Opinião
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15 de janeiro de 2014
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11:32

Tarso Genro e o capitalismo de Estado: um encontro com a ideologia de José Dirceu (por Roberto Robaina)

Por
Sul 21
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Tarso Genro e o capitalismo de Estado: um encontro com a ideologia de José Dirceu (por Roberto Robaina)
Tarso Genro e o capitalismo de Estado: um encontro com a ideologia de José Dirceu (por Roberto Robaina)

Tarso Genro escreveu um artigo cujo título é “Uma perspectiva de esquerda para o Quinto lugar”. A leitura do texto nos ajuda a compreender por onde andam as bases teóricas do autor que atualmente é governador do Rio Grande do Sul, além de uma das principais referencias do PT nacional e a mais reconhecida do PT gaúcho.  Como veremos, Tarso aponta algumas novidades em suas formulações se comparadas com as elaborações que apresentou a partir dos anos 90. Novidades, contudo, que mantém uma linha de continuidade.

Depois de abandonar o marxismo nos desdobramentos da queda do muro de Berlim e assumir a defesa do capitalismo “humanizado”, flertando com o liberalismo e a socialdemocracia – cuja expressão no terreno político foi sua defesa da aliança com o PSDB em 1994 – agora Tarso assume uma posição mais intervencionista na economia e a defesa do capitalismo de Estado, flertando com o Partido Comunista Chinês. A linha de continuidade é o abandono do marxismo, a rejeição à ideia da revolução, o flerte permanente com a socialdemocracia e a defesa do capitalismo. Estas conclusões são derivadas diretamente dos argumentos de seu texto, embora seu ecletismo não colabore tanto na clareza da exposição.

Tarso começa afirmando que “o Brasil ficou em segundo lugar, em 2013, no ranking entre os 90 países que elevaram taxas de juros, só perdendo para a República de Gâmbia, fechando-a em 10% ao ano”. Desta frase inicial não conclui que a economia brasileira está garantindo altíssimas rendas para um punhado minúsculo de famílias proprietárias dos títulos públicos, entre outros papeis que drenam a riqueza nacional para a oligarquia financeira.  A frase seguinte parece querer anular a importância do dado anterior ao registrar que em “2023 seremos a 5º economia do mundo”. Daí a razão do título de seu próprio artigo.

O texto se desdobra na comparação entre o Brasil e a China. Como todos sabem e Tarso lembra, a China teve um espetacular crescimento ao longo dos últimos anos. Afirma que “ sobre o caso Chinês – seu processo de desenvolvimento econômico e social acelerado – podemos prestar atenção em seus métodos não-democráticos (dentro das perspectivas das democracias ocidentais) ou, por escolha ideológica, só no fato histórico formidável de um pais que tirou da miséria e da doença um Brasil e meio em mais ou menos 30 anos”. Tarso propõe que se leve em conta os dois processos, isto é, seu espetacular crescimento e promoção social dos mais pobres e “o regime político não-democrático  para os nossos olhos “. Sua conclusão , embora sem muita convicção pela formulação disjuntiva da frase ( apresentada como pergunta)  é que o que acontece ali é um progresso humanista de cunho social, que tem elementos importantes de valor universal.  Com esta visão Tarso retorna ao Brasil para afirmar que o país deve olhar com atenção a experiência chinesa, o que ela tem de universal, para se consolidar na perspectiva de ser a quinta economia do mundo, e também a “ 5º em distribuição de renda, 5º em educação…” Tudo isso mantendo os compromissos do país “com a democracia e a República” (não sei quem está defendendo que o Brasil volte a ser uma monarquia)

O texto de Tarso segue então sustentando que os governos do PT não conseguiram uma correlação de forças favorável para obter recursos necessários para financiar a saúde e para um reordenamento melhor da federação. E finalmente reconhece que foram “obrigados” pelo mercado a aumentar a taxa de juros. Não deixa claro, contudo, quem são os agentes desta tutela, desta pressão tão pesada sobre os governos do PT. Não diz uma palavra sobre quem são os representantes de tais mercados com tanto poder que drenam boa parte dos recursos públicos para seus próprios interesses. Afirma apenas que o Brasil precisa de “reformas para que possamos ser outro país, integralmente”.

Assim, depois de afirmar que o Brasil precisa olhar para o que existe de universal na experiência chinesa, Tarso nos propõe… “reformas” para que “a democracia volte a ter sentido”. Aqui pelo menos vemos uma posição realista, uma crítica, embora tímida, a uma democracia que é cada vez mais apenas uma forma de dominação do capital financeiro. Ocorre que depois de dez anos de governos do PT, Tarso insiste no caminho das reformas,  mas sem apontar claramente contra que setores e quais medidas devemos adotar. Chama atenção que corretamente Tarso reivindique a revolução chinesa como um processo fundamental na construção da China dos últimos anos, mas sua apreciação de que o crescimento ocorreu “nos ultimos 30 anos”, justamente quando as reformas capitalistas começaram a ser implantadas na China, sugere que atribua a redução da pobreza aos planos restauracionistas e não às medidas econômicas e sociais da revolução. Subtraindo a revolução, o que sobra de universal na experiência chinesa?  Para Tarso devemos prestar atenção para o monopólio do poder do Partido Comunista e seus planos econômicos de associação e controle com o capital privado internacional, bem como o estímulo centralizado a partir do Estado, dos capitais locais.

Neste ponto, embora usando a autoridade de Perry Anderson, suas posições não tem ambiguidade: “ a combinação do que é agora, de acordo com qualquer medida convencional, uma economia predominantemente capitalista, com o que todavia é, inquestionavelmente – de acordo com qualquer medida convencional – um Estado comunista, sendo ambos os mais dinâmicos de sua classe até hoje”. “ Ou seja: planejamento de longo curso através do Estado, dinâmica de mercado capitalista contida por regras de distribuição “pétreas”, monolitismo político para a aplicação das normas do novo modelo”.

Creio que não podia ficar mais clara a simpatia de Tarso pelo capitalismo de Estado chinês. Esta posição revela uma mudança do autor, como disse no início do texto. Como expressão intelectual de uma pequena burguesia, Tarso reflete as pressões do período e das conjunturas. Em meados dos anos 90 seu abandono do marxismo e entusiasmo com o liberalismo socialdemocrata expressava a ascensão do capitalismo liberal pós- queda do muro de Berlim e em expansão na esteira das revoluções da informática. Seu horizonte era o capitalismo como único sistema possível e sua ênfase maior no terreno político, sua marca diferencial encontrava-se na defesa da liberdade e uma rejeição mais enfática das experiências stalinistas. Sem ligação forte com aparelhos políticos, no final dos anos 90 chegou a posições mais à esquerda do que a própria cúpula nacional do PT, quando na crise do governo FHC, defendeu o impeachment do presidente. Foi repreendido e retornou às teses oficiais, se acomodando na situação de classe de uma pequena burguesia socialmente próxima da burguesia e no seu caso individual integrando logo depois o aparelho estatal burgues. Agora, com a crise do capital, a confiança desta intelectualidade na sustentabilidade do sistema ficou abalada. Por isso busca refúgio nas experiências do capitalismo de Estado. É provável que tenham novos abalos em suas convicções. Em seu texto Tarso chega ao ponto de afirmar que a China será a economia mais forte do século XXI, caracterização cuja confirmação é muito duvidosa como mínimo. As tendências de polarização de classe, com as inúmeras greves operárias, por um lado, assim como a ineficácia burocrática e a crescente anarquia da produção que acompanhará o desenvolvimento do capitalismo chinês, por outro lado, devem logo mostrar sua potencia.

Sobre as posições atuais expressas neste artigo de Tarso, é preciso que se faça justiça e se diga que no interior do PT não são novidades. José Dirceu tem disso um defensor permanente destas teses. Na presidência do PT e no seu comando do partido consolidou na estrutura dos quadros de direção do PT uma ideologia que, abandonando a ideia da revolução sem deixar rastros, assimilou a defesa de um capitalismo nacional associado com o capital internacional , mas com mediação do Estado, tratando de fortalecer o PT como instrumento de poder com relativa autonomia na relação com os grandes monopólios privados capitalistas. A partir desta sua posição adotou medidas para desenvolver e consolidar uma burocracia política com cada vez mais poder no aparelho estatal. E com este poder político foi adotando medidas para fortificar no terreno econômico e social esta nova camada burocrática com privilégios cada vez maiores que passou a defender seus próprios interesses.

Os dez anos de governo do PT permitem que se façam avaliações concretas destas políticas. O projeto do BNDES de incentivo aos grandes monopólios empresariais é uma das marcas da gestão petista. Os recursos públicos que Tarso tanto reivindica estão ai. Seria útil, por exemplo, que Tarso explicasse quais são suas conclusões do financiamento do BNDES ao empresário Eike Batista. Este sujeito que foi apresentado como modelo de capitalismo defendido pelo PT. E sua falência indica o que? Tarso precisa também explicar se seu projeto político forte significa manter e fortalecer sua aliança com o PTB, partido que, segundo as declarações dos líderes do PT, será promovido para assumir o cargo de vice-governador. Isso depois que mais uma vez as fraudes na secretária de obras do governo estadual deixam claro o caráter mafioso das ações levadas adiante por este partido.

A nossa aposta é outra. Apostamos no movimento. Defendemos um Estado de novo tipo, onde os monopólios privados capitalistas percam o poder e a propriedade, mas onde o poder venha de baixo e constantemente seja renovado por novas ações e novos movimentos que impeçam a cristalização burocrática. É claro que este não é um caminho fácil. O certo, porém, é que o caminho do capitalismo, seja ele liberal ou de Estado, não nos serve. Este é o sistema que prepara catástrofes cada vez maiores.

Roberto Robaina é dirigente nacional do PSOL


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