Cidades|z_Areazero
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21 de julho de 2015
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11:28

Ocupação Pandorga reivindica uso social de área da Prefeitura abandonada há seis anos

Por
Sul 21
sul21@sul21.com.br
Foto: Guilherme Santos/Sul21
Área conta com dois galpões e uma parte externa | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Débora Fogliatto

A mais nova ocupação de Porto Alegre nasceu neste sábado (18), no bairro Azenha, com o propósito de ser um local de moradia, arte, teatro e circo. A Ocupação Pandorga abrange dois prédios históricos, inventariados pelo município, em um terreno de 1.122 metros, na rua Professor Freitas e Castro, número 191. A área pertence à Coordenação de Transportes Administrativos (CTA) e foi cedida à Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc), a partir do decreto 17.079, de 24 de maio de 2011. Os ocupantes, porém, afirmam que o terreno está abandonado há seis anos.

A Ocupação foi feita por famílias e coletivos culturais da cidade, a partir de observação e pesquisa a respeito da área, embora haja poucas informações públicas sobre o local. A ideia não é obter a posse do terreno, visto que a ocupação é feita exatamente na lógica de ser contrária à privatização da cidade. “Queremos ter a certeza de que a Prefeitura destine essa área para fins sociais e de moradia. Só vamos sair daqui com essa garantia”, explicou Marina Fernandes, que morava na Ocupação Violeta e agora se mudou para a Pandorga.

Ela afirma que a Guarda Municipal já esteve no local, indicando que o Executivo Municipal está ciente da ocupação, mas apenas para pedir informações e afirmar que iriam contatar a Fasc. Circula na ocupação a informação de que o terreno teria sido cedido à Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), porém isto não foi confirmado pela instituição privada, segundo a qual apenas a Prefeitura deverá falar sobre o assunto.

Foto: Guilherme Santos/Sul21
Local está abandonado há seis anos, segundo ocupantes | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Essa é uma das reivindicações dos novos moradores: “Não queremos que isso seja doado para a ESPM, que é uma das faculdades mais caras da cidade e poderia pagar por espaços para se expandir”, afirmou Marina. Em manifesto divulgado no Facebook, a Ocupação também critica a medida: “um local que era para ser reformado pela Prefeitura e destinado ao social, após ser sucateado, está sendo encaminhado para a iniciativa privada, assim como aconteceu com vários outros lugares que deixaram de ser públicos na cidade”.

O grupo critica, também em sua página do Facebook, a falta de atuação da Fasc no local: “Nestes quatro anos, a única vida que surgiu nos galpões foi o mato que resiste a tudo. A FASC não se apropriou do espaço. Enquanto isso, a população de rua sofre com o sucateamento dos Centro Pops, dos albergues e, destacamos, a falta de um restaurante popular na cidade”.

Isso revela uma lógica de privatização e falta de políticas sociais, reforçada pela remoção realizada na vila ao lado da construção, a Cabo Rocha, cujos moradores foram reassentados no Condomínio Princesa Isabel, segundo os ocupantes da Pandorga. O diálogo com a comunidade tem sido frutífero e um dos apoiadores, que está ajudando a comunidade a se estabelecer, Pepe Martini, conta que os novos moradores foram bem recebidos pelos vizinhos. “Queremos aproximar mais gente, com prioridade para a comunidade da vila, que tem déficit habitacional e pode aproveitar esse espaço. Também agregamos famílias e pessoas que queiram se somar”, explicou o jovem, que mora na Ocupação Violeta.

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No terreno, foi encontrado lixo, goteiras e móveis antigos | Foto: Guilherme Santos/Sul21

O local era um depósito da Coordenação de Transportes Administrativos, mas atualmente dentre o lixo e entulho remanescente estão apenas algumas escrivaninhas, armários, cadeiras, jornais — o mais novo data de 2009 –, com madeiras quebradas no chão, goteiras e mato na parte externa. Os moradores ainda não têm gás, o que impede que cozinhem, mas devem adquirir um botijão já nesta terça-feira (21). Também não há luz e água, por enquanto, por isso, quando escurece, começam a acender velas.

Os ocupantes também baseiam seus argumentos em um concurso realizado no 3º Congresso Internacional de Sustentabilidade e Habitação de Interesse Social, que premiou três iniciativas feitas por estudantes de Arquitetura e Urbanismo de soluções para aquela área. Dentre as vencedoras, todas propunham espaços que integrassem a comunidade Cabo Rocha com o terreno da Pandorga e tornasse a região propícia para moradia social e cultura. “Queremos esse envolvimento com teatro e circo, essa comunidade precisa de mais espaços culturais”, defende Pepe. “Ontem, as crianças da vila tiveram contato com apresentações culturais que fizemos aqui, ficaram muito empolgados”, completou Marina.

Vida circense

Oito dos moradores são membros da família Nandayapa: pai, mãe, cinco filhos e a esposa de um deles, todos artistas circenses da companhia Xutil. Eles vieram do México em sua van, fazendo apresentações por toda América Latina até chegarem a Porto Alegre, em um trajeto que demorou cerca de 18 meses. “A nossa ideia era conhecer outros grupos de teatro, fazer redes de cultura. A intenção era voltar dentro de um ano, mas era muito pouco tempo”, explicou Yalu, a mãe.

A família chegou no final de maio à capital gaúcha, com a intenção de ficar um mês, mas já permanece há mais tempo. Ao buscar um lugar para morar, encontraram a Ocupação Violeta, que apoiou a criação da Pandorga. “Viemos buscando gerar processos culturais nas comunidades, queremos recuperar o espaço e fazer oficinas de teatro e circo”, diz Yalu em espanhol. Ela explica que a família ainda não sabe quanto tempo pode permanecer legalmente no país, mas pretende morar na Pandorga até este tempo se esgotar.

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O jovem Ende é um dos artistas circenses que veio com a família | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Ela e o marido, Walter, juntamente com os filhos, são especializados em teatro callejero, que ela explica não ser sinônimo de teatro de rua ou teatro popular. A companhia já teve contato com alguns grupos que identificou terem propostas similares à sua, como a Cambada de Teatro em Ação Direta Levanta Favela e o Terreira da Tribo. “Queremos aprender os processos de teatro daqui, que identificamos na nossa viagem ser um dos países com mais fluidez e inquietude no teatro”, refletiu Yalu.

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No momento, moradores vivem em barracas e colchões dentro de um dos galpões | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Os programas culturais já irão começar, com uma sessão de cinema nesta terça-feira (21), a partir das 18h, primeiro de um filme infantil e depois do documentário Dandara, alem de oficinas de teatro e circo na quinta (23) e sexta-feira (24), respectivamente. Os moradores precisam de doações de “tudo que se precisa em uma casa”, conforme resume Marina, como utensílios de cozinha, eletrodomésticos, colchões, cobertores, materiais de construção, produtos de limpeza, velas, e contribuições diversas. Mais informações de como ajudar e da programação cultural podem ser encontradas na página da Pandorga no Facebook.

O Sul21 entrou em contato com a secretaria de Administração e com a Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc) para esclarecer a situação do terreno, mas não obteve resposta até o fechamento da notícia.

Confira mais fotos:

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7622GS200715-14
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