A recente greve dos rodoviários de Porto Alegre está sendo mais um importante e intenso momento de aprendizado sobre luta política na atual conjuntura brasileira. Afinal, como se diferenciar do peleguismo, vinculado aos interesses patronais, sem se deixar levar pelo discurso esquerdista?
A greve parece ter tido três fases: num primeiro momento a greve partiu de um movimento da atual direção sindical, buscando se legitimar perante a base e ao mesmo tempo fazendo um movimento de interesse dos empresários. Porém, rapidamente passou a ser conduzida pelo Movimento Independente Rodoviário, com alguns de seus dirigentes ligados a CUT, que passaram a afirmar a autonomia do movimento e sua força de mobilização de base para obter conquistas efetivas para a categoria. Porém, num terceiro momento, essa direção passou a ser tensionada por segmentos ligados ao Conlutas e ao Bloco de Lutas, para uma radicalização completa e um impasse indefinido.
O peleguismo simboliza uma relação clássica na história sindical, e porque não dizer da política brasileira. Seus dirigentes se apresentam como defensores da sua classe, mas mantem uma interlocução, nem sempre transparente, com os empresários e o governo, criando canais para o atendimento de interesses pessoais e privados, em detrimento dos direitos da sua classe, trazendo óbvios prejuízos de cooptação e incapacidade de realizar movimentos de efetiva mobilização.
Por outro lado, o esquerdismo que recentemente tem tido um crescimento no movimento sindical brasileiro e em segmentos das manifestações sociais, tem consequências tão ou mais graves para as classes que pretensamente defende.
O esquerdismo considera toda a luta sindical como um movimento tático em direção a um processo de ruptura revolucionária. Na verdade, suas mobilizações têm muito pouco a ver com a luta pelos direitos de determinada categoria, a qual é utilizada para produzir agitação e crises que sejam capazes de demonstrar ao conjunto da classe trabalhadora, a sua condição de opressão.
Porém, invariavelmente, a consequência do esquerdimo para as categorias que pretensamente defende é tão prejudicial quanto as ações do peleguismo. E a situação no movimento rodoviário mais uma vez comprova isso.
A mobilização que teve a grande virtude de fazer uma ruptura com o peleguismo e detinha grande apoio da sociedade, tem caminhado rapidamente em direção a um isolamento social completo e com possíveis resultados negativos para as suas próprias reivindicações trabalhistas.
A empolgação produzida por um movimento coeso e unido sempre faz o esquerdismo acreditar que esteja a beira de uma ruptura institucional e esgarça todas as forças do movimento ao seu limite, deixando ao final um movimento exaurido e sem vínculos de solidariedade com as massas trabalhadoras.
É claro que os grandes meios de comunicação sempre que podem influenciam a sociedade para uma posição contrária a qualquer tipo de mobilização social. Porém, o esquerdismo lhes dá a força que precisam para efetivamente hegemonizar a sociedade e bloquear qualquer processo de disputa cultural e de consciência.
A mesma situação vem ocorrendo nas manifestações de rua. Num primeiro momento iniciadas como luta por direitos e transformações, rapidamente têm desbancado para ações de confronto direto, com uso da violência, perdendo o apoio da sociedade e favorecendo os segmentos interessados na manutenção do status quo e fortalecendo os segmentos historicamente defensores do discurso da ordem mediante a força, que hegemonizaram o país por diversos momentos ao longo do século XX.
O grande desafio nessa conjuntura é se manter como uma posição em defesa dos direitos dos trabalhadores, efetivamente comprometida com mudanças sociais e econômicas profundas no País, sem se deixar envolver por nenhum desses dois pólos do movimento social e sindical.
A dificuldade, porém, é que alguns segmentos, que ainda sofrem de crise de consciência entre o seu programa revolucionário e tarefas políticas dentro da institucionalidade do País e outros segmentos excessivamente encantados com essa institucionalidade, têm tido cada vez mais dificuldade em assumir um discurso de enfrentamento com essas duas posições.
Da capacidade de se diferenciar do peleguismo e do esquerdismo depende a sobrevivência e a força de um projeto de esquerda no Brasil, que não seja cooptado pelo jogo permanente ora de sedução, ora de chantagens dos mercados, e nem pelo romantismo rupturista.
Uma identidade ao mesmo tempo socialista, catalizadora de mobilizações reivindicatórias, num processo de disputa permanente de hegemonia e capaz de realizar transformações estruturais na divisão das riquezas do País; e efetivamente comprometida com a democracia e os direitos humanos. Esse é um compromisso que nem o peleguismo, nem o esquerdismo têm interesse. Afinal, ambos, seja por ou lado ou pelo outro, estão mais preocupados com seus interesses privados, custe o que custar.
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Alberto Kopittke é vereador de Porto Alegre e advogado.