Cidades|z_Areazero
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23 de outubro de 2015
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21:35

Ameaçadas por obras da ponte do Guaíba, famílias lutam para permanecer em terreno do DNIT

Por
Sul 21
sul21@sul21.com.br
22/10/2015 - Ocupação Campos Verdes. Foto: Guilherme Santos/Sul21
Nome “Campos Verdes” se refere exatamente à vegetação do local | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Débora Fogliatto

Em um terreno escondido, onde se chega após o término de uma avenida e a passagem por uma área de mata verde, resiste uma comunidade acolhedora e unida. Apesar de deixarem transparecer sentimentos de tranquilidade, os moradores do Loteamento Campos Verdes carregam também preocupação e tristeza. Eles estão ameaçados de despejo, tendo 45 dias para sair do terreno onde vivem. O tempo, apesar de curto para se articular a permanência, foi conquistado na Justiça e já injetou um pouco de esperança à comunidade, que busca alternativas para conseguir se manter no local.

A área, que inicialmente pertencia à União, foi ocupada há um ano e três meses. No entanto, há cerca de um mês, o governo cedeu o terreno ao Departamento Nacional de Integração e Transporte (DNIT), órgão responsável pela realização das obras de construção da nova Ponte do Guaíba. Agora, a entidade pediu uma reintegração de posse para tirar os moradores de lá, sob a alegação de que o terreno seria necessário para a relocação de outras pessoas, que vivem em áreas afetadas pelas obras.

A princípio, os atuais moradores ocuparam também uma parte do terreno que seria pertencente à Prefeitura, mas após negociação com o Departamento Municipal de Habitação (Demhab), ficaram apenas na área ao lado, do governo federal. Foi o próprio Demhab que teria garantido, na época, que eles poderiam permanecer ali, mas agora, com a cedência do terreno para o DNIT, a situação mudou.

 Foto: Guilherme Santos/Sul21
Próximo à comunidade, prédios e condomínios estão sendo construídos | Foto: Guilherme Santos/Sul21

A área será destinada, paradoxalmente, para abrigar famílias vindas das vilas Areia e Tio Zeca, que serão removidas para as obras de construção da ponte. Uma das alternativas pensadas pelos que vivem na Campos Verdes é que possam ser incluídos nas moradias que devem ser construídas no próprio terreno para assentar as famílias, ou que sejam direcionados para outros programas habitacionais. Por serem menos de 100 famílias em um grande terreno, eles têm esperanças de que a primeira possa acontecer.

Segundo o advogado Tiago Selau, o prazo de 45 dias foi conseguido a partir de conversas com o Judiciário, quando ele explicou que a situação das famílias era delicada. “Não fizemos proposta concreta, mas perguntamos qual seria a possibilidade de acordo. Falei então com o DNIT, eles em resposta disseram que o máximo que poderiam nos dar seria mais 45 dias para que as pessoas saíssem”, relata. Agora, ele trabalha para tentar aumentar um pouco mais esse prazo na Justiça.

A comunidade

O nome escolhido para a ocupação reflete bem o ambiente do local, cercado por árvores. Com as chuvas que afetaram a cidade nas últimas semanas, porém, a “rua” principal tornou-se um lamaçal e algumas árvores caíram, uma delas em cima de uma casa, amassando a estrutura de madeira e deixando buracos por onde a chuva entrou. Outras casas também acabaram encharcadas devido aos estragos provocados pelo granizo, mas a comunidade minimiza os danos, destacando que não houve alagamentos no loteamento. Eles buscam, mesmo assim, doações de lonas para amenizar os problemas.

Foto: Guilherme Santos/Sul21
Árvore esmagou telhado de casa, sendo arrancada pelos ventos | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Os moradores gostam de viver no local, que apontam ser de fácil acesso a ônibus. Poucos carros são encontrados na frente das casas, por onde passam pessoas de bicicleta e carroça. “Tem posto de saúde e colégio aqui perto, e as crianças frequentam a escola ali”, afirmou o presidente da Associação de Moradores da Campos Verdes, Fábio Eduardo Castro, referindo-se à Escola Estadual de Primeiro Grau Lions Club, na Rua Dona Teodora. A ocupação fica no bairro Humaitá, bem próximo ao Aeroporto Salgado Filho, onde seguidamente é possível ouvir o alto barulho e ver aviões ainda subindo em direção ao céu.

A moradora Silvana Almeida Rodrigues concorda, apontando que “todo mundo é trabalhador e é bem unido”. É a esse espírito de solidariedade que atribuem algumas conquistas, como o esgoto encanado, a limpeza da vila e o bom acesso à energia elétrica. Silvana é empregada doméstica e mora na área com seus dois filhos e o marido. Ela conta que a família vivia de aluguel na Vila Farrapos anteriormente, mas não foi possível sustentar a moradia. “Temos direito à moradia, mas não podíamos mais pagar. E como poderíamos economizar para comprar uma casa tendo que pagar aluguel?”, questiona.

Foto: Guilherme Santos/Sul21
Fábio (E) é presidente da Associação e articula permanência com o experiente Ronaldo | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Ela gostaria de permanecer no local e espera que haja boa vontade por parte dos responsáveis pela obra para incluir as famílias no projeto que será feito no local. Sua filha, Laiz, está no segundo ano do Ensino Médio e preocupada com o futuro: a jovem pretende entrar no Projeto Pescar, para fazer um curso de Logística. Neste fim de semana, irá fazer o Exame Nacional de Ensino Médio (Enem), já para testar como se sairá no próximo ano. Mas seus sonho é mais ambicioso. “Eu quero fazer faculdade de Medicina. Sei que é difícil, mas vou tentar”, garante ela, que diz ter boas notas no colégio, apesar da dificuldade com a matemática.

Já o pequeno Kaick se entende melhor com as contas do que com as letras, segundo sua mãe, que relatou que ele está aprendendo a ler e escrever. A casa deles faz divisa com a de Cleiton Rodrigues Santana, conhecido como Chiquinho, que vive com a mãe Ancelina. Tímida, ela escondeu o banner caprichado onde era possível encontrar informações sobre os lanches, salgadinhos e docinhos, que vende para a comunidade e sob encomenda. Além de se dedicar à cozinha, Celina também mantém uma pequena horta, com alface, couve e tempero verde. “Até já fiz um arroz com uma couve daqui”, relata. O sobrinho Kaick plantou um pequeno pé de feijão, que começou a florescer.

Por toda a comunidade, é possível encontrar famílias que vieram juntas, buscando um recomeço por falta de possibilidades de pagar aluguéis. “São pessoas que não foram incluídas em projetos sociais e, ao mesmo tempo, não conseguem adquirir uma casa”, resume Fábio.

 Foto: Guilherme Santos/Sul21
A família de Silvana vive em uma casa pequena, mas bem estruturada, e gostaria de permanecer no local | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Chiquinho menciona que, após a construção da Arena, os preços de aluguel na região subiram consideravelmente. “Se tivermos que sair, não tem para onde irmos. Antes de nos darem os 45 dias a mais, minha mãe chorava todos os dias”, contou o jovem. Segundo Fábio, o fato de não haver solução para os moradores é agravado porque são mais de 80 crianças até 11 anos vivendo no local, sem contar os adolescentes que também dependem dos pais, que fazem o número subir para mais de 100.

Fábio menciona que, caso pudessem ficar no local, o poder público poderia deixar as casas como estão e fornecer apenas as maiores necessidades, como saneamento básico e calçamento para a rua. “Sairia mais barato, mas eles não vão pensar assim. Está sendo construído um condomínio aqui perto e não querem que a vista seja para uma vila”, afirmou.

Os moradores têm empregos variados, na área de construção civil, serviços domésticos, reciclagem, entre outros. Mas há ainda uma parcela, composta por mulheres, que tira seu sustento de lanches e receitas variadas feitas por elas mesmas. Além de Celina, esse é o caso também da jovem Ludaine Siqueira da Silva, que aos 22 anos vende seus pães e cucas para a comunidade e arredores. Ela aprendeu o ofício trabalhando com isso durante cinco anos com seus pais, e agora faz sozinha, na casa que divide o terreno com as das outras duas irmãs. “A gente morava na rua Dona Teodora [próxima ao loteamento] com a nossa mãe, mas fomos casando e saindo. Começamos a ver onde havia oportunidade de morar”, relata.

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A jovem Ludaine faz e vende pães e cucas | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Há ainda diversos moradores preocupados com o futuro da comunidade e da região, que se mobilizaram e elegeram delegados no Orçamento Participativo. Quem mais articula as questões política é Ronaldo de Jesus Ezequiel, chamado carinhosamente de “véio” pelos mais novos. Ele, que conta já ter vivido em diversos locais da cidade e “conhecer todas as vilas”, já conseguiu entregar nas mãos do prefeito José Fortunati uma carta sobre a situação da ocupação, embora ainda não tenha tido retorno. Além disso, é também responsável pela confecção da faixa com o nome da Associação, por ser letrista há muitos anos.

Um dos delegados é Marcos Cunha de Souza, conhecido como “pastor”, que acredita que para a comunidade ser retirada, seria necessário apresentar uma alternativa. “Eles estão muito interessados em fazer uma ponte, mas isso não é uma preocupação com o humano. Onde está a consciência deles? As pessoas têm que ser prioridade”, disse.

Câmara

Para tentar ganhar força e permanecer no local, os moradores foram à Comissão de Habitação da Câmara de Vereadores (Cuthab), onde participaram de uma reunião na última terça-feira (20). Na situação, representantes do DNIT não compareceram, mas os parlamentares se comprometeram a articular um encontro com eles sobre o assunto. Foi sugerido, ainda, que o governo do Estado seja chamado para a discussão para tentar auxiliar com alternativas. O Departamento Municipal de Habitação, que segundo os moradores teria feito um acordo para seu permanecimento quando chegaram ao local, tenta negociar com o DNIT para que a remoção não ocorra agora, segundo afirmado na reunião.

DNIT

O Departamento informou ao Sul21 que “a área em questão está destinada à realocação populacional das famílias impactadas pelas obras da nova ponte do Guaíba. A autarquia está tratando judicialmente do assunto para reaver a área e evitar prejuízos ao cronograma do reassentamento e por consequência do andamento da obra. Com relação às famílias que ocuparam irregularmente o terreno, o DNIT informa não ser atribuição do órgão fazer o assentamento delas. Este é um problema social que deve ser tratado junto aos órgãos competentes para esta finalidade”.

Confira mais fotos:

Foto: Guilherme Santos/Sul21
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