Cidades|z_Areazero
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5 de outubro de 2016
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22:43

Impasse legal dificulta geração de renda para comunidade de recicladores no Humaitá

Por
Sul 21
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Visita à Comunidade Beira do Rio para tratar demandas da comunidade | Foto: Josiele Silva/ CMPA
Visita à Comunidade Beira do Rio para tratar demandas da comunidade | Foto: Josiele Silva/ CMPA

Débora Fogliatto*

A comunidade da vila Beira do Rio, no bairro Humaitá, passa por um momento de dificuldades por não conseguir exercer sua principal atividade remunerada, a reciclagem. A maior parte dos moradores sempre trabalhou como catador, mas, com a proibição da circulação de carroças, não consegue mais atuar nessa atividade. Ao mesmo tempo, não se sentem contemplados pelas alternativas oferecidas pela Prefeitura para formação e geração de renda disponíveis e buscam regularizar uma usina de triagem própria. No entanto, devido à falta de verbas, a estrutura não é suficiente para receber os materiais provenientes da coleta seletiva feita pelo Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU).

Os moradores procuraram a Comissão de Direitos Humanos e do Consumidor (Cedecondh) da Câmara de Vereadores, relatando a situação e buscando o apoio dos parlamentares. “São 32 famílias, das quais só uns 4 ou 5 trabalham de empregado, o resto todo mundo depende da reciclagem. Nós vamos e fazemos o recolhimento e cada um traz pras suas casas e recicla. Mas como foi feita a proibição das carroças, dificultou”, explica o presidente da Associação de Moradores e Amigos da Vila Beira do Rio (Amavbr), o reciclador José Pedro Soares.

A comunidade gostaria de conseguir regularizar o galpão que começaram a construir, mas o DMLU afirmou não ter condições de auxiliar nesse processo. “Não há possibilidade de destinar resíduos sólidos com o galpão em condições precárias. Temos que seguir o que diz a legislação”, afirmou o diretor da Divisão de Limpeza e Coleta do DMLU, Felipe Kowal, durante visita do Departamento e dos vereadores à comunidade. Atualmente, a política de reciclagem é gerida pelo programa Todos Somos Porto Alegre, que administra as 18 unidades de triagem existentes na cidade.

Galpão de reciclagem improvisado construído pela comunidade da Vila Beira do Rio | Foto: Josiele Silva/ CMPA
Galpão de reciclagem improvisado construído pela comunidade da Vila Beira do Rio | Foto: Josiele Silva/ CMPA

Para entrar no programa, seria necessário melhorar o galpão, respeitando as exigências legais. Nem todas as comunidades têm como cumprir os requisitos, mas o Todos Somos têm como objetivo auxiliar mais recicladores a se tornarem cooperativados e regularizar seu trabalho, segundo a coordenadora do programa, Denise Souza Costa. “Agora estamos indo para comunidades que ainda não estão organizadas, mostrando para pessoas que elas podem se organizar, mas tem várias condicionantes. Não pode ser em ocupação, terreno que alague, que seja de risco, por exemplo. Mas queremos que vejam que eles organizados, têm mais chances de evoluir”, garante.

Esse pode ser um entrave para que a vila receba uma unidade de triagem: o local, ocupado há cerca de 20 anos, não está totalmente regularizado. Segundo José Paulo, a área pertence ao Estado, mas pedidos de reintegração de posse já foram negados três vezes pela Justiça e, atualmente, um processo de usucapião tramita em favor dos moradores, mas ainda sem conclusão. Por ser próximo da Arena do Grêmio, os moradores desconfiam que, em breve, o Grêmio queira comprar o terreno, situação em que esperam ser indenizados, mas que por enquanto não passa de especulação.

O vereador Alex Fraga (PSOL), vice-presidente da comissão, relata que, além disso, o galpão tem o telhamento só até a metade e não tem paredes. “Todo o esforço partiu da comunidade, que reuniu dinheiro, botou mão na massa, fizeram em esquema de mutirão. Mas precisam qualificar o espaço para receber o material. Eles receberam doações, de piso por exemplo, mas é uma situação bem delicada, uma comunidade bem carente. Pedimos que os técnicos do DMLU apontassem ou indicassem projetos que existem para que a comunidade pudesse ter algumas diretrizes pra fazer os melhoramentos necessários”, explicou Alex.

No entanto, enquanto o entrave não se resolve, a situação da comunidade está cada vez mais grave, de acordo com José Pedro, que explica que as famílias estão “vivendo de migalhas, de bicos”. “Não sei até quando vão conseguir se manter assim. A princípio, eles [técnicos do DMLU] disseram que teria que ser um galpão de alvenaria, que tem que desmanchar todo e fazer de novo, isso dificulta um pouco. Se botasse um telhado e fechasse na volta, daria pra trabalhar uma porção de pessoas ali, só não estamos porque não tem telhado, não tem como abrigar todo mundo!, afirma o líder comunitário.

Outro ponto que tem dificultado a geração de renda é o fato de a Prefeitura estar também multando a van que havia sido comprada pela comunidade, após a proibição das carroças. “Eles tinham parcerias com alguns condomínios das proximidades, iam até lá e combinavam com moradores um horário para buscar os resíduos. Não podiam mais usar a carroça, então compraram um caminhãozinho e fazem a captação e a triagem. Mas EPTC está em cima, porque veículos sem autorização não podem fazer esse tipo de coleta, então estão tendo os veículos multados”, explica Alex.

Apesar das dificuldades que cercam a comunidade da vila Beira do Rio, a reciclagem feita de forma autônoma pode ser uma alternativa viável para a comunidade, segundo o diretor geral adjunto do DMLU, Vercidino Albarello, explicou em reunião na Câmara. De acordo com ele, pode ser adotado um sistema onde seja autorizada a separação do lixo em uma unidade não cadastrada oficialmente. “A comunidade pode entrar em acordo com locais que forneçam resíduos e realizar a coleta. Para isso, cabe analisar a situação e a possibilidade de adequação dos coletores, em um processo parecido ao que ocorre na Vila Santo André”, afirmou. Esse processo, porém, também pode ser dificultado devido ao fato da situação não ser regularizada, assim como o fornecimento de água e a pavimentação das vias. A Câmara pretende auxiliar no diálogo com os órgãos responsáveis na tentativa de encontrar uma solução para a situação das famílias da Beira do Rio.

*Com informações da Câmara de Porto Alegre


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