Cidades|z_Areazero
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7 de novembro de 2016
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19:38

Alvo de críticas de observadores, Vila Chocolatão é estudada como exemplo de sucesso pela ONU

Por
Luís Gomes
luisgomes@sul21.com.br
07/11/2016 - PORTO ALEGRE, RS - Representante da ONU realiza visita a Comunidade Nova Chocolatão. Foto: Maia Rubim/Sul21
Comunidade Nova Chocolatão recebeu a visita de representante da ONU | Foto: Maia Rubim/Sul21

Luís Eduardo Gomes

Acompanhada de representantes das Redes de Sustentabilidade e Cidadania e da Prefeitura, a diretora do Global Compact Cities Programme da ONU, Elizabeth Ryan, visitou na manhã desta segunda-feira (7) a Vila Chocolatão, na zona norte de Porto Alegre. O assentamento reúne atualmente 181 famílias e foi inaugurado, em 2011, para abrigar os moradores da antiga Vila Chocolatão, que durante 20 anos ocupou um espaço ao lado da sede da Justiça Federal, na avenida Aureliano de Figueiredo Pinto, no Centro da cidade.

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Com uma creche, escolas e posto de saúde próximos e, especialmente, um galpão de reciclagem que dá emprego para moradores da região, a comunidade é considerada pela Prefeitura e também pela ONU como um exemplo de assentamento bem feito. A visita de Elizabeth tem o objetivo de continuar a pesquisa sobre o caso e estudar como ele pode ser levado para outras cidades do mundo.

Porém, o Grupo de Assessoria Justiça Popular (Gajup), entidade vinculada ao Serviço de Assessoria Jurídica Universitária (SAJU) da UFRGS, que monitora a situação dos moradores da Chocolatão desde 2009, considera que o assentamento não serve de exemplo e aponta uma série de problemas.

Pesquisa da ONU

Para a representante da ONU, a nova Vila Chocolatão é um exemplo de caso bem sucedido de política de assentamento em razão do trabalho feito para a capacitação dos moradores. “Muitos lugares se beneficiariam se trabalhassem da mesma forma”, disse. “Aqui é um exemplo por causa das perspectivas de futuro, da melhoria na educação, na oferta de saúde, pela consistência do projeto e o trabalho de anos com a comunidade, com o desenvolvimento de capacidades e treinamento”.

07/11/2016 - PORTO ALEGRE, RS - Representante da ONU realiza visita a Comunidade Nova Chocolatão. Foto: Maia Rubim/Sul21
Elizabeth (centro) conversa com Flávio Januário, presidente da associação de moradores | Foto: Maia Rubim/Sul21

Elizabeth já visitou a Chocolatão em outras oportunidades. A primeira vez, quando da inauguração da assentamento, em maio de 2011. A última, há dois anos. Na visita desta segunda, ela citou como exemplo positivo do trabalho realizado na comunidade o fato de a coordenadora do biblioteca ser uma moradora que recebeu treinamento para exercer a função e o galpão de reciclagem ser gerenciado por antigos moradores da Vila Chocolatão.

De acordo com a Prefeitura, as Redes de Sustentabilidade e Cidadania são redes de governança baseadas na cooperação e na ajuda mútua entre as instituições governamentais, não governamentais e pessoas que se dispõem a participar para enfrentar os desafios de um local de grande vulnerabilidade social. As Redes trabalharam no reassentamento da Vila Chocolatão e, atualmente, também desenvolvem trabalhos semelhantes de inserção dos moradores no mercado de trabalha e de melhorias das comunidades na vila Santa Teresinha (também na Zona Norte), na vila Santo André (no 4º Distrito) e na região das ilhas de Porto Alegre. Este trabalho é monitorado justamente pelo programa da ONU do qual Elizabeth é diretora.

Vânia Gonçalves de Souza, coordenadora das redes, afirma que o projeto se tornou um exemplo estudado pela ONU porque atua na capacitação dos moradores. “A gente tem que buscar a emancipação dessas pessoas através da capacitação e educação. Para poder inseri-los no mercado de trabalho, para eles poderem pagar sua conta de luz, sua água, crescer. Sem isso, não adianta”, afirma, acrescentando que foi com este viés que as Redes desenvolvem o trabalho com a comunidade desde antes da mudança. “A unidade habitacional por si só não resolve o problema da vulnerabilidade social e não vai resolver nunca, esse é um grande equívoco. Só vai resolver o problema quando a unidade habitacional der condições para que essas pessoas paguem suas contas. Para isso, tem que capacitar as pessoas”, complementa.

Jéssica da Silva Borges, 25 anos, mora com o marido e a filha na nova Chocolatão. Antigos catadores de lixo da região central, o casal é um dos que passou pelo processo de capacitação e agora trabalha com a triagem de lixo no galpão localizado no início da comunidade. Ela, inclusive, é tesoureira da Associação de Catadores e Recicladores da Vila Chocolatão, que organiza o trabalho de reciclagem no local.

07/11/2016 - PORTO ALEGRE, RS - Representante da ONU realiza visita a Comunidade Nova Chocolatão. Foto: Maia Rubim/Sul21
Jéssica Borges mora na comunidade com o marido e o filho | Foto: Maia Rubim/Sul21

“Mudou tudo”, diz ao ser questionada sobre a mudança da antiga vila para a comunidade atual. “É tu deitar e saber que não vai pegar fogo na tua casa e nas tuas coisas. A minha casa está do jeitinho que a gente quer. Lá não tinha isso. Tu vivia no meio do barro, com os ratos em cima das coisas, era bem difícil”, complementa.

Jéssica, no entanto, reconhece que apenas os moradores da antiga comunidade que conseguiram trabalho no galpão permanecem na nova Chocolatão atualmente. “O pessoal que mora na comunidade e veio do Chocolatão trabalha no galpão. O resto é de fora”, diz.

De volta às ruas

O que aconteceu com o restante das famílias, que não conseguiram trabalho próxima à nova moradia? Na maioria, venderam suas casas.

“A maioria das pessoas teve que abandonar a casa porque não tinha a possibilidade de renda naquela região. Não teve um plano efetivo de geração de renda. O galpão não conseguiu contemplar a maioria dos moradores”, diz Djeison André Diedrich, integrante do Gajup.

Djeison pondera que, quando precisou convencer os moradores, a Prefeitura alegava que haveria emprego para 180 pessoas no centro de triagem. O que não ocorreu. Atualmente, 33 pessoas trabalham no local. Para aqueles que não conseguiram vaga, a distância de 15 km para o Centro dificultou que continuassem no trabalho como catadores. Segundo o Gajup, das 181 famílias originalmente transferidas da antiga Chocolatão para o novo assentamento, apenas cerca de um terço permanecem no local.

“Acabou que, por conta da remoção, as pessoas pioraram de vida. Quando moravam no Centro, tinham um trabalho mais ou menos certo. Indo para um lugar mais longe, acabou vulnerabilizando ainda mais”, diz. “É muito comum que vários ex-moradores sejam encontrados pelas ruas do Centro, pela Cidade Baixa”, complementa Djeison.

Presidente da associação de moradores que comanda o processo de reciclagem, Flávio da Silva Januário afirma que não é possível empregar mais pessoas no galpão porque simplesmente não há mais trabalho a ser feito. Segundo ele, atualmente, há trabalho durante 18 ou 19 dias do mês, com as segundas e terças sendo os dias mais movimentados, e o restante da semana dependendo do volume de material arrecadado. Na última sexta-feira, por exemplo, não trabalharam. “A gente é limitado. Se passar de 33 pessoas, a gente vai botar alguém para ficar parado”, diz, acrescentando que há uma lista de espera com cerca de 60 pessoas interessadas em trabalhar no local.

Flávio era um dos moradores da antiga Chocolatão que trabalhavam catando lixo. Conta que ia para a escola pela manhã e, à tarde, ajudava o seu pai, que atuava como carrinheiro no Centro da Capital. Quando ele tinha 19 anos, ambos se mudaram para o novo assentamento. Na época, Flávio não queria mais trabalhar com lixo. Chegou a ter um emprego em uma rede de supermercados. Cinco anos depois, preside a associação de moradores.

07/11/2016 - PORTO ALEGRE, RS - Representante da ONU realiza visita a Comunidade Nova Chocolatão. Foto: Maia Rubim/Sul21
Centro de reciclagem emprega 33 famílias da comunidade | Foto: Maia Rubim/Sul21

“Teve um dia em que apertou a coisa, minha esposa teve filho, e vim trabalhar na unidade”, conta. Inicialmente, recebia entre R$ 400 e R$ 600 por mês, mas agora, assim como os outros trabalhadores, já recebe acima de R$ 1 mil, além de uma cesta básica doada por um morador de Caxias do Sul. Assim como Jéssica, ele diz que a situação é melhor agora. “Antes eu tinha vergonha, na escola, de dizer que eu era carrinheiro. Não pelo que a gente fazia, mas pelo que as pessoas diziam. Era difícil de arrumar amizade. Hoje, não. Hoje eu sento com o prefeito, com qualquer um do DMLU”, afirma.

Para Jéssica, a dificuldade em se adaptar ao novo assentamento foi outra dificuldade enfrentada pelos antigos vizinhos que já se mudaram da comunidade atual. “As pessoas saíram da Chocolatão, mas a Chocolatão infelizmente não saiu das pessoas. Algumas preferiram ficar nas ruas de Porto Alegre do que ter uma casa e um teto para morar”, diz.

Segundo Vânia não há levantamento ou monitoramento sobre a situação das famílias da antiga Vila Chocolatão que receberam casas e revenderam.


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