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15 de maio de 2017
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16:32

TJ-RS lança campanha com ‘mitos e verdades’ sobre abuso e exploração sexual de crianças

Por
Luís Gomes
luisgomes@sul21.com.br
Lançamento da campanha de combate ao abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes no Palácio da Justiça | Foto: Maia Rubim/Sul21

Luís Eduardo Gomes

O abuso e a exploração sexual de crianças e adolescentes é o tema de um seminário promovido pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) nesta segunda-feira (15) como parte da campanha “O Problema é Nosso”, de enfrentamento a esses crimes, que ocorrem majoritariamente em ambiente doméstico. Mesmo diante de uma realidade de grande subnotificação, somente em 2016, o Disque 100, serviço da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, recebeu 77 mil relatos de violação dos direitos infanto-juvenis, sendo os crimes de abuso e exploração sexual as denúncias mais frequentes.

Uma das organizadoras do evento, a juíza-corregedora Andre Rezende Russo, Coordenadora Estadual da Infância e Juventude, destaca que, em função de a maior parte dos casos de abuso sexual contra crianças e adolescentes serem perpetrados por pessoas conhecidas das vítimas (entre 85% a 90%), a escola acaba sendo a “porta de entrada da maioria das denúncias”. “É um pai, um padrasto, um avô, um tio, um amigo da família, infelizmente. Então, essa criança não tem no seio da família um apoio, muitas vezes, ou tem medo de falar e do que aquilo vai causar no ambiente familiar. Então, ela se apoia na escola, conta para a professora, conta para uma coleguinha, a amiguinha já conta para a professora e aquilo surge no ambiente escolar”, diz.

Diante dessa realidade, um dos objetivos da campanha é conscientizar os professores de que é preciso levar à polícia todas as suspeitas de abusos. “Nós queremos capacitar os professores no sentido de que uma mera suspeita tem que ser denunciada. Não cabe à escola fazer investigação, querer primeiro investigar para ter certeza e depois levar o assunto à polícia. Não, tem que levar o assunto e caberá às autoridades policiais fazer toda a investigação”, afirma a juíza.

Juíza Andréa Rezende Russo é uma das organizadores do seminário | Foto: Maia Rubim/Sul21

Outro mote da campanha é mostrar que abuso e exploração sexual são crimes amplos, com diversas facetas, e muitas vezes cercados de mitos que não condizem com a realidade verificada pela Justiça. “As pessoas pensam às vezes que uma violência sexual contra criança ou adolescente é um estupro consumado, e não. Toques, carícias, fotografias, a pornografia em si, mostrar um vídeo para a criança de cena de sexo, fazer uma foto, tudo isso é crime sexual contra criança e adolescente. Fora a exploração sexual, que está tendo bastante também. Infelizmente, até por WhatsApp se oferece crianças e adolescentes para a prostituição. São coisa bem graves. Essa é uma realidade que está aparecendo”, afirma.

A divulgação de material pornográfico na internet é uma das áreas de preocupação da Justiça – é tema de um dos painéis do seminário. Para a juíza, é importante salientar que os ato de acessar e compartilhar imagens, mesmo que a pessoa não seja autora, também configura crime, algo semelhante com a receptação de produtos roubados.

“É importante deixar bem claro que aquela pessoa que acessa o site e vê está contribuindo e está cometendo crime quando ela divulga e passa para um amigo. Às vezes, a pessoa pena: ‘não fui eu quem tirou a foto’, ‘não fui eu quem botou ali’. Mas, se eu abri, se eu vi, se eu compartilhei, eu estou cometendo crime também, porque eu estou fomentando esse crime perverso também contra essas crianças”, diz Russo. “Não adianta dizer não fui eu quem roubou. Se tu está comprando o produto do roubo, é crime também”, complementa.

O seminário desta segunda-feira é focado em painéis voltados para as áreas jurídicas, com debates sobre a metodologia do depoimento especial, prevista na Lei 13.431/2017; a atuação do Centro de Referência no Atendimento Infanto-Juvenil (CRAI), do Hospital Materno-Infantil Presidente Vargas (HMIPV); e sobre a exploração da pornografia infantil na internet.

Durante a semana, também serão realizadas atividades de promoção do combate a esses crimes em escolas. Na sexta-feira, será realizado um trabalho de capacitação de professores das redes estadual e municipal voltado para orientá-los sobre o tema, sobre como fazer para notificar, como lidar com a mera suspeita e com denúncias, com o objetivo de que eles se tornem multiplicadores da campanha, na escola e junto às famílias.

TJ-RS desenvolveu material gráfico sobre o depoimento especial | Foto: Maia Rubim/Sul21

No próximo domingo, será realizada a distribuição do material da campanha no Parque da Redenção. Os eventos são realizados para marcar o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, 18 de maio, que lembra o sequestro, abuso e assassinato de uma menina de 8 anos no Espírito Santo em 1973.

A juíza destaca ainda que uma maneira de combater a subnotificação desses crimes é justamente propiciando que as vítimas se sintam seguras para fazer as denúncias, o que é possibilitado pelo depoimento especial, normatizado pela lei federal 13.431. Ele tem o objetivo de proteger crianças de até 7 anos e menores vítimas de violência sexual no momento da denúncia, garantindo que possam prestar depoimento em um espaço seguro e sem qualquer contato com o suposto autor, acusado ou qualquer pessoa que as ameacem. Esta modalidade também é tema de uma cartilha a ser distribuída na campanha.

Realidade no Rio Grande do Sul há 14 anos, atualmente há 45 salas voltados para esse trabalho em 44 comarcas do Estado e o objetivo é que sejam ampliadas para 86 em 81 comarcas até o final do ano, segundo o TJ-RS, que ainda informa que 101 magistrados e 152 técnicos já foram capacitados para colher estes depoimentos.

Cartilha será distribuída em escolas e ao público | Foto: Reprodução

Mitos e verdades

Para ajudar a desmistificar algumas percepções que existem na sociedade sobre o abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes, foi desenvolvida uma cartilha sobre “mitos e verdades” a respeito do tema. Entre os mitos, o material destaca noções como:

– Pessoas estranhas representam o perigo maior;

– Pedófilos podem ser identificado por características próprias;

– O autor do crime sexual é um psicopata tarado que pode ser identificado na rua;

– A criança inventa que sofreu um abuso;

– Se o menor “consente” é porque deve ter gostado e o abuso só se configura quando diz “não”;

– A agressão ocorre, na maioria dos casos longe de caso;

– O abuso sexual é facilmente identificável por evidências físicas e está associado a lesões corporais;

– O abuso sexual se limita ao estupro;

– As vítimas são oriundas de famílias pobres;

– O abuso é uma situação rara; a maioria dos casos é denunciada;

– A maioria dos pais e professores está informada sobre os crimes; é impossível prevenir o abuso.

Por outro lado, destaca verdades tais como:

– Em 85% a 90% dos casos as os agressores são pessoas conhecidas das vítimas, como pais, padrastos, parentes, vizinhos, amigos da família, babás, professores ou médicos;

– Do ponto de vista físico, o pedófilo é igual a qualquer outra pessoa;

– Os crimes são cometidos por pessoas de todos os níveis socioeconômicos, religiosos e étnicos;

– A maioria dos abusadores são heterossexuais e também mantêm relações sexuais com adultos;

– Apenas 6% das denúncias são fictícias;

– O autor da agressão sexual tem inteira responsabilidade por seus atos;

– O abuso geralmente ocorre dentro ou perto de casa, locais onde a vítima está vulnerável, e durante o dia;

– Em apenas 30% dos casos há evidências físicas;

– A violência física não é comumente usada como prática pelos abusadores, que preferem utilizar práticas de sedução e ameaças com as vítimas;

– As maiores consequências do ato sexual são psicológicas, não lesões corporais;

– O efeito nocivo para crianças fotografadas ou filmadas é enorme, mesmo quando não há contato físico;

– Renda familiar e educação não são indicadores de abuso. Famílias das classes média e alta podem, por outro lado, ter mais condições para encobrir os casos;

– A menor parte dos casos é denunciada, especialmente quando há envolvimento de familiares, seja por motivos afetivos ou medo do abusador;

– A maioria dos pais e professores desconhece a realidade do abuso sexual de crianças e adolescentes;

– A desinformação prejudica o combate a esses crimes.

Além desses mitos e verdades, a cartilha também traz informações sobre indicadores de comportamento de crianças e adolescentes que professores e pais precisam ficar atentos, já que podem ser indícios de que elas estão sendo vítimas de abusos, como mudanças comportamentais radicais, vergonha excessiva, culpa e autoflagelação, ansiedade generalizada, excitabilidade aumentada, curiosidade sexual excessiva, entre outros.

O TJ-RS desenvolveu um site especial para a campanha, que traz todo o material desenvolvido, incluindo a cartilha de mitos e verdades sobre o abuso e a exploração sexual, notícias e vídeos relacionados ao tema, informações sobre como denunciar e contatos úteis. Acesse aqui.


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