Fernanda Canofre
Em 2014, Porto Alegre virou uma página. A Câmara de Vereadores da capital gaúcha aprovou projeto de lei que mudou o nome da Avenida Castelo Branco para Avenida da Legalidade e da Democracia. Um dos principais acessos à cidade apagou das placas o nome do primeiro presidente da ditadura civil-militar no Brasil e passou a homenagear o movimento de 1961 que garantiu a presidência de João Goulart.
A mudança foi resultado do projeto proposto pelos vereadores Pedro Ruas e Fernanda Melchionna (ambos do PSOL). Menos de dois anos depois, em fevereiro de 2016, outra vereadora da Casa entrou com um novo projeto pedindo a volta do nome original. Monica Leal (PP), conhecida por defender o período de governo militar, usou como justificativa o fato de a cidade já ter um “Largo da Legalidade” e não poder repetir endereços e afirmou: “O que foi consolidado ao longo do tempo, não pode ser apagado da História por razões ideológicas ou político-partidárias”.
Para não apagar da História as coisas como aconteceram o Núcleo da Memória – ligado à Coordenação de Direito à Memória e Verdade da Secretaria de Direitos Humanos da Prefeitura de São Paulo – lançou no mês de aniversário do golpe de 1º de abril de 1964 o projeto “Ruas da Vergonha”. A cidade possui 39 ruas com nomes de pessoas ligadas a violações ocorridas durante o período do regime militar. A campanha busca juntar assinaturas para extinguir nomes de pessoas ligadas a violações dos direitos humanos, atos de tortura e assassinatos de praças, avenidas e ruas das cidades. Na apresentação, o grupo diz: “Está na hora de tirar as marcas da violência que ainda estão nas nossas ruas”.
No site, o “Ruas” traz ainda contexto histórico para algumas das ruas que estão sendo questionadas. Todas ficam na cidade de São Paulo, onde o projeto “Ruas da Memória”, responsável pela petição, é baseado. Ele foi criado no ano passado dentro da prefeitura da cidade.
Entre os nomes estão pessoas conhecidas pelo vínculo com a ditadura e outras nem tanto. Como, por exemplo, o executivo dinamarquês erradicado no Brasil, Henning Albert Boilesen, conhecido como presidente do grupo Ultra, ao qual pertence a empresa Ultragaz. Boilesen “financiou o aparato repressor da ditadura civil-militar, por meio da Operação Bandeirantes”, além de ter sido acusado “de participar de sessões de tortura e inclusive importar instrumentos para serem usados pelos militares”. Ou o delegado da Polícia Civil paulista, Sérgio Fleury, ligado ao Departamento de Ordem Política e Social de São Paulo (DOPS/SP). Fleury foi denunciado por integrar o Esquadrão da Morte, liderar grupos de extermínio e participar de “casos de detenção ilegal, tortura, execução, desaparecimento forçado e ocultação de cadáver”. Entre os casos ligados a ele estão a morte de Carlos Marighella, a tortura de Frei Tito e a chacina na Lapa.
Segundo a Comissão Nacional da Verdade, que entregou relatório oficial de trabalhos no final de 2014, a ditadura civil-militar foi responsável por 434 mortos. Indígenas, jovens da periferia e camponeses assassinados não entraram na contagem. 150 pessoas ainda estão desaparecidas. Pelo menos 1,8 mil foram submetidas a tortura.
Uma das recomendações do relatório, no número 28, é “promover a alteração da denominação de logradouros, vias de transporte, edifícios e instituições públicas de qualquer natureza, sejam federais, estaduais ou municipais, que se refiram a agentes públicos ou a particulares que notoriamente tenham tido comprometimentos com a prática de graves violações”.
A petição e mais informações sobre o projeto podem ser acessados no site oficial do Ruas da Vergonha.