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21 de janeiro de 2017
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16:34

Dez anos após 1ª ocupação, Assentamento 20 de novembro se fortalece no centro de Porto Alegre

Por
Sul 21
sul21@sul21.com.br
Espaço hoje ocupado pelo Assentamento 20 de novembro ficou abandonado por mais de 50 anos, no centro da capital | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Fernanda Canofre

A primeira vez que as famílias que formaram a Cooperativa 20 de novembro ocuparam um edifício em Porto Alegre foi na data que os batizou, Dia Nacional da Consciência Negra, em 2006. O prédio ocupado então era o mesmo na esquina da Avenida Mauá com a Caldas Jr que hoje se tornou a Ocupação Saraí. Nos últimos 10 anos, as famílias ligadas à Cooperativa trocaram de endereço mais duas vezes, tiveram de enfrentar anos de burocracia e levar sua pauta às ruas para conseguir carimbos do poder público e seguir em frente. Foi essa história que o Movimento Nacional de Luta Pela Moradia (MNLM) celebrou na noite de quinta-feira (19), dentro da programação do Fórum das Resistências, com o Bloco da Laje e RAP.

Quem passa pela região da esquina da Rua Barros Cassal com a Avenida Farrapos, à primeira vista, tem a imagem de uma Porto Alegre abandonada. Movimento maior de ônibus e carros do que de gente, mais edifícios comerciais à volta com placas de “aluga” ou “vende” do que ocupados. Aproximando-se do edifício que durante 50 anos foi a carcaça abandonada de um projeto inacabado da Rede Ferroviária da União, já dá para ouvir conversas, ver o colorido de grafites, crianças brincando no parquinho, música de alguma janela. Em frente ao prédio, uma placa avisa: Assentamento 20 de novembro.

“A Ocupação 20 de novembro demarca isso: o centro é nossa pauta. Nesses 10 anos, acho que estamos chegando perto daquilo que a gente idealizou, que na verdade é combater os vazios urbanos, a especulação imobiliária que está concentrada no Centro, garantir moradia com dignidade, com infra-estrutura, com todos os serviços públicos necessários, perto dos espaços onde a galera trabalha”, conta Ceniriani Vargas, a Ni.

Hoje, Ni vive no assentamento com o marido e duas filhas pequenas. Ela é parte da mobilização da cooperativa que foi semente da ocupação desde o início. Cinco anos antes de chegarem ao prédio da Barros Cassal, em 2012, depois de serem despejadas do prédio onde hoje está a Ocupação Saraí, as famílias da 20 de novembro passaram a ocupar uma área próxima ao estádio Beira-Rio. Quando veio a confirmação de que Porto Alegre receberia jogos da Copa do Mundo, foram despejados mais uma vez. Foi assim que ocuparam o esqueleto do que deveria ter sido um hospital para atender os servidores da Rede Ferroviária da União, em 2012. Depois da privatização da rede, o imóvel do governo federal perdeu sua função. A parte do edifício construído em junho de 1950 que foi ocupada pelas famílias nunca foi utilizada e ficou abandonada durante mais de 50 anos.

Ainda durante o governo de Luis Inácio Lula da Silva (PT), houve uma resolução que determinava que imóveis federais sem utilização ou abandonados fossem encaminhados para moradia popular. O prédio da Barros Cassal com a Avenida Farrapos se encaixou na medida. Mesmo assim, o MNLM teve de passar por três anos de burocracia para conseguir ter o prédio de fato em sua posse.

Ceniriani explica que o projeto de recuperação do espaço da Ocupação prevê a instalação de uma hora comunitária no terraço do prédio | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Projeto prevê moradia para 40 famílias e espaço de formação

Em março do ano passado, a ocupação recebeu a concessão do direito real de uso do imóvel. Um mês depois, o projeto de recuperação do prédio foi aprovado pela Caixa Econômica Federal, dentro do Minha Casa, Minha Vida Entidades. O projeto prevê que o espaço da ocupação possa receber até 40 famílias. No momento, 18 vivem no assentamento.

“Hoje [o prédio] está avaliado em R$ 3,8 milhões, não é pouca coisa. É um processo burocrático muito grande tu dizer que é possível receber um imóvel e ainda gestionar uma obra, aqui a previsão é de no mínimo R$ 2,5 milhões de investimentos na reforma do prédio, através do Minha Casa, Minha Vida Entidades, que justamente é uma modalidade onde cooperativas, associações de moradores conseguem autonomamente construir projetos”, explica Ni.

Como o projeto foi aprovado antes do impeachment de Dilma Rousseff e dos cortes anunciados para o Minha Casa, Minha Vida, as obras estão garantidas. O problema, de acordo com Ceniriani, são os prazos. Ela relata que o tempo que as famílias levaram para sair da área próxima ao estádio Beira-Rio – cinco anos ao todo – teria sido suficiente para que o prédio estivesse em condições de ser habitado. Porém, os entraves com o poder público municipal impediram que as obras avançassem. O projeto arquitetônico ficou quase cinco anos trancado na Prefeitura. Depois de o movimento organizar marchas, protestos e ocupar o prédio onde hoje está a Saraí, a aprovação saiu em 15 dias. “Então, não era um problema técnico, era um problema político, não queriam liberar”, diz ela.

Agora, as famílias do assentamento aguardam novamente pelo Executivo municipal. A previsão inicial é que a fase de obras do projeto deveria ser iniciada em abril deste ano. Com as datas de recesso de final de ano e a troca de gestão na Prefeitura, as diretrizes de aprovação acabaram atrasando também e ainda não foram liberadas. Segundo Ceniriani, as outras 12 famílias que aguardam a conclusão das obras para se mudar têm “pressa, muita pressa”. Algumas vivem em outras ocupações, outras moram de favor ou estão com aluguel social.

“A gente tem se mobilizado e tentado construir redes de apoio. Se fizer uma avaliação do ponto de vista de gestão, é uma burrice construir moradia longe da infra-estrutura da cidade, porque tu vai ter que levar essa infra-estrutura para lá. Vai ter que construir escolas novas, ruas, colocar linha de ônibus. A longo prazo é um custo muito maior. A própria Prefeitura nos disse que fizeram um cálculo, o custo de uma família, mandada pra uma região que não tem nada é de R$ 200 mil. Quando tu vê, o Centro de Porto Alegre tem vaga sobrando nas escolas”, afirma Ni.

Enquanto isso, a Ocupação 20 de novembro vai se consolidando como referência a outros movimentos de luta pela moradia. O movimento, que no início sobrevivia vendendo artesanato, pães e cucas pela Rua da Praia para angariar fundos, pretende fazer disso um eixo de formação no mesmo local onde hoje vivem. No projeto da reforma, há previsão de salas de formação e lojas que irão comercializar produtos da ocupação e da reforma agrária. Dez anos parecem ser só o início do caminho.

Confira a galeria de fotos:

Foto: Guilherme Santos/Sul21
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Guilherme Santos/Sul21

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