Débora Fogliatto
Adultos e jovens em situação de rua ou de vulnerabilidade social se tornaram artistas a partir da oficina do Núcleo de Trabalho Educativo (NTE) da Escola Municipal de Ensino Fundamental Porto Alegre (EPA), onde estudam. A exposição E do Barro Fez-se a Vida – Arte, Memória e Resistência da Escola Porto Alegre, que foi aberta nesta quinta-feira (13) na Câmara Municipal, reúne trabalhos em cerâmica, papel artesanal reciclado, xilogravuras, pinturas e fotografia. A mostra faz parte das comemorações dos 21 anos da EPA, instituição que recebe, na maioria, alunos em situação de rua e que no ano passado enfrentou tentativas de fechamento por parte da Prefeitura.
A responsável pela oficina é a professora Adela Teresa Bálsamo Armando, artista plástica especialista em argila, que chegou à EPA por acaso e nunca mais quis sair. Ela começou a trabalhar com argila na rede municipal inicialmente com estudantes kaingangues no Morro do Osso, enquanto trabalhava em outra escola ao mesmo tempo. “Houve um problema na outra escola e me transferiram para a EPA. Um tempo depois, me disseram que eu podia escolher outra escola, e eu disse que queria ficar ali. Passei a trabalhar em sistema de ateliê, com cerâmica, que sempre foi meu sonho. Foi uma coisa muito maravilhosa, porque os alunos que vêm para a escola têm um potencial, uma gana, vontade de trabalhar, de fazer coisas diferentes”, constata ela, que agora está prestes a se aposentar e foi homenageada no evento.
Para a diretora da escola, Jacqueline Junker, a exposição cumpre seu papel e é parte da luta pelo não-fechamento da escola. “Com a arte, vocês estão mostrando que têm beleza, que não são invisíveis. Se vocês estão nas ruas é porque a cidade falhou com vocês, como cidadãos”, afirmou, durante a abertura da mostra. Segundo Adela, os estudantes que fazem o curso se adaptam muito bem ao ambiente do ateliê. “É uma aula mais livre, onde eles podem criar, podem fazer o que eles quiserem. Por que as pessoas gostam tanto do trabalho deles? Porque são coisas da vida deles, do cotidiano deles, dos sonhos deles. Como a argila é altamente terapêutica, é uma forma de descarregar muita coisa ali, mas também de aprender, a surpresa deles de ver o que eles próprios conseguem fazer”, aponta.
Um dos artistas que expõe pinturas, xilogravuras e esculturas em argila é José Henrique Saloio Perdomo, que conta gostar de desenhar desde os sete anos de idade, mas apenas na EPA ter conseguido desenvolver o talento. “Tive a oportunidade de aprender mais ainda, outras técnicas, fazer papel. Eu fiz esculturas, pinturas, xilogravura”, conta ele, que está no equivalente ao nono ano na escola, o último do ensino fundamental. Ao ser questionado sobre onde mora, respondeu apenas que vive “aqui e ali, me viro”. “O meu sonho é me formar e queria ser um professor de artes
numa escola, dar aula de artes para crianças”, relata José Henrique.
O caso de Adroaldo Mendonça Borges é semelhante: apontado como o artista que mais tem obras na exposição, ele conta que já desenhava quando criança, mas foi se aperfeiçoando quando entrou no NTE. “Comecei fazendo desenho de carrinho no caderno, daí fui aprendendo a fazer uma árvore, uma caricatura. E assim fui chegando num trabalho em 3D alternativo, mais evoluído, mais eclético, vibrante, cheio de vida, pra chamar atenção e ao mesmo tempo demonstrar felicidade, conhecimento, a emoção de estar estudando e participando de um grupo de aprendizado como esse”, reflete.
Adroaldo está há dois anos na oficina, onde também produz papel artesanal. Na EPA, os estudantes aprendem a confeccionar folhas e produtos diversos, como cadernos e bloquinhos, que posteriormente são comercializados. “Eu participo também do curso de economia solidária e assim vou me motivando a me esforçar, aprender, evitar os maus caminhos”, relata ele, que produziu desenhos, xilogravuras e esculturas em cerâmica. Cursando o equivalente ao sétimo ano, ele afirma que pretende continuar estudando e investindo na carreira artística mesmo quando sair da escola.
Atualmente, a EPA continua em funcionamento graças a uma decisão judicial, que proibiu a Prefeitura de fechar a escola, no início de 2015, a partir de ação ajuizada pelas Defensorias Públicas Estadual e Federal. O objetivo da Secretaria Municipal de Educação (Smed) era utilizar o local para construir uma escola de educação infantil, mas a comunidade escolar e as Defensorias argumentam que isso não pode ser feito com o fechamento de outra escola. “Depois que começou toda essa questão de querer fechar a EPA, o número de alunos aumentou, porque o pessoal da rua passou a conhecer mais a escola. Muita gente não sabia que existia, isso triplicou o número de alunos, vieram parcerias de todos os lados”, afirma a professora Adela.
A exposição pode ser conferida até o dia 27 de outubro, das 9 às 17 horas, com entrada gratuita, no Espaço Cultural Tereza Franco, no 2º piso da Câmara Municipal.
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