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28 de dezembro de 2016
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20:20

Travada pela burocracia, microfloresta no Largo Zumbi não tem data para ser retomada

Por
Sul 21
sul21@sul21.com.br
27/12/2016 - PORTO ALEGRE, RS - Microfloresta urbana no Largo Zumbi dos Palmares começa a ser construído sem a opinião dos feirantes. Foto: Guilherme Santos/Sul21
Obras para acomodar microfloresta urbana, no Largo Zumbi dos Palmares, começaram sem consultar feirantes | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Fernanda Canofre

No final de agosto, cinco arquitetas de Porto Alegre tiveram uma ideia: trazer para a capital gaúcha as microflorestas implantadas em várias partes do mundo para aliviar o calor, reduzir a emissão de dióxido de carbono, resíduos e compostos orgânicos voláteis e reutilizar a água da chuva. Aqui, porém, elas queriam aplicar o projeto de maneira inédita: com microflorestas urbanas, em espaços da cidade que concentram construções, poluição e grande circulação de pessoas.

Em outubro, o grupo de arquitetas, através da ONG TodaVida, começou a buscar dentro da Prefeitura da Capital os caminhos para implantar a primeira microfloresta do projeto. Acabaram escolhendo o Largo Zumbi dos Palmares, com cerca de 13 mil m² de estacionamento e asfalto, como ponto inicial. A proposta seria colocar ali 500 mudas, em uma área correspondente a seis vagas de automóveis, e ajudar a reduzir a sensação térmica do Largo em até 8ºC.

A boa ideia, porém, virou motivo de polêmica nas últimas semanas. No dia 06 de dezembro, uma equipe da Secretaria Municipal de Obras e Viação (Smov), escavou um buraco no meio do Largo para começar o plantio das mudas no local. Os feirantes que trabalham no Largo há 35 anos não gostaram. Sem debate com eles, o local escolhido para implantação da microfloresta atrapalharia a Feira Modelo.

“Nenhum feirante foi contrário à microfloresta. Pelo contrário, vai embelezar nosso local de trabalho. Mas cortaram o chão sem falar com ninguém. Ninguém que usa o espaço, ninguém que tem a concessão para usar, ninguém que é detentor do Largo”, diz Jorge Gomes, presidente da Feira e feirante do Largo desde o início.

Um dia depois da escavação do local, a obra foi embargada. Por duas semanas, o buraco feito para o plantio das árvores – variando entre 1 m e 1,40 m de profundidade – ficou aberto apresentando perigo a quem transitava no local. Os próprios feirantes tiveram que desembolsar R$ 3 mil em quatro caçambas de saibro e no aluguel de uma retroescavadeira para tapá-lo.

Nesta segunda-feira (26), foi realizada uma reunião envolvendo Secretaria de Direitos Humanos, Secretaria Municipal de Produção, Indústria e Comércio (Smic), Secretaria Municipal de Turismo, representantes dos feirantes, de moradores da região e do Povo Negro para tratar da questão. Depois de ouvir o lado dos feirantes, a Prefeitura concordou em adiar o plantio da microfloresta até que haja um acordo sobre o ponto em que ela será colocada.

| Foto: Divulgação/ONG TodaVida
| Foto: Divulgação/ONG TodaVida

O projeto da micro-floresta

A TodaVida, responsável pelo projeto das microflorestas em Porto Alegre, se inspirou no guru do assunto para criar a ideia dos espaços urbanos: o engenheiro indiano Shubhendu Sharma. Seu país é o líder em criação de microflorestas. A maioria das 3 mil existentes hoje no planeta está na Índia. O grupo também criou uma campanha de financiamento coletivo para levantar fundos para a primeira ação.

O projeto, que começou com cinco arquitetas, hoje já tem envolvimento de 70 pessoas, todas voluntárias, das áreas de arquitetura, biologia, engenharia florestal e ambiental. “O objetivo destas microflorestas é priorizar o pedestre e não o carro. Ela ocuparia o lugar de seis automóveis. Porto Alegre é uma cidade bastante arborizada, mas na verdade somos a sexta capital mais poluída do Brasil”, diz Suzana Azevedo, arquiteta e uma das criadoras do projeto.

A ideia apresentada para o Largo Zumbi dos Palmares previa, além das 500 mudas de árvores nativas, a instalação de pavimento feito com material de ecotelhado e piso drenante que absorveria a água da chuva, para ser usada na irrigação das árvores; medidor da umidade do solo, que liberaria automaticamente água em períodos de seca; iluminação de LED que não prejudicasse a biodiversidade; instalação de um muroflex, sacos com terra e adubo, que faria a contenção e ainda cultivaria flores e uma árvore solar, responsável pela captação de energia, onde as pessoas poderiam também carregar aparelhos eletrônicos e ter sinal de wi-fi liberado.

“A partir do momento que as pessoas tomam conta de um lugar, aquele lugar se torna menos perigoso. É um local que é puro estacionamento, só asfalto, em pleno centro da cidade, uma área histórica e nobre, conversamos muito com o Povo Negro para que essa microfloresta fosse uma retomada desse espaço para a comunidade negra”, explica Suzana. O projeto inclui ainda um busto de Oliveira Silveira, poeta gaúcho, integrante do Grupo Palmares e um dos idealizadores do Dia da Consciência Negra no Brasil.

27/12/2016 - PORTO ALEGRE, RS - Microfloresta urbana no Largo Zumbi dos Palmares começa a ser construído sem a opinião dos feirantes. Foto: Guilherme Santos/Sul21
Feira Modelo está no Largo há 35 anos | Foto: Guilherme Santos/Sul21

O grupo do TodaVida, no entanto, não sabia que os feirantes que ocupam o local tradicionalmente duas vezes por semana – às terças e sábados – não haviam sido consultados sobre o projeto, o que causou toda a polêmica. “O que aconteceu? A Smic não avisou os feirantes. Eles não sabiam de nada, não sabiam do projeto. Qual não foi a nossa surpresa, no dia da feira foi um horror. Os feirantes ficaram muito bravos com a gente. E o projeto foi barrado”, diz ela.

O local escavado pela Prefeitura, na verdade, foi o plano B apresentado pelos voluntários da ONG. A ideia inicial era instalar a microfloresta – em formato de L – na esquina da rua João Alfredo e da avenida Loureiro da Silva. O local, porém, além de não pertencer à área do Largo, já está destinado para a construção de um mercado gastronômico que deve ser criado pela Associação de Bares e Restaurantes de Porto Alegre, com apoio da Prefeitura.

De acordo com Suzana, o segundo ponto escolhido foi calculado pelo posicionamento solar – as árvores protegeriam do sol no horário da tarde. “A gente resolveu deslocá-lo para a linha da pracinha. Não queríamos perto da parada de ônibus porque achamos perigoso”, explica ela. “Imaginávamos que a feira acabava ali e que não iria atrapalhar. Não precisaria ter acontecido isso se todos os atores tivessem sido chamados”.

Segundo os feirantes, cerca de 10 deles teriam prejuízos econômicos se mudassem de local para ceder os 100 m² à microfloresta, naquele local. Isso já teria acontecido nas duas semanas em que o buraco obrigou a mudança na organização da feira. “Foi tudo falta de planejamento. Se eles tivessem planejado, saberiam da feira de terça e sábado e que não poderiam sair quebrando tudo de qualquer jeito”, opina Castorina Portila, feirante que trabalha no Largo há 12 anos e tem a barraca bem ao lado do local escavado pela Prefeitura.

27/12/2016 - PORTO ALEGRE, RS - Microfloresta urbana no Largo Zumbi dos Palmares começa a ser construído sem a opinião dos feirantes. Foto: Guilherme Santos/Sul21
Reclamação dos feirantes é que local aberto pela Smov prejudicaria trajeto da Feira | Foto: Guilherme Santos/Sul21

‘Ruído’ entre secretarias 

A polêmica também pode ter sido originada por um problema de comunicação entre as secretarias da Prefeitura de Porto Alegre. Segundo a Secretaria Municipal de Governança Local, em outubro, a ONG TodaVida e a Prefeitura criaram um termo de cooperação que foi encaminhado a outras sete secretarias e departamentos do Executivo municipal, como: Empresa Pública de Transporte e Circulação (Eptc), Departamento Municipal de Água e Esgoto (Dmae), Departamento de Mobilidade e Limpeza Urbana (Dmlu), Secretaria de Meio Ambiente (Smam), Secretaria de Direitos Humanos (Sdh), Secretaria Municipal de Obras e Viação (Smov) e Secretaria de Governança.

O termo, porém, não chegou a ser assinado porque as secretarias, sem ter concluído a avaliação do projeto, não haviam enviado sua autorização final para ele. Ainda segundo a pasta de Governança, houve uma “ruído” na comunicação entre os setores, a Smov entendeu que o projeto estava liberado e prosseguiu com a ação de preparar o espaço para o plantio das árvores, que gerou a polêmica com os feirantes. A Smic, de fato, ainda não havia sido comunicada oficialmente sobre o projeto e só se envolveu a partir das manifestações dos feirantes.

Segundo a Secretaria de Obras (Smov), quem deu a ordem para que o buraco fosse aberto no local foi a Secretaria de Governança. A EPTC também foi chamada para fazer a demarcação do espaço. Nenhuma das secretarias contatadas pelo Sul21 soube dizer quem determinou que o espaço para a instalação da microfloresta fosse aquele onde a obra foi iniciada pela Smov.

Depois da polêmica e da burocracia para liberar o projeto, a microfloresta ainda não tem data para ser retomada. A reunião de segunda entre Prefeitura e representantes decidiu apenas que um novo lugar, dentro do Largo, deve ser definido com o acordo de todos. Enquanto isso, as 200 mudas nativas que a ONG conseguiu adquirir com patrocinadores da ideia tiveram de ser transferidas para um sítio próximo de Porto Alegre.

Apesar da polêmica gerada na primeira ação, o grupo já estuda implantar microflorestas em outras regiões da cidade, como a Zona Norte, e conversa com vereadores para regulamentar o projeto. “A ideia é lançar uma semente para que isso possa se replicar, para que as pessoas se tornem atores de suas áreas. Seria legal ter dentro da Prefeitura um departamento para abraçar esses projetos populares”, diz Suzana.

27/12/2016 - PORTO ALEGRE, RS - Microfloresta urbana no Largo Zumbi dos Palmares começa a ser construído sem a opinião dos feirantes. Foto: Guilherme Santos/Sul21
Área onde ficaria inicialmente a microfloresta foi coberta com saibro | Foto: Guilherme Santos/Sul21

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