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18 de novembro de 2017
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15:30

Movimento da População de Rua questiona ausência de abordagem social em ações da Guarda Municipal

Por
Sul 21
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Ação da Guarda Municipal identifica homem foragido e encaminha-o para a delegacia | Foto: Joel Vargas/PMPA

Fernanda Canofre

Desde o dia 06 de novembro, quando uma menina de 15 anos foi estuprada no Parque Farroupilha (Redenção), a Guarda Municipal de Porto Alegre deu início a uma série de ações e abordagens de revista, em parques e viadutos da região central da Capital. O trabalho é feito pela Ronda Ostensiva Municipal (Romu) em coordenação com a Brigada Militar, em busca de “garantir a segurança da população”, segundo o site da Prefeitura Municipal.

“Como aconteceu em um espaço municipal, um espaço em que a gente trabalha, isso foi também uma resposta para mostrar à sociedade que não estamos de braços cruzados”, afirma o coordenador da Romu, Glauber Silvestre Zílio.

O secretário municipal de Segurança de Porto Alegre, Coronel Kléber Senisse, diz que a única diferença entre as ações das últimas semanas e o trabalho que vem sendo feito desde o início do ano é o foco na região central da capital. “O que tem sido feito agora é esse trabalho específico na região do Centro e arredores, com pessoas que moram na rua e que fazem parte da cadeia criminosa. O trabalho que a Guarda está fazendo, neste momento, é um trabalho mais intenso em localizar armamento, pessoas desaparecidas, fugitivos da Justiça, situação de pessoas envolvidas com tráfico de drogas, em apoio à Brigada Militar e à Polícia Civil”, explica.

No primeiro dia da ação, um homem de 30 anos, com seis passagens pela polícia, incluindo roubo a pedestres, foi capturado na Cidade Baixa. Dois dias depois, a Secretaria Municipal de Segurança Pública noticiava a apreensão de “três foragidos, facas e celulares pela Romu”. Até o dia 14, a Romu contabilizava apreensão de 17 facas, nove celulares, um simulacro de revólver, nove prisões efetuadas, entre elas, cinco foragidos do sistema prisional. Na madrugada desta quinta-feira (16), um traficante foi detido na Praça XV, com apoio do serviço de videomonitoramento da BM. O homem também estava foragido.

“Não podemos admitir que, no Centro da cidade, os traficantes tomem conta de uma área que não é deles”, diz Zílio, em uma matéria do próprio site da Prefeitura Municipal.

Uma das notícias das ações, assinada pela PMPA, diz que os guardas municipais realizaram a “identificação dos moradores de rua e vasculharam os pertences e colchões em busca de armas e de objetos roubados, além de drogas”. Zílio garante que as abordagens não são agressivas. A Ronda estaria tomando o cuidado de filmar todas elas para provar isso. Ele diz ainda que o grupo não recolhe pertences pessoais das pessoas em situação de rua, já que isso estaria além de sua competência.

O coordenador também explica que, “ninguém quer criminalizar a população de rua, mas trabalho do serviço de inteligência da Brigada Militar teria apurado que traficantes e assaltantes estariam se escondendo entre pessoas em situação de rua”. Por isso, as abordagens estão sendo feitos junto a eles. “Como não tem plaquinha que diga ‘morador de rua’, ‘bandido’, a gente acaba tendo que fazer a abordagem com todos”, afirma ele.

Viaduto da Borges, onde se concentram várias pessoas em situação de rua, foi um dos pontos de ações da GM | Foto: Divulgação/PMPA

O que diz o Movimento da População de Rua

Para a educadora social e apoiadora do Movimento Nacional da População de Rua (MNPR), Veridiana Farias Machado, a justificativa apresentada para as abordagens é um discurso que se repete. “A gente sabe que tem a questão do tráfico, mas as pessoas em situação de rua estão sendo vítimas do tráfico também. O que eu não entendo é a Guarda Municipal fazer isso, sem nenhuma outra política para oferecer”, diz ela.

O Movimento também questiona o fato de a Guarda Municipal não participar mais das reuniões do Comitê Municipal de Acompanhamento e Monitoramento das Políticas para as Pessoas em Situação de Rua. Criado a partir de um decreto, publicado durante o governo de José Fortunati (PDT), quando Porto Alegre aderiu à política nacional para pessoas em situação de rua, o comitê serve como espaço de discussão das questões ligadas à essa população.

Outro problema, apontado pelo MNPR, seria o fato da Guarda fazer as abordagens sozinha, sem acompanhamento de equipes preparadas para a função da Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc). Procurada pela reportagem, a Fasc diz que não recebeu solicitação para participar. O coordenador da Romu, por sua vez, diz que a Prefeitura tem um projeto de ação integrada entre várias secretarias, para abordagens, mas ele ainda estaria em discussão.

Segundo Veridiana, o trabalho integrado entre Guarda e Fasc poderia auxiliar no reconhecimento de pessoas que estão em situação de rua e quem pode estar “infiltrado”, já que a assistência social mantém registros de acompanhamentos das pessoas que vivem nos locais onde a Guarda tem feito revistas.

“Com acompanhamento social, que eles acessem os prontuários da Fasc e perguntem: vocês acompanham essa pessoa? Claro que pode ter pessoas foragidas, porque a rua não é um mundo fora do nosso mundo. Essas pessoas estão ali, porque não tem nada, nem aluguel social. Tudo o que a gente problematiza e discute é para saber o que mais [que outras ações] além disso?”, defende Veridiana.

Para o secretário Senisse, no entanto, a presença da Fasc não estaria ligada ao objetivo das ações. “A ação não é referente ao morador de rua. A ação é contra o crime, contra pessoas que são fugitivas do sistema penal, que possuem porte irregular de arma branca ou arma de fogo, que estão envolvidas com certos delitos, que fazem parte de um sistema de tráfico de drogas. A preocupação, em nenhum momento, foi com o morador de rua, de tirá-lo de determinado local e levá-lo a um local específico. A ação não é contra o morador de rua ou para trazer benefício para o morador de rua. A ação é para diminuirmos o número de ocorrências policiais nessas regiões”, disse ao Sul21.

Sobre a Romu

Criada em março de 2017, a Romu teria sido uma adequação da Prefeitura Municipal à lei do Estatuto Geral das Guardas Municipais, sancionada em 2014 por Dilma Rousseff (PT). Os municípios teriam dois anos para organizar suas GMs dentro da previsão da lei. Atualmente, a Romu conta com um efetivo de 60 guardas, divididos em quatro turnos.

Em Porto Alegre, no entanto, a Ronda acabou ficando vinculada a ações de repressão aos protestos de servidores municipais contra o governo de Nelson Marchezan Júnior (PSDB). O caso mais recente teria sido em um protesto organizado por municipários, na Restinga, onde o prefeito inaugurava um complexo cultural e esportivo. Nas imagens, os guardas da ronda usam spray e apontam armas de choque contra os manifestantes.

https://www.facebook.com/tvrestinga/videos/1851865148174678/

Na próxima semana, o Movimento da População de Rua quer articular uma reunião junto à Defensoria Pública do Estado (DPE), para convidar a Guarda a prestar esclarecimentos e definir como as abordagens podem ser conduzidas.


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