Cidades|z_Areazero
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3 de janeiro de 2018
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15:24

Moradores denunciam abandono de obra de mais de R$ 2 milhões na Lomba do Pinheiro

Por
Luís Gomes
luisgomes@sul21.com.br
CEU da Lomba do Pinheiro foi abandonado após estar com mais de 80% de sua obra concluída | Foto: Divulgação

Luís Eduardo Gomes

Em 2009, lideranças comunitárias da Lomba do Pinheiro se reuniram com representantes do Ministério da Justiça para pleitear a construção de um centro cultural e esportivo no bairro, localizado na zona leste de Porto Alegre, com o objetivo de ser um espaço que atraísse jovens locais para realizar atividades que os impedissem de seguir o caminho da criminalidade. A partir de um convênio firmado entre a Caixa Econômica Federal e a Prefeitura de Porto Alegre, o Centro de Artes e Esportes Unificados (CEU) da Lomba do Pinheiro começou a ser construído em 2013, mas a obra foi paralisada pela empresa responsável ao final de 2015, quando já estava 80% concluída e mais de R$ 2 milhões há haviam sido investidos. Uma sala de cinema, inteiramente equipada, já estava concluída, bem como pista de skate, quadra esportiva e outros espaços. Passados dois anos, os moradores agora denunciam que a estrutura se encontra em situação de completo abandono, tendo sido alvo de diversos saques e atos de vandalismo, o que faz com que grande parte do trabalho que já havia sido feito precise ser refeito. Ainda assim, Prefeitura promete retomar e concluir a obra ainda no primeiro semestre de 2018.

Vosmar Nascimento Viana, líder comunitário e coordenador do Fórum de Segurança da Lomba do Pinheiro, é quem conta que o CEU era uma reivindicação dos moradores da Lomba do Pinheiro para ser um espaço onde seriam realizados projetos sociais para enfrentar a epidemia de drogas e de violência na região, que atingiriam cerca de dois mil jovens do bairro. No entanto, de um exemplo de que as reivindicações da comunidade podem dar resultado, acabou se tornando justamente o contrário. “Aquilo ali foi um exemplo de conquista para a juventude, que agora está vendo que foi um projeto que foi por água abaixo. Fica complicado para a comunidade”, diz.

Bruno Jacques Jorge, líder comunitário e conselheiro municipal da Cultura da Lomba do Pinheiro, diz que a estrutura do CEU está completamente depredada. O equipamento da sala de cinema que já estava montada foi todo roubado, bem como a fiação e a caixa de luz já instaladas para alimentar o local, vasos sanitários, cerâmica, vidros, estruturas das janelas, etc. “Antes estava 80% concluída, agora inverteu, deve estar 80% destruída. A cada dia roubam mais, só restou a parte estrutural, na verdade”, diz, acrescentando ainda que o local se tornou um ponto de consumo de drogas e prostituição. “É uma tristeza ter um espaço que tinha sido conquistado com uma verba federal agora estar totalmente destruído”, complementa.

Sala de cinema do CEU foi totalmente vandalizada | Foto: Divulgação

Mesmo com a obra não encerrada, após a paralisação, em dezembro de 2015, lideranças comunitárias passaram a utilizar parte do terreno do CEU e do centro cultural que fica atrás da construção para realizar projetos sociais e práticas esportivas, como torneios de futsal feminino, capoeira, dança, atividades para idosos, ensaios da escola de samba Mocidade da Lomba do Pinheiro.

Vosmar destaca que o vandalismo começou depois que a segurança privada contratada pela empresa deixou o local – a Guarda Municipal realiza rondas no local, mas os moradores dizem que há apenas uma patrulha para atender o bairro todo -, mas que a depredação aumentou quando a comunidade foi impedida de continuar realizando essas atividades. Segundo ele, gestores do Centro de Relações Institucionais e Participativa (CRIP) fizeram a troca de chaves do local em meados do ano passado. Ele ainda diz que um grupo de lideranças da Lomba chegou a se disponibilizar para concluir a obra em parceria com empresários que atuam na região, mas que não receberam permissão para isso. “A gente está mais chateado com o pessoal do CRIP Lomba, que não fez nada e não deixou a comunidade fazer”, diz.

Bruno concorda que os atos de vandalismo e depredação aumentaram quando lideranças comunitárias foram impedidas de continuar realizando atividades nos espaços que já estavam concluídos. “Enquanto o pessoal estava usando para atividades como futsal, capoeira, eles ajudavam a cuidar e observar a Praça CEU. No momento que foi proibido, aí ficou meio abandonado e aumentou a depredação no centro. Se tivessem permissão para continuar, obviamente diminuiriam a depredação”, afirma o líder comunitário.

Por meio de sua assessoria, a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social e Esportes (SMDSE), responsável atual pela gestão do acordo com a Caixa – firmado com a exinta Secretaria Municipal de Esportes (SME) -, diz que as chaves da estrutura foram trocadas após vistoria de fiscais da obra, uma vez que a estrutura ainda é considerada como um canteiro de obras e, portanto, seria irregular a realização de atividades no local. Há uma reunião agendada para o dia 15 de janeiro no CRIP da Lomba, com representantes da Caixa e da comunidade, para definir como será feito o cercamento do local para garantir a segurança até que a obra seja retomada.

Quadra esportiva e pista de skate ainda estão sendo utilizadas | Foto: Divulgação

Atualmente, a quadra esportiva e a pista de skate ainda continuam sendo utilizadas, mas não por iniciativa de lideranças comunitárias. Vosmar diz que, por exemplo, foi necessário alugar outro espaço para a realização do campeonato de futsal feminino da Lomba, que envolve mais de 250 meninas em idade escolar do bairro e arredores.

Prefeitura promete concluir obra em 2018

As obras no CEU da Lombra do Pinheiro iniciaram em 2013, na gestão de José Fortunati (PDT), com previsão de encerramento em junho de 2016. No entanto, foram interrompidas em dezembro de 2015 após a empresa alegar que não estava recebendo os pagamentos. Os recursos, no valor de R$ 2,2 milhões, eram oriundos da Caixa, sendo o município responsável apenas por fazer o repasse de recursos e realizar melhorias no entorno da obra, que seriam necessárias para a liberação de recursos pelo banco para a empresa.

Os contratos para o término do CEU foram retomados apenas depois que a gestão Nelson Marchezan Junior (PSDB) assumiu, em janeiro de 2017, mas o contrato com a empresa foi rompido em março. Em audiência na Comissão de Educação, Cultura, Esporte e Juventude (Cece) da Câmara, realizada em 18 de abril passado, o diretor de obras prediais, Alexandre Cavagni, responsável pela fiscalização do CEU, informou que uma primeira licitação para a conclusão da obra havia dado deserta e que a Secretaria Municipal de Infraestrutura e Mobilidade Urbana (Smim) estava levantando um novo orçamento e que após sua aprovação seria realizada uma nova licitação, com previsão de retomada da obra em até 180 dias após o início desse processo.

A estimativa passada durante a reunião na Câmara era de que o município deveria desembolsar cerca de R$ 360 mil como contrapartida para a conclusão da obra e a Caixa mais R$ 500 mil. Na ocasião, a então secretária municipal de Desenvolvimento Social e Esportes, Maria de Fátima Paludo, informou que a Prefeitura tinha interesse em concluir o CEU. “Nós devemos resgatar a nossa juventude enquanto há tempo. A comunidade precisa e nós devemos isso ao povo de Porto Alegre”, afirmou. Uma resolução federal determina que, se a obra não for concluída até 2018, a Prefeitura deve reembolsar a Caixa nos valores já investidos, cerca de R$ 2,2 milhões.

Por meio da assessoria de imprensa, a atual gestão da SMDSE informou nesta terça-feira (2) que encontrou a obra em situação de abandono e que já foi encaminhado para a Caixa um novo cronograma para a conclusão do CEU e que a Caixa tem 30 dias para dar seu parecer, o que permitiria a realização de uma nova licitação. A previsão é de que a obra seja retomada e concluída ainda no primeiro semestre. Segundo a pasta, não há previsão de a Prefeitura ter que ressarcir a Caixa pelos recursos já investidos, uma vez que foi encaminhada a prorrogação do prazo de contrato, que agora vai até 31 de agosto deste ano.

Obra estava 80% concluída, mas se encontra em estado de completo abandono | Foto: Divulgação

A reunião na Câmara foi motivada por uma denúncia feita pela vereadora Sofia Cavedon (PT). No último sábado, ela retornou ao local e diz que a situação está muito pior do que no início de 2017. “Tudo que foi possível retirar, foi retirado. Vaso sanitário, todos os investimentos de acabamento, esquadrias, tudo foi retirado, tudo material caro. Só ficou o grosso, o material bruto. Tive vontade de chorar quando soube disso”, diz. “É um prejuízo material, mas também é um prejuízo de direitos. Aquele lugar era para estar funcionando a pleno, com oferta de esportes e cultura para a comunidade”, complementa.

Para a vereadora, um dos motivos que levou à degradação da obra foi a falta de acompanhamento após a extinção da Secretaria de Esportes e sua absorção pelo Desenvolvimento Social. “A secretaria ficou com um grande guarda-chuva para cuidar, tem que dar conta da assistência social, habitação, acessibilidade, trabalho. Tudo está ali. O que aconteceu? Não teve cuidado com a obra. Se tivesse uma Secretaria de Esportes, duvido que não estivesse mais ligada. Não justifica o abandono, mas é uma das razões”, avalia Sofia.

No início da tarde desta quarta (3), a vereadora e lideranças da região irão protocolar no Ministério Público Federal a denúncia de desperdício de dinheiro público com o abandono e degradação do CEU da Lomba. Às 17h30, se reunirão com o procurador-geral do Ministério Público de Contas do RS, Geraldo Costa Da Camino, para tratar da mesma situação.

Bruno Jorge diz que circula entre os moradores o comentário de que a Prefeitura não tem interesse em concluir a obra porque preferiria repassar o terreno e os espaços públicos nos arredores, uma área de 4 hectares, para a iniciativa privada construir um condomínio fechado, aos moldes de outros que têm se proliferado pelo bairro nos últimos anos. “O comentário na Lomba é que vão fazer um condomínio de luxo”, diz.

Foto: Divulgação
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