressarcimentos financeiros à Some”. Questionada se esses ressarcimentos já estariam ocorrendo ou se seriam feitos posteriormente, a Some não retornou o contato.

Entrevistadores sociais são responsáveis pelo atendimento aos beneficiados pelo Cadastro Único para Programas Sociais nos 22 CRAS da cidade | Foto: Salete Teixeira/Divulgação PMPA

Fasc diz que fará chamamento, mas não define prazo

Oziel Alves afirmou repetidas vezes que “está muito claro” para a Fasc “que o chamamento tem que ser feito”. Porém, ele ainda esbarra em determinar uma data de quando isso seria feito. De acordo com o cronograma apresentado pela própria Fasc, o primeiro chamamento deveria acontecer no dia 28 de abril. Seriam chamados então seis educadores sociais e 10 técnicos. Outros dois chamamentos aconteceriam nos dias 30 de maio e 30 de junho, totalizando a convocação de 18 educadores e 32 técnicos.

Segundo ele, o presidente da Fasc “gostaria de manter” o prazo, mas, a 15 dias dele, seria “muito pouco tempo para que isso aconteça”. “Nós vamos ter que ter uma alternativa para que o serviço não pare. Ou seja, a Some continua trabalhando, mas sem contrato”, reafirmou Alves. “O ideal para nós, que chegamos agora, é fazer o chamamento seguindo o cronograma e a medida que entra X, saem X da Some. O que não se pode fazer é simplesmente ‘Some vai embora, nós vamos fazer o chamamento agora e por 60 dias a população de Porto Alegre fica desassistida’. Esse é o impasse. Há que se achar uma maneira de fazer uma transição de uma forma que seja legal”.

A partir do momento em que forem chamados, os servidores concursados teriam 45 dias de exames e testes até serem inseridos no quadro da Fasc e estarem aptos a assumir as funções. Isso significa que, se sair o chamamento no dia 28 de abril, a previsão do início dos trabalhos dos primeiros concursados seria 8 de junho. Com 86 dias de gestão, embora a Fasc avalie como “pouco tempo” para o chamamento, coletivos de concursados que esperam apontam que quanto mais a medida demorar para ser colocada em prática, mais também a situação de um convênio sem contrato se prolonga.

Os concursados questionam ainda o fato de atividades fim da Fasc estarem sendo realizadas por uma terceirizada. Situação que, enquanto a Lei das Terceirizações não entra em vigência, seria irregular. O presidente da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Amatra), no entanto, diz que, embora isso fosse verdade para “direito privado”, “a situação das entidades públicas, é muito mais nebulosa”.

“Se tem dúvidas sobre quais são as atividades que podem ter terceirização. A atividade da Fasc é da assistência social, só que ela se desenvolve com o uso de diversos profissionais que podem atuar. Isso causa uma dificuldade de classificação, o fato é que é muito comum a realização desses convênios e o próprio poder público tem reconhecido que tem certo benefício, principalmente quando ele é realizado por sociedades beneficentes”, afirma Rodrigo Trindade de Souza.

Com um concurso em vigência, porém, ele avalia como “erro” a Fasc não chamar imediatamente os concursados. “Só poderia cogitar da permanência ou a prorrogação do contrato em uma situação realmente emergencial, de necessidade de o serviço ser mantido e não ter outra outra situação de permanência do serviço sem a prorrogação do contrato”, analisa ele, explicando que a colaboração com a Some poderia seguir mesmo sem contrato, apenas pelo tempo que os concursados levariam para entrar no quadro. “É uma questão até de moralidade administrativa. A regra no serviço público, no Brasil, tem que ser o serviço realizado diretamente pela entidade pública pelos seus funcionários diretos. Somente em situações excepcionais é haver esse repasse para outras entidades e empresas”.

Comissão da Câmara Municipal realizou reunião para tratar da precarização da FASC, esta semana | Foto: Guilherme Santos/Sul21

“Um concursado custaria o mesmo que três terceirizados”

Uma nota técnica do Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa) defende que não há justificativa para que se mantenha o convênio em regime emergencial. O documento afirma que “a administração pública municipal tem preterido os/as candidatos/as aprovados/as em concurso público” o que seria “evidenciado pelos casos de terceirização na Fasc”. “A seleção por meio de concurso público garante, pois, obediência aos princípios da isonomia, da impessoalidade e da legalidade, afastando do processo seletivo as escolhas assentadas em arbítrios morais ou em interesses políticos e privatistas”, diz o texto assinado por advogados do sindicato.

O Simpa chama a atenção, por exemplo, para o fato de que a Fasc teria 23 cargos vagos de assistente social, ao mesmo tempo em que terceiriza por meio de convênios com entidades privadas, aproximadamente 30 profissionais da área. A nota técnica cita nominalmente a situação da Some que, ao assumir funções nos CRAS, “unidade pública descentralizada da política de assistência social”, estaria “exercendo atividades típicas dos/as profissionais do quadro de servidores/as públicos/as municipais”.

Os representantes do sindicato pegam ainda em outro ponto, afirmando que “as terceirizações têm se mostrado lesivas ao patrimônio público”, “despendem valores altíssimos dos cofres públicos”. “Mesmo despendendo valores altíssimos no convênio com a SOME, os CRAS de Porto Alegre prestam um serviço precário à população. Como exemplo da má qualidade do trabalho realizados nestes equipamentos, cita-se a suspensão do atendimento do Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico) ocorrida em agosto do ano passado. O motivo da suspensão foi a falta de pessoal para atender a demanda, que, em Porto Alegre, abrange cerca de 110.000 (cento e dez mil) famílias”.

Solimar Amaro, atual presidente da Fasc, foi Irmão da congregação Marista | Foto: Matheus Piccini/CMPA

A Fasc, porém, vai na contramão. Segundo a Fundação, “no papel” um servidor concursado equivale ao valor de três terceirizados. “Hoje nós temos uma situação: o orçamento que se tem, que se utiliza para pagar a Some, seria o orçamento que se utilizaria para pagar os concursados que devem entrar. Aproximadamente, esse valor daria para chamar metade de servidores em comparação ao que tem hoje na Some. E certamente não dá conta da demanda”, diz Oziel.

Oziel afirma que o chamamento vai acontecer, mas que a Fundação entende como “insuficiente” o número de concursados que iriam entrar. Ele também afasta qualquer possibilidade de “conflito de interesses” entre o atual presidente da Fasc, Solimar Amaro, e a Some. Ex-Irmão Marista, mesma Congregação responsável pela entidade, Solimar chegou a ocupar o cargo de vice-presidente do grupo.

“Eu te confesso, quero poder dar uma melhor atenção e melhores condições a esses nossos servidores. Está muito claro isso para nós. Só que não tem dado o tempo que nós gostaríamos, cada dia estamos tendo que desarticular e é uma questão muito difícil”, afirmou Solimar ao Sul21 após a reunião da Câmara.

Durante a mesma audiência, enquanto a presidência da Fasc pedia “diálogo”, a presidente do Conselho Municipal de Assistência Social (Cmas), Maria de Fátima Cardoso do Rosário, se disse preocupada com a questão dos aditamentos da Prefeitura com entidades. “Essa precarização hoje já está horrível, nós temos que cumprir a lei. Aí que vem o diálogo, quando tu está cumprindo a lei. Fora disso não existe diálogo”, disse ela.


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