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6 de novembro de 2015
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17:22

Coletivo denuncia que projeto de revitalização do Cais Mauá infringe ao menos dez leis

Por
Luís Gomes
luisgomes@sul21.com.br
06/11/2015 - Lançamento do coletivo A cidade que queremos. Foto: Guilherme Santos/Sul21
Coletivo A Cidade Que Queremos foi lançado oficialmente nesta sexta-feira, em encontro na Assembleia Legislativa | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Luís Eduardo Gomes

Com a pauta da denúncia da influência do poder econômico nos projetos de revitalização e planejamento urbanístico da cidade, diversas entidades se reuniram para lançar oficialmente nesta sexta-feira (6) o coletivo “A Cidade que Queremos”. Em encontro na Assembleia Legislativa, o coletivo fez a denúncia de que a revitalização do Cais Mauá, por exemplo, descumpre ao menos dez leis federais, estaduais e municipais, especialmente do ponto de vista ambiental.

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José Fonseca, representante do Movimento Gaúcho em Defesa do Meio Ambiente (Mogdema), que atuou como mediador do encontro, salientou que a união em um coletivo de entidades com características bem diversas permite ampliar a voz destes grupos, que, individualmente, não têm muito espaço na imprensa e para dialogar com o poder público e com a cidade. Fonseca afirmou que o coletivo não nasce para ser contra projetos de revitalização de espaços públicos, mas sim contras as iniciativas da prefeitura que fazem o “jogo do privado” e sem dialogar com a sociedade civil “para que ela possa dizer qual é a cidade que deseja”.

“A cidade de Porto Alegre tem muitos problemas na relação com o poder público, com as corporações imobiliárias e com o Judiciário, também em relação a várias pautas que envolvem o patrimônio histórico e cultural do meio-ambiente. Nós estamos vivendo uma investida do poder econômico com o poder político sobre espaços da cidade que, nós entendemos, tem que ter outro tratamento, outra destinação, que é aquela que envolve a preservação do patrimônio histórico, cultural e ambiental com o legado para gerações futuras”, acrescentou Sílvio Jardim, também do Mogdema.

Jardim afirma que a ideia para a criação do coletivo surgiu há cerca de dois meses, em um encontro promovido pela Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiental Natural (Agapan) na Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação (Fabico) da UFRGS. Até o momento, participam do coletivo as seguintes entidades: Agapan, Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB-RS), Mogdema, Movimentos Cais Mauá de Todos, Associação pela Mobilidade Urbana em Bicicleta (Mobicidade), Movimento Minha Porto Alegre, Movimento Chega de Demolir Porto Alegre, Associação de Reciclagem Ecológico Vila dos Papeleiros (Arevipa), Movimento Francisclariano da Diocese Meridional de Porto Alegre e Observatório das Metrópoles. Desde então, ainda que de forma extraoficial, os representantes das entidades já vem se reunindo todas as sextas-feiras na AL.

06/11/2015 - Lançamento do coletivo A cidade que queremos. Foto: Guilherme Santos/Sul21
Wittler apresentou irregularidades no projeto de revitalização do Cais Mauá Foto: Guilherme Santos/Sul21

“Entendemos que é necessário unificar a atuação para que a força seja mais intensificada”, disse Jardim, indicando que esta união de entidades fortalece a luta do ponto de vista jurídico, na atuação política e na capacidade de mobilização. “É a cidadania se manifestando”.

Cais contra lei

Um dos principais focos do coletivo no momento é fazer a denúncia das irregularidades no processo de revitalização do Cais Mauá. O engenheiro aposentado Henrique Wittler, que atuou no Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS) e como professor da PUCRS, fez a apresentação de um dossiê em que aponta erros técnicos e que pelo menos dez leis federais, estaduais ou municipais estão sendo desrespeitadas neste processo, bem como irregularidades no Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental (EIA Rima), no edital de licitação e nos estudos relacionadas à área.

Entre os apontamentos feitos por Wittler, destaca-se o fato de que as intervenções recentes na orla do Guaíba infringem diversas normas que estipulam que terrenos alagadiços não podem ser parcelados e de que as margens dos rios devem ser preservadas em até 500 metros. Ele também salienta que a própria legislação municipal que regulamentou a cessão da área do Cais Mauá, em 2010, chamada de Lei Fogaça, dizia que os índices construtivos autorizados pela prefeitura só eram válidos até o dia 31/12/2012, havendo um espaço de 90 dias no início de 2013 para complementar a lei, o que nunca foi feito.

Jaqueline Custódio, advogada e integrante do movimento Cais Mauá de Todos, lembrou que, recentemente, veio à tona um parecer do Tribunal de Contas do Estado (TCE) apontando irregularidades na condução do processo de revitalização do Cais. Ela saudou a mobilização em torno do novo coletivo como uma iniciativa necessária para aumentar a força de pressão para “tentar barrar algumas coisas que a gente não concorda”.

21/10/2015 - PORTO ALEGRE, RS, BRASIL - Tapumes começam a ser colocados próximo a Usina do Gasômetro para a Revitalização da Orla do Guaiba.  Foto: Guilherme Santos/Sul21
Orla do Guaíba, próximo ao Gasômetro, está isolada por tapumes | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Outra visão de cidade

Em mais de uma oportunidade, os participantes do evento também criticaram outros projetos de revitalização da Orla do Guaíba, como o trecho que vai desde a Usina do Gasômetro até a Rótula das Cuias, já em andamento, e a área do Estaleiro Só, que está na fase de projeto. Uma das principais críticas ao primeiro projeto é que, em caso de enchentes como a que recentemente atingiu a cidade, as novas obras ficariam debaixo d’água.

“Se as obras do Jaime Lerner (arquiteto responsável pelo projeto) estivessem prontas, todas estariam debaixo da água. Seriam R$ 65 milhões jogados fora. Essa irresponsabilidade é o que denunciamos”, afirmou Fonseca, do Mogdema. Outra crítica que se faz é a utilização de tapumes por parte da construtora no local da obra, o que bloqueia a visão da população ao pôr-do-sol do Guaíba.

06/11/2015 - Lançamento do coletivo A cidade que queremos. Foto: Guilherme Santos/Sul21
Jaqueline Custódio, do Cais Mauá de Todos, lembrou que o TCE já apontou irregularidades na revitalização do Cais Foto: Guilherme Santos/Sul21

Tiago Holzmann da Silva, representante do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), salientou que a revitalização do Cais Mauá e da orla do Guaíba fazem parte de um mesmo problema. “O embate entre a cidade para toda a população e a cidade para gerar lucro para um grupo de pessoas ou para um grupo de políticos e seus associados”, disse Silva, que também defende a incorporação de outras entidades no coletivo, como movimentos jovens, associações de bairro, etc.

Essa necessidade de atrair movimentos jovens também foi defendida por Sílvio Jardim, do Mogdema. “Não existe movimento social sem a juventude. José Marti, o ideólogo cubano, disse certa vez que os jovens são o baluarte da liberdade e o principal exército da transformação. Eu compactuo disso. Esse País não consegue andar para frente sem mobilizar a juventude”, disse.

Com esse foco, Luciano Joel Fedozzi, pesquisador do Núcleo Porto Alegre do Observatório das Metrópoles, salientou a importância de trazer esse debate sobre a “cidade que queremos” para dentro do ambiente universitário, começando pela UFRGS, onde trabalha.

Fedozzi salientou que há uma pauta comum aos movimentos sociais que é o combate ao processo de “mercantilização das cidades”. Citando o geógrafo David Harvey, ele falou que Porto Alegre está inserida em um “processo internacional em que as cidades se tornam mercadorias”.  “(O objetivo é) tentar unificar essas dezenas de movimentos variados que estão, de alguma forma, ligados pela defesa do direito da cidade e da reforma urbana”.

Presente no evento, o vereador Marcelo Sgarbosa (PT) sugeriu que o coletivo se organizar para que a discussão seja menos em termos de conceitos e mais de propostas concretas. “A cidade que queremos tem que ir ao ponto, o que concretamente queremos. Quanto mais concretude melhor”, disse.

06/11/2015 - Lançamento do coletivo A cidade que queremos. Foto: Guilherme Santos/Sul21
Foto: Guilherme Santos/Sul21

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