Opinião
|
25 de março de 2014
|
14:48

Por que não temos uma Stanford no Brasil? (por Marcelo Saraceni)

Por
Sul 21
sul21@sul21.com.br
Por que não temos uma Stanford no Brasil? (por Marcelo Saraceni)
Por que não temos uma Stanford no Brasil? (por Marcelo Saraceni)

Para entender o nosso cenário atual, precisamos voltar um pouco no tempo. O Brasil foi um dos últimos países das Américas a ter uma Universidade. Somente em 1810 tivemos as primeiras Academias Reais Militares para formar médicos, engenheiros e advogados para atender à Corte Portuguesa, que se estabelecia em nossas terras. Tivemos um lento desenvolvimento do nosso sistema educacional, principalmente no ensino superior o que nos levou à um grande atraso tecnológico, social e econômico. O Brasil assistia o mundo se desenvolver ouvindo o Repórter Esso no rádio. Em 1959, tínhamos pouco mais de oitenta e seis mil alunos estudando em uma universidade em todo o Brasil, uma das mais baixas taxas do mundo.

Enquanto isso, os Estados Unidos da América desenvolviam suas Universidades com foco no empreendedorismo, através de uma estreita aliança entre o meio empresarial, o estado e a universidade, criando complexos ecossistemas de inovação que geravam círculos virtuosos de inovação e empreendedorismo. Stanford talvez seja o mais famoso exemplo desse modelo. Stanford é considerada uma das cinco melhores Instituições de ensino superior dos EUA, mas não é isso que a define melhor. Se considerarmos a receita anual das Stanford Startups chegaremos a um valor superior aos 2,7 trilhões de dólares .Corporações como Google, Yahoo, Nike, Sun Microsystems e Hewlett-Packard foram criadas dentro da Universidade. Diversos fatores contribuíram para isso como o clima empreendedor de Stanford, seu relacionamento com as empresas que orbitam o campus no Vale do Silício, a pesquisa financiada com saídas em forma de metodologias, ferramentas e principalmente negócios embrionários com grande potencial. Essas organizações geralmente tem o seu desenvolvimento alavancado pelo escritório de licenciamento de tecnologia de Stanford (OTL), financiado por investidores locais e incentivadas pelo Estado, viabilizando um ecossistema inteligente, empreendedor e criativo.

Diversos ecossistemas foram e continuam sendo criados ao longo do tempo, em toda a história da humanidade. O mundo não seria o mesmo se Cosimo de Médici, um banqueiro de Florença que possuía um controle político quase total do Estado não incentivasse o maior intercâmbio cultural da história até então, durante o Concílio de Florença em 1439. Esse concílio tinha objetivo primário de pacificar a Igreja, mas na verdade ao reunir cientistas, filósofos, artistas, arquitetos, religiosos detentores de grande parte do conhecimento mundial e integrar todo esse conhecimento através da primeira grande biblioteca pública, academias culturais e mecenato transformou a cidade no berço do renascimento, criando o primeiro ecossistema de Inovação do mundo moderno. Paris do começo do século 20 foi outro exemplo. Na Europa de hoje, temos o crescimento da Corporación Mondragón, composta por 289 empresas e cooperativas, uma universidade, além de 15 centros de pesquisa e geração de conhecimento. A sofisticada teia de empreendedorismo sistêmico desenvolvida, costurada por alianças duradouras e lucrativas entre as empresas, a Universidade e seus centros de pesquisa além das prefeituras, do governo basco e do espanhol garante um nível de empreendedorismo, inovação e desenvolvimento sem parâmetros na Espanha atual, afetada por uma grave crise.

Por quê então não desenvolvemos ecossistemas como Florença, Paris, Stanford, Mondragón e diversos outros no Brasil? Se temos uma tão alardeada capacidade de inovação, se temos exemplos fantásticos de grandes empreendedores, se durante alguns anos fomos umas das estrelas do desenvolvimento mundial, por quê não conseguimos criar nada parecido?

Em primeiro lugar, para que isso aconteça é preciso vontade política e apoio do estado. Políticos e gestores públicos visionários, dispostos a planejar e investir a longo prazo ainda que os dividendos dessas ações demorem mais a aparecer do que seus mandatos a acabar. Em segundo lugar, grupos educacionais privados ou reitores de instituições públicas dispostos a quebrar paradigmas mercadológicos e estruturais limitantes. Em terceiro, empresas que vislumbrem todo o potencial em produtividade e inovação originado por um ecossistema de inovação a médio e longo prazo. Se conseguirmos transpor essas barreiras, o gigante acorda de vez.

Marcelo Saraceni é Presidente da ABIPG – Associação Brasileira das Instituições de Pós-Graduação, especializado em planejamento estratégico, inovação estratégica e ensino superior.

Sul21 reserva este espaço para seus leitores. Envie sua colaboração para o e-mail op@homolog.homolog.sul21.com.br, com nome e profissão.


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora