Cidades|z_Areazero
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24 de maio de 2017
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11:09

Única unidade da Farmácia Popular em Porto Alegre está prestes a fechar

Por
Sul 21
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Ministério da Saúde decidiu encerrar o financiamento de todas as 393 unidades próprias espalhadas pelo país. Foto: Maia Rubim/Sul21

Gregório Mascarenhas

“Estamos em luto pela Farmácia Popular”, diz um cartaz em frente à unidade da Rua Ramiro Barcelos – a única da rede própria do governo federal em Porto Alegre, gerida pelo curso de Farmácia da UFRGS. O fechamento estaria previsto para a metade do mês de junho, mas a professora e coordenadora do programa, Tania Alves Amador, explica que o objetivo é “prorrogar o prazo para que possamos estender o atendimento da farmácia”. O encerramento das atividades se deve à decisão do Ministério da Saúde de cessar o financiamento de todas as 393 unidades próprias espalhadas pelo país. São 28 no Rio Grande do Sul a deixar de receber as verbas de manutenção – e que provavelmente vão fechar as portas.

Tania explica que o aviso do Ministério veio recentemente: “só estabelecemos o teto [do prazo de funcionamento, para a metade do mês que vem] em função do nosso estoque, que está muito baixo. Nós não temos recebido os medicamentos e em função disso estabelecemos um prazo. A gente está entrando em contato com o Ministério, com a Fiocruz, com os responsáveis para que possamos estender um pouco mais”, disse a docente.

Seguem funcionando as farmácias privadas que têm convênio com governo, chamadas de “Aqui tem Farmácia Popular”, mas usuários, gestores e especialistas discordam da decisão e dizem que o público será prejudicado. O programa, criado em 2004, distribui medicamentos gratuitamente, através de apresentação de receita médica, ou financia até 90% do preço do remédio, e atende a cerca de 10 milhões de pessoas. “A gente acredita que uma parte da população que recebe medicamentos que fazem parte da lista do programa vão ficar desassistidas ou terão dificuldade para ter acesso”, disse Tania.

Um dos pontos mais criticados é o fato de que apenas as farmácias da rede pública dispunham de alguns medicamentos mais específicos. Embora a rede de instituições privadas que dispõe de convênios seja bem maior – são quase 35 mil farmácias por todo o país –, a diferença é que as empresas conveniadas não dispõem da maior parte da lista de substâncias que são oferecidos na rede pública. 112 medicamentos (e suas variações de dosagem ou aplicação) são oferecidos pela rede própria, enquanto as empresas conveniadas têm uma lista de 25 remédios, entre itens de distribuição gratuita (para condições como asma e diabetes hipertensão), fraldas geriátricas e substâncias subsidiadas – entre anticoncepcionais, remédios para osteoporose, glaucoma, Parkinson, dislipidemia ou rinite. A rede própria “atende a outras doenças que não são tão prevalentes mas que existe uma parcela da população que precisa desses medicamentos, e se for adquirir na rede privada vai sair muito caro. Essa que é a grande questão”, explica a coordenadora.

112 medicamentos (e suas variações de dosagem ou aplicação) são oferecidos pela rede própria, enquanto as empresas conveniadas têm uma lista de 25 remédios. Foto: Maia Rubim/Sul21

O Ministério da Saúde justifica que 90% dos usuários do programa o utilizam para adquirir medicamentos que estão na lista de distribuição gratuita – e que, portanto, não haveria necessidade de manter a rede própria, já que os mesmos são distribuídos nas farmácias conveniadas, além de que a maior parte dos gastos, de acordo com o governo, é para a manutenção das unidades da rede própria, e não com medicamentos em si.

“O programa [Farmácia Popular], em si, poderia ter sido discutido ao longo do tempo para tentar, por exemplo, não ter duplicidade de medicamentos nas duas listas. Mas de uma maneira geral as pessoas que são atendidas, especialmente aqui na nossa unidade, têm um atendimento que é diferente de outros. Ter acesso ao medicamento não significa a cura do paciente. Ele pode não aderir ao tratamento, pode não usar o medicamento da forma correta, então esse retorno do paciente nós temos aqui na farmácia – e em outras farmácias de rede própria do programa – é importante. O programa em si, como proposta é muito bom. É óbvio que como qualquer política pública, como qualquer outra atividade deveria ser reavaliado sistematicamente, e talvez ele não tenha sido, mas é um programa ao qual as pessoas se acostumaram e trouxe bastante benefício para uma parcela da população”, avaliou Tania.

No mesmo sentido, em nota publicada em abril, o Conselho Nacional de Saúde, questiona a decisão do Ministério: “é preciso, sim, fazer gestão para a melhor utilização dos recursos orçamentários e financeiros, no entanto, a dita ‘economia’ conquistada não pode restringir o acesso da população ao seu tratamento. Que a assistência farmacêutica não seja vista apenas como compra de medicamentos. Isso seria um enorme retrocesso, considerando tudo o que já se avançou”, diz o texto.

O Conselho questiona também sobre os possíveis problemas gerados pela falta de farmacêuticos da rede privada no Brasil, e que existe nas unidades da rede própria do programa: “ocorre que para se manter uma unidade destas farmácias é obrigatória a presença de profissional farmacêutico. Sabendo que isso ainda não é uma realidade na totalidade dos estabelecimentos que dispensam medicamentos, nos diversos municípios brasileiros, questionamos: qual será o impacto desta medida, considerando a ausência deste profissional, já que sua unidade será encerrada?”.

“A gente se vê obrigada a escolher qual remédio comprar”

Usuários da farmácia entrevistados pelo Sul21 mostraram indignação com a decisão do governo Temer. Para a cozinheira Ana Cristina Verfe – que busca remédios para o pai e o marido –, é uma das poucas opções acessíveis às quais a população tem acesso. “Os remédios de R$ 20 saem por um ou dois reais. Não consegui remédio nas farmácias [privadas que têm convênio]; dos muitos do meu pai, poucos há. Aí a gente se vê obrigada a pagar mais em outros lugares ou escolher qual remédio comprar”, lamenta.

Serli Wrubel, professora aposentada da rede estadual, elogia a Farmácia Popular da Ramiro Barcelos: “é um lugar central, organizado, não deixa a desejar”. Foto: Maia Rubim/Sul21

Serli Wrubel, professora aposentada da rede estadual, elogiou o serviço da Farmácia Popular e também lamentou a determinação do Ministério: “tem tanta coisa para ser feita e resolvem cortar justo o que está ajudando o povo. A Farmácia Popular é um lugar central, organizado, não deixa a desejar. Utilizo há cinco anos e terei que ir, a partir de agora, ao Posto Modelo [centro de saúde que fica no bairro Santana], mais longe e onde às vezes não há alguns medicamentos. A farmácia [conveniada] mesmo não tem o meu medicamento, só há nos postos distritais.

Antônio Carlos Machado, policial militar, também relatou dificuldade para comprar seus medicamentos na rede conveniada: “é um absurdo, o único lugar que pobre pode ter medicamento. O meu, por exemplo, não está disponível nas outras farmácias [as conveniadas].”

Foto: Maia Rubim/Sul21

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