Opinião
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14 de outubro de 2018
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10:53

A noviça rebelde: não podemos relativizar o ódio (por Alexandre Vidor)

Por
Sul 21
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A noviça rebelde: não podemos relativizar o ódio (por Alexandre Vidor)
A noviça rebelde: não podemos relativizar o ódio (por Alexandre Vidor)
Capitão Von Trapp rasga bandeira nazista, no filme “A Noviça Rebelde”. (Reprodução)

Alexandre Vidor (*)

Hoje minha filha de 11 anos pediu que assistíssemos a um filme juntos. Selecionando os títulos, ela se interessou pelo musical “A noviça rebelde”, um dos maiores clássicos do cinema, ganhador do Oscar em 1966. Imediatamente me veio à lembrança a gostosa sensação de ouvir aquelas lindas canções, na voz inconfundível de Julie Andrews e de toda a “família Von Trapp”.

Assisti a esse filme uma dezena vezes. Mas foi a primeira vez que fui tomado por sentimentos que nunca havia sentido ao revê-lo. O contexto do filme, final da década de 30, mostrava uma Áustria prestes a experimentar o nazismo alemão. Ao ver o Capitão Von Trapp cantar “Edelweiss”, canção que virou símbolo patriótico contra a ocupação nazista, fui tomado por uma tristeza profunda. O que eu via apenas em filmes que retratam o nazismo em alguma dimensão, hoje começo a ver tomando as ruas do Brasil.

Aquela suástica estampada em bandeiras hasteadas, essa semana vi marcada no corpo de uma jovem porto-alegrense, agredida e marcada com canivete por 3 ativistas do candidato à presidência Jair Bolsonaro, pelo simples fato de estar usando uma camiseta com os dizeres “#EleNão” e o símbolo do arco-íris LGBT. Embora o delegado de polícia responsável pelo caso tenha assegurado em entrevistas que se tratava de um símbolo budista, prefiro confiar nos livros e no conhecimento que tenho da prática de cada filosofia/ideologia. Não consigo imaginar três trogloditas (budistas!) espancando uma menina e tatuando a corte “um símbolo de amor budista” em sua barriga. Alguém consegue??? Somente um mentecapto, voluntário ou involuntário, chegaria a tal conclusão. E não é um fato isolado. Há alguns dias, o mestre de capoeira Moa do Katendê foi morto com 12 facas (a maioria nas costas), após declarar seu voto no PT e ter discutido com o seu assassino, ativista de Jair Bolsonaro. O próprio candidato foi vítima de um ataque recentemente, brutalidade que deve ser rechaçada. O fato é que a origem de tudo isso passa pela disseminação do ódio e da intolerância.

Uma pesquisa inédita realizada pela Open Knowledge Brasil, publicada no sitio eletrônico da Folha de São Paulo e do prestigiado El País, revela que houve pelo menos 50 ataques nos últimos 10 dias, com motivação política, executados por ativistas de Bolsonaro contra pessoas que não comungam de seus ideais. E a tendência é aumentar. No momento em que o líder das pesquisas à presidência propaga uma mensagem de intolerância e ódio a determinados segmentos sociais, com anúncios públicos de defesa à tortura, ao homicídio (como fez em comício no Acre), à misoginia, à homofobia, ao racismo, e principalmente aos indivíduos que defendem posicionamento ideológico contrário ao seu, acaba legitimando todo o tipo de agressões, como as que estamos presenciando nas ruas.

E assusta a relativização e o desdém com que seu eleitorado trata do tema. Conheço inúmeras pessoas que apoiam o Jair … e são pessoas boas! Não comungam do senso de discriminação disseminado por ele … e me pergunto o porquê. Bolsonaro dá voz aos indignados com a corrupção, embora estejamos vivenciando o período de maior combate a esse mal que assola o país. A descrença das pessoas nas instituições também tem levado ao acirramento e polarização das relações políticas. A sociedade clama por mudanças. A questão a se verificar é o tipo de sociedade que queremos ser. Que sociedade seremos se a construirmos alicerçada em princípios e valores baseados na intolerância e no ódio? Que sociedade seremos se não tratarmos homens e mulheres, negros e brancos, homossexuais e heterossexuais com igualdade?

Confesso que ao ouvir “Edelweiss” me emocionei. Chorei. Um choro inicialmente constrangido e que foi notado pela minha filha. Ela me perguntou o motivo e eu disse:

– Não é uma “fraquejada” do pai, minha filha … chorar não é errado.  Assim como aquele pai do filme deseja o melhor para sua família e seu país, eu também quero isso para todos nós. Quero que cresça num mundo sem intolerância … sem ódio. E hoje tem muito ódio nas ruas.

Penso que existem momentos decisivos na história das sociedades. Estamos diante de um. Podemos escolher fortalecer nossa jovem democracia e dar um voto de confiança às pessoas e às instituições; ou podemos escolher a barbárie. Ainda há tempo para acreditar e apostar num Brasil de todos. Muitos foram os militares que governaram o país. Uma quantidade imensa! Deu certo? Talvez seja a hora de elegermos o primeiro professor de carreira para governar o Brasil. Educação e magistério sempre andaram de mãos dadas. O militarismo no Brasil, costuma andar de mãos dadas com o que?

(*) Professor do IFRS e advogado licenciado

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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