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24 de fevereiro de 2017
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21:47

Vídeo mostra ação da Brigada Militar contra senegaleses em Passo Fundo

Por
Sul 21
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Policial militar da bike patrulha imobiliza senegalês durante ação da fiscalização | Foto: Reprodução

Fernanda Canofre

Uma ação de fiscalização da prefeitura municipal de Passo Fundo, no norte do estado, abriu novamente a polêmica sobre como o poder público e polícias vem tratando a questão de vendedores ambulantes, especialmente estrangeiros, em todo o estado. No vídeo de um minuto e 40 segundos de duração, publicado pela Rádio Uirapuru, policiais militares aparecem quebrando material, agredindo com cassetete e dando uma “gravata” em um senegalês que comercializava óculos de sol, capas de telefone celular e outros artigos, na principal avenida da cidade. Várias pessoas aparecem protestando contra a ação, que ocorreu na tarde da última quarta-feira (22). A ação mobilizou três viaturas da Brigada Militar, policiais da bike-patrulha e do Pelotão de Operações Especiais (POE).

Leia também: Sem emprego, senegaleses no mercado informal vivem rotina de apreensões e agressões

Segundo a Comissão de Direitos Humanos de Passo Fundo (CDHPF), a ação terminou com um senegalês e um brasileiro – que tentou intervir na ação – presos por desacato a autoridade e resistência. Eles foram liberados no mesmo dia e ainda aguardam conclusão da investigação para saber se responderão a processo. Um menor de idade que também tentou intermediar ação foi algemado pela polícia e encaminhado pela delegacia, mas não chegou a ser autuado.

O presidente da Associação dos Senegaleses de Passo Fundo, Mamour Ndiaye, conta que a fiscalização da prefeitura municipal junto a comunidade de senegaleses tem se intensificado desde janeiro. Segundo Mamour, de um universo de 250 migrantes do Senegal vivendo na cidade, cerca de 15 trabalham como vendedores ambulantes. Ainda assim, ele diz que são os alvos preferenciais de fiscais.

O senegalês que aparece nas imagens sendo agredido pela Brigada Militar, por exemplo, teve as mercadorias apreendidas duas vezes na mesma semana. A primeira vez ocorreu dois dias antes do episódio registrado em vídeo. “A primeira vez foi dentro de um restaurante, quando ele estava almoçando. Na quarta feira, ele também não estava vendendo, estava indo para casa dele, segurando a mercadoria, e foi pego. Como segunda feira já tinha acontecido, ele ficou um pouco brabo e não quis entregar”, conta Mamour.

O responsável pela fiscalização, Jorge Pires, confirma as duas apreensões, mas contesta a versão do senegalês de que ele não estaria vendendo no momento em que foi abordado pelos fiscais. Pires diz que ele, inclusive, foi um dos fiscais a participar das duas ações e nas duas contou com “apoio” da Brigada Militar.

“Não houve nenhum tipo de exagero, a abordagem foi feita da maneira mais correta possível. O vídeo foi feito no final da abordagem, o cidadão se recusou a entregar essa mercadoria, nós ficamos meia hora tentando convencê-lo, mas ele não quis entregar”, diz Pires, que alega que a Brigada foi acionada para preservar a “integridade física” dos agentes. “A Brigada usou força moderada”.

 

Senegalês se recusou a entregar mercadorias e fiscais acionaram a BM | Foto: Reprodução

Caso não é isolado, segundo senegaleses

O senegalês que perdeu a mercadoria duas vezes vive há 3 anos em Passo Fundo. Até o ano passado, ele trabalhava com carteira assinada em uma fazenda na cidade. Depois que foi demitido, tendo que sustentar mulher, filho e os pais, além de pagar as próprias despesas no Brasil, começou a trabalhar como ambulante.”Ele tem uma família muito grande que está batalhando para sustentar”, diz Mamour.  “Ele não é criminoso, só estava trabalhando, não matou ninguém, não roubou ninguém. Só um trabalhador com problema com a fiscalização da cidade, ele não poderia ser tratado assim”.

Na quinta-feira, a Comissão de Cidadania, Cultura e Direitos Humanos, da Câmara de Vereadores da cidade realizou uma reunião para discutir o caso. Na ata, há a transcrição do depoimento de outro senegalês, Abdul, que conta que tirou alvará, registrou CNPJ de sua empresa, mas ainda assim teve suas mercadorias apreendidas três vezes pela fiscalização, que disse que a documentação “não valia”.

O advogado que representa os homens presos na ocasião disse que o tipo de abordagem feita, ainda que os fiscais estivessem cumprindo a lei, revela abuso de autoridade. “A gente vê pelos relatórios que existe um preconceito contra imigrantes sim, embora seja mascarado. O que tem que chamar a atenção da prefeitura agora é que precisa um novo olhar para essa questão”, diz Luís Alfredo Gallas.

A Comissão de Direitos Humanos de Passo Fundo (CDHPF) acionou o Ministério Público Estadual para que acompanhe o caso. “Já teve várias situações [envolvendo a fiscalização], mas elas são seletivas, tem acontecido só com senegaleses”, diz o presidente da Comissão, Paulo Carbonari. “Esse lugar onde foi a apreensão é em frente ao maior shopping da cidade, isso é simbólico. No momento havia muita gente na rua, as pessoas já nas outras vezes tinham reagido contra a ação dos fiscais”.

Em 2009, Passo Fundo se tornou um dos principais destinos de migrantes senegaleses no Brasil. A cidade chegou a ter a maior concentração de muçulmanos por metro quadrado no país, graças a população crescente de senegaleses. A crise econômica, no entanto, vem revertendo o quadro. Muitas vagas de emprego fecharam, obrigando os migrantes a irem embora.

“Os senegaleses não vieram fazer comércio popular, para serem ambulantes nas cidades, vieram para encontrar trabalho e sobreviver. Aqui eles tinham emprego na construção civil, na alimentação (graças a indústria de frigoríficos), mas a crise acaba vitimando os mais frágeis e eles são os mais frágeis. Acabou aumentando número de pessoas recorrendo ao mercado informal para sobreviver”, analisa Carbonari.

A reportagem buscou contato com a Brigada Militar, mas não conseguiu retorno até o fechamento desta matéria.


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