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14 de fevereiro de 2017
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22:17

Vereadores encaminham pedido de auditoria do transporte público de Porto Alegre

Por
Sul 21
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Audiência reuniu duas comissões da Câmara de Vereadores para discutir o aumento da passagem do transporte público | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Fernanda Canofre

Em meio ao debate da previsão de mais um aumento para o preço das passagens do transporte coletivo em Porto Alegre, no final da tarde desta terça-feira (14), vereadores da oposição protocolaram o pedido de auditoria das contas e licitações junto ao Ministério Público de Contas (MPC). Os vereadores questionam irregularidades encontradas nos cálculos da planilha tarifária do sistema de transporte público da capital.

Entre as irregularidades apontadas pelos parlamentares estão itens da licitação que não foram cumpridos, como a criação de um fundo de extraordinário composto de outras receitas, como a venda da publicidade e o vale antecipado, que geram lucro. Os valores do fundo deveriam ajudar a reduzir a tarifa, segundo disposto no edital da licitação. Além disso, em dezembro a Câmara aprovou a isenção de R$ 18 milhões do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), um projeto apresentado pelo ex-prefeito José Fortunati (PDT) a pedido do prefeito eleito, Nelson Marchezan Jr. (PSDB), com a promessa de que não haveria aumento de passagem na próxima gestão. Os vereadores também questionam o decreto que permite que o preço do combustível inserido no cálculo da tarifa seja apresentado pela própria Associações de Transportes de Passageiros (ATP), ao invés de utilizar o menor valor da Agência Nacional de Petróleo (ANP).

“A única auditoria que aconteceu foi em 2011, motivada por uma auditoria do Ministério Público de Contas que, a partir da sua investigação, comprovando lucros acima do devido por parte das empresas, que era embutido na frota reserva e aumentava em R$ 0,30 a tarifa, indício de superfaturamento. Essa auditoria foi fundamental para abrir a ‘Caixa de Pandora’”, afirma a vereadora Fernanda Melchionna (PSOL), líder da oposição na Câmara. “Nós temos vários elementos que estamos arrolando para mostrar que Porto Alegre precisa urgente de uma nova auditoria, que traga luz a esse sistema de transporte”.

O pedido de auditoria encaminhado hoje foi entregue ao procurador-geral do Ministério Público de Contas, Geraldo Da Camino. Foi ele o responsável por abrir uma inspeção especial nas contas do transporte público, em 2013, que resultou em auditoria. À época, o MPC descobriu, entre as irregularidades, lucros indevidos, indícios de superfaturamento em insumos, como óleo diesel, e na forma de calcular o valor das passagens. A ATP considerava em seu cálculo a frota total de veículos, incluindo os ônibus reservas, fora de circulação que aumentava a tarifa em R$ 0,20.

Vereador Marcelo Sgarbossa, presidente da Comissão de Defesa do Consumidor, Direitos Humanos e Segurança Urbana (Cedecondh) | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Simulador de tarifa da prefeitura ignora pontos importantes

Nesta terça, uma audiência pública reuniu duas comissões da Câmara para tratar da questão do transporte público – a Comissão de Defesa do Consumidor, Direitos Humanos e Segurança Urbana (Cedecondh) e a Comissão de Urbanização, Transportes e Habitação (Cuthab). As duas comissões querem pedir audiência com o prefeito Marchezan para levar os questionamentos levantados diante das contas apresentadas pelas empresas responsáveis pelo serviço.

As Comissões questionaram irregularidades, ouviram representantes dos rodoviários e de movimentos estudantis. Os presidentes da ATP e da EPTC não compareceram. O integrante do Diretório Central de Estudantes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) lembrou do Mapa de Direitos Humanos e Acesso a Cidade, produzido pela Câmara em 2015, que apontava o preço elevado das passagens de transporte como um dos motivos para a evasão escolar. A questão de usuários com direito a passagem gratuita, passagem estudantil e o dissídio dos rodoviários têm sido as principais justificativas apresentadas pela Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) para defender o aumento da tarifa.

Segundo Flávio Tomelero, representante da EPTC, a estimativa de uma tarifa de R$ 4,30 não existe. Ele diz que a prefeitura trabalha uma nova tarifa entre R$ 3,95 e R$ 4,05. No site da Empresa, um simulador da tarifa foi colocado no ar perguntando à população sobre pontos e serviços que ela acha importante e que no final fariam a composição de uma nova tarifa. O site Tarifa 2017 pergunta, por exemplo, sobre a retirada da “obrigatoriedade de um cobrador para cada motorista”, o que aponta que renderia uma economia de R$0,09, se o usuário concorda com pagamento de dissídio para os rodoviários e se gostaria de adicionar “reconhecimento facial” como um dos serviços oferecidos. Ar-condicionado, previsto para estar em toda a frota em 10 anos, mas que atualmente existe em 34% dos ônibus, não está entre as opções.

“A pesquisa que é feita no site, ela começa colocando nas costas o dissídio dos rodoviários, uma grande questão para ser resolvida, e a questão das isenções. Ela ancora o debate nestes dois temas. Não fala dos recursos extra-tarifários, que o valor do combustível que não está sendo visto pela ADP”, disse durante a audiência o vereador Marcelo Sgarbossa (PT).  “São questões muito objetivas, não é uma opinião de oposição. Basta olhar os decretos que está ali”.

O vereador André Caruso (PMDB) também questionou o fato de que o site da prefeitura não disponibilizar todos os fatores para que a população analise a tarifa. “Transparência para induzir o cidadão a concordar com aquilo que quer o Poder Executivo é um pouco complicado. O que quer o Executivo já está colocado na consulta, agora ‘verdades inconvenientes’, como a isenção do ISS que impacta em R$ 18 milhões em favor das empresas, não está ali”, defendeu.

O vereador Alex Fraga (PSOL), pediu que a pesquisa da prefeitura incluísse ainda o fator do lucro dos empresários, também parte do preço do transporte. Segundo cálculo dos vereadores, com lucro de 9% garantido aos empresários, na licitação, hoje, as empresas lucram líquido R$ 0,30 por passagem.

“Deveríamos antes de [discutir as isenções] se a população acha que é moral uma taxa de lucro por parte dos empresários. O lucro já é estipulado dentro das planilhas – o que já obsceno – porque exime de qualquer tipo de prejuízo o permissionário. Ele não tem, dentro da lógica liberal que muitos defendem, a possibilidade de ter prejuízos. O que não força os empresários a oferecer qualidade”, disse o psolista. 

As duas comissões que chamaram a audiência querem também uma reunião com o prefeito Marchezan | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Debate ainda não despertou mobilização popular

Uma pesquisa feita pela bancada do PT, depois da licitação do ano passado, ouviu 900 pessoas sobre a qualidade do transporte público na capital. A maioria dos passageiros, apontou como os principais problemas a lotação dos veículos, falta de cumprimento de horário e o preço da passagem. 

A estimativa é de que o transporte público de Porto Alegre faça girar R$ 3 milhões por dia, uma receita pública, mas que é gerida pela ATP. “A prefeitura apenas aceita informações que chegam das concessionárias. Nós conseguimos construir que essa conta teria que ser pública e o recurso também público, nas mãos da prefeitura, e infelizmente, o ex-prefeito Fortunati, no dia 30 dezembro vetou essa emenda. Agora, ela voltou para a Câmara de Vereadores e espero que a gente derrube o veto”, lembrou a vereadora Sofia Cavedon (PT).

Sofia também questionou o que é apresentado como “gratuidade” nas planilhas da EPTC. Segundo a vereadora, não existe o passe livre em Porto Alegre – algo calculado como déficit na conta da empresa. As passagens de programas como o Voa Escola, que atende cerca de 5 mil alunos da rede pública, são pagas com recursos da Secretaria Municipal de Educação (Smed).

A questão colocada na audiência é que parece não haver nenhuma justificativa que sustente o aumento da passagem que é defendido pela prefeitura. “[A discussão de agora] não conseguiu mobilizar a sociedade ainda a ponto de colocar como um dos eixos do debate a questão do transporte público. O governo está se aproveitando de que não há um processo de mobilização pública forte. Nós sabemos que esse tema foi o que desencadeou o levante juvenil de 2013, ‘não foi só por 20 centavos’, foi também pela necessidade do controle público sobre negócios privados”, declarou o vereador Roberto Robaina (PSOL).

“Se fosse para reduzir a tarifa, seria correto, mas o compromisso de redução de tarifa já não está sendo cumprido com menos de dois meses de gestão. Nós estamos vendo uma tentativa de discutir o sistema de gratuidade, como se elas fossem enormes no montante da planilha tarifária, quando, na verdade, o que tem acontecido em Porto Alegre, é que tem diminuído o número de passageiros pagantes na medida em que a tarifa aumenta e os serviços não melhoram”, defendeu Melchionna.


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