Cidades|z_Areazero
|
5 de abril de 2017
|
20:07

Em debate com vereadores, Marchezan diz que educação municipal ‘é um fracasso’

Por
Luís Gomes
luisgomes@sul21.com.br
Vereadores se reuniram com o prefeito Nelson Marchezan Jr. para discutir a crise da educação no município. Foto: Maia Rubim/Sul21

Luís Eduardo Gomes

O prefeito Nelson Marchezan Jr. (PSDB) recebeu nesta quarta-feira (5) uma comitiva de vereadores para tratar do impasse entre o Executivo municipal e professores da rede de educação criado a partir da portaria que alterou os horários das rotinas escolares. Vereadores da oposição e do bloco independente na Câmara pediram ao prefeito abertura de mais canais de diálogo para tirar as dúvidas das comunidades escolares sobre a proposta e para alcançar uma solução negociada. Por mais de duas horas, Marchezan ouviu e debateu com os parlamentares, mais foi enfático na defesa do projeto.

Durante o encontro, foram entregues ao prefeito atas de conselhos escolares com as posições de escolas sobre a reforma, o relatório da Frente Parlamentar Contra a Violência nas Escolas sobre o assunto, um dossiê com razões pelas quais as alterações pioram a atividade pedagógica e uma carta da bancada do PSOL propondo uma saída dialogada com a rede.

Apresentada em meados de fevereiro, a portaria que reorganiza os horários das escolas municipais determinou o atraso do início das aulas das 7h30 às 8h, com as refeições deixando de ser contabilizadas como horário de aula, a diminuição dos períodos de 50 para 45 minutos e do recreio de 20 para 15 minutos, a eliminação do dia de compensação dos professores titulares – que eram substituídos uma vez por semana por aulas como educação física, artes e inglês – e o fim da liberação mais cedo dos alunos em dias de reunião pedagógica, realizadas nas quintas-feiras, a partir das 10h, na maioria das escolas.

Prefeito Nelson Marchezan Jr. escuta fala dos vereadores no Paço Municipal | Foto: Maia Rubim/Sul21

Apesar dos pleitos dos vereadores, o prefeito Marchezan voltou a fazer uma defesa enfática da necessidade de aplicação da nova rotina escolar. “A Prefeitura tem uma posição clara de que os alunos precisam melhorar sua aprendizagem para que tenham um futuro de mais felicidade do que a escola municipal está dando hoje. Nós não temos dúvida de que os índices de criminalidade tem ligação direta com a falta de qualidade da educação municipal e o fator prioritário dentro da escola para melhorar isso é o professor. Por isso, uma alteração pequena de horário da entrada do aluno, das 7h30 para às 8h, amplia a atividade de aula do professor aumenta o tempo com o aluno em 3h30 por semana”, disse.

Também de forma veemente, disse que não havia duvida de que o modelo de educação municipal era um fracasso. “A situação atual é um fracasso. Não vamos abrir mão de dar alternativas para alunos que estão condenados a não aprender”, disse. Marchezan usa como base para o seu argumento o dado de que 90% dos alunos da rede concluiriam a 5ª série em um nível básico de proficiência em matemática.

Questionado sobre a situação atual da rede em meio ao impasse, o secretário municipal da Educação, Adriano Naves de Brito, diz que parte das escolas da rede municipal já aderiram aos novos horários e que outras estão em processo de adesão. Segundo ele, há reuniões marcadas, ou já realizadas, com a direção de todos os colégios até o final de abril e a expectativa é que os calendários escolares sejam homologados até maio.

Para o secretário, essa demora para a homologação dos calendários não é anormal, uma vez que, tradicionalmente, todos os anos isso aconteceria durante o curso do próprio ano letivo. Ele diz que, em 2016, algumas escolas homologaram o calendário em junho.

Vereadores do PSOL e do PT, especialmente, levaram ao prefeito e ao secretário argumentos de que a situação apresentada pela Prefeitura não condiz com a realidade da rede e propuseram a abertura de uma mesa ampla de negociações com representantes sindicais e das comunidades escolares. Marchezan afirmou que a Prefeitura sempre esteve aberta ao diálogo, mas que precisava saber quais as dúvidas que existem e quais os pontos da portaria prejudicam os alunos. Questionado se isso ainda não ficou claro nas conversas que vem sendo realizados ao longo dos últimos meses, respondeu: “O que tem sido apresentado é que querem dialogar e estamos dialogando”, disse.

Questionado se há margem para negociação para que o impasse seja superado, o secretário Brito afirmou que a Prefeitura pode se adequar à realidade de cada escola, mas não coloca na mesa de negociações que professores titulares estejam quatro horas por dia com os alunos e que as crianças não sejam liberadas para ir para casa nas quintas-feiras a partir das 10h.

Uma preocupação exposta pelos vereadores é quanto ao início das aulas. Eles ponderam que muitos pais precisam deixar os filhos na escola às 7h para irem para o trabalho e temem que, caso os colégios só abram às 7h30, as crianças fiquem desacompanhadas andes desse horário. Brito disse que a Secretaria Municipal de Educação (Smed) não delimitou que as escolas abram as portas apenas às 7h30, mas que esse é o horário mínimo.

Professor da rede municipal, Alex Fraga disse que dados da Prefeitura não são reais  | Foto: Maia Rubim/Sul21

Professor concursado da rede municipal, o vereador Alex Fraga (PSOL) disse que algumas informações que baseiam a decisão da Prefeitura “não fecham com a realidade”. “Eu sou professor concursado da rede e sou licenciado há pouquíssimo tempo, então eu conheço a realidade do trabalho de algumas das nossas escolas. Conheço praticamente 50% das escolas da rede municipal e em todas elas existem algumas características que são muito peculiares. Existem escolas no município que trabalham com blocos, então não tem o período formal de aula, é um bloco de português, um bloco de matemática, de ciências, tudo isso foi construído com muito debate na comunidade escolar”, diz. “E a aula efetivamente começa às 7h30. Só não é assim com algumas exceções, como por exemplo a educação infantil. Os pequenos do jardim têm um sistema de horário diferenciado. E esse é o horário que a Prefeitura está usando como balizador, e é errado, porque é exceção, não é a regra”, complementa.

Para Alex, então, os alunos do ensino fundamental teriam, na verdade, mais do que 4h por dia, sendo 4h30 em quatro dias para compensar as duas horas perdidas na quinta-feira em razão da reunião pedagógica. Brito, porém disse que é uma “certa falácia” que os alunos já teriam quatro horas de aula por dia. “Considerando a fala do Alex, vou conceder isso, que não é a realidade, nenhuma escola negou que os alunos almocem a partir das 11h10. Quando você começa com os alunos pequenos a ir ao refeitório. A escola se convulsiona”, afirmou o secretário.

Também professora da rede municipal, Sofia Cavedon (PT) afirmou que a educação municipal e as comunidades escolares vivem uma “situação dramática” em razão do impasse. “Objetivamente, a comunidade escolar não concorda com as mudanças”, disse.

Sofia Cavedon que proposta do governo desorganizou as rotinas das escolas | Foto: Maia Rubim/Sul21

Segundo ela, todos os conselhos escolares – formados por pais, professores, funcionários e diretores – fizeram assembleias e, em sua maioria, se posicionaram contra as mudanças. “As comunidades não acreditam e não estão convencidas de que a organização melhora a educação”, disse, salientando que, na verdade, desorganiza o que foi construído ao longo dos anos por toda a rede.

Sofia também discordou que a rede municipal da Capital é a pior do Brasil, como disse Marchezan. Ela salientou que, na verdade, Porto Alegre tem a rede mais periférica do País e atende as comunidades de maior situação de vulnerabilidade. Ainda assim, diz a vereadora, tem excelentes resultados, como na área de robótica.

Alex ainda expressou preocupação com a alteração do horário de início das aulas da Educação para Jovens Adultos (EJA), adiantado das 19h para as 18h30 com o objetivo de aumentar o período em sala de aula para quatro horas diárias. Segundo ele, isso é um problema porque a maioria dos alunos é composta por pessoas que trabalham durante o dia, geralmente afastadas de suas comunidades, e não teriam tempo de chegar à escola para o início das aulas. “Como é que o trabalhador vai sair do seu posto de trabalho e chegar na sua comunidade em meia hora? Isso vai gerar uma evasão muito grande”, diz.

Ele teme que, além do aumento da evasão de jovens adultos, isso possa refletir em suas famílias. “No momento que tu tem um exemplo na família, um pai, uma mãe, um irmão mais velho que continuam a estudar, a criança se sente também estimulada a continuar os estudos, porque veem importância naquilo. Com a evasão dessa pessoa, o referencial é perdido e podemos ter a perda de estimulação das crianças”, ponderou.

André Carús propôs a convocação do congresso municipal de educação | Foto: Maia Rubim/Sul21

Sem encaminhamentos

Não vinculado à base aliada ou à oposição, o vereador André Carús (PMDB) foi o responsável por buscar encaminhamentos para a reunião. Inicialmente, propôs a suspensão da normativa até que uma solução negociada fosse alcançada. A proposta foi recusada. Presidente da Câmara e integrante da base aliada, Cássio Trogildo (PTB) disse que não era aceitável o governo recuar de sua normativa porque a manchete que sairia na imprensa seria “Prefeitura recua”.

Diante da negativa, Carús propôs então que a Smed convocasse um congresso municipal de educação, prerrogativa existente na legislação municipal, para que as dúvidas existentes entre a comunidade escolar possam ser resolvidas, bem como soluções encontradas.

Alex Fraga disse concordar com a ideia. “Poderíamos avançar muito com o congresso e colocar as informações da Prefeitura em xeque. Eu não acredito que a Smed é a detentora da verdade”, disse.

Questionado pela reportagem sobre a possibilidade de a Smed convocar o congresso, Marchezan desconversou. A reunião, então, foi concluída, após mais de duas horas, sem um encaminhamento concreto. Nesta quinta-feira, a Prefeitura deve receber mais uma vez representantes do Sindicato dos Municipários para tratar da questão.

Reunião foi encerrada após duas horas sem encaminhamentos concretos | Foto: Maia Rubim/Sul21

Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora