Opinião
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30 de outubro de 2018
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17:37

Realidade em abismo (por Marcelo Danéris)

Por
Sul 21
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Realidade em abismo (por Marcelo Danéris)
Realidade em abismo (por Marcelo Danéris)
Foto: Guilherme Santos/Sul21

Marcelo Danéris (*)

Não devemos nos desesperar, tampouco, subestimar o que está por vir. É imperioso compreender a “nova” realidade que se apresenta ao Brasil desde o último domingo, com a eleição de Jair Bolsonaro para presidente, carregada de significados extremamente graves para o país.

Em uma nota, é correto afirmar que o Brasil não é um país majoritariamente fascista, apesar da aparente guinada à extrema direita. Todavia, isto estará posto como um risco real se do campo concreto e simbólico da disputa política cotidiana a esquerda democrática e os segmentos progressistas, em geral, se ausentarem por cansaço ou desilusão.

Sabíamos, da mesma forma, que quando Lula e Dilma se elegeram, e se reelegeram, presidentes (2002; 2006; 2010 e 2014), o país não havia se tornado uma nação socialista, nem socialdemocrata. Em uma hipótese provável, compartilhava-se a ideia difusa de um capitalismo social-desenvolvimentista, orientado pelo pacto “ganha-ganha”, para cima e para baixo, tão estratégico para o imediato, quanto ilusório para o futuro.

A crise chegou e o pão supostamente compartido por todos não era mais suficiente, fazendo ressurgir, revigorada, a luta de classes, enganosamente superada nos anos de prosperidade com Lula.

Claro, isso não explica tudo. Com ela, também transbordou do ralo moral da sociedade brasileira toda sorte de preconceitos, racismos, machismos, violências, fanatismos, ódios políticos e sociais antes contidos. E ainda, em uma convergência perversa, encontrou-se com o novo ciclo de acumulação capitalista, pós crise econômica de 2008, impondo aos países, por meio do sistema financeiro global, sua agenda de reformas, austeridade e ajuste fiscal, por cima dos estados nacionais, por fora da democracia.

As consecutivas vitórias da esquerda, com o PT, despertaram a ira da elite do atraso e liberaram o germe do fascismo, que foi alimentado permanentemente nos últimos anos, e inoculado cuidadosamente em setores expressivos da sociedade, especialmente, da classe média. Não fomos capazes de interpretar os sinais corretamente. Talvez nem eles mesmos. Bolsonaro era, então, apenas uma piada de mal gosto. A aliança entre dinheiro e intolerância venceu a esperança, embalados também nos erros do próprio PT e de seus governos.

A redemocratização do Brasil, em 1985, após 21 anos de ditadura, não era, portanto, a unção dos enfermos sobre todos aqueles que sustentaram o antigo regime, como imaginavam alguns, nem fez desaparecer os interesses de classe e o poder da oligarquia proprietária. Assim, após 33 anos desde a redemocratização, as máscaras caíram e o teatro de aparências de um Brasil tolerante, cordial e pacífico se desfez. A segunda morte de Sergio Buarque de Holanda e Gilberto Freyre.

Estamos nus diante de todos.

Infelizmente, a vida deverá piorar muito antes de começar a melhorar. Reconquistar consciências para uma nova sociedade, ou resgatar parte da que outrora existiu, não ocorrerá em poucos dias. Cruzaremos o deserto, é certo.

Mas para esta travessia, se equivocam aqueles que acreditam no efeito pedagógico que o governo Bolsonaro poderá ter sobre a população quando esta sofrer com a perda de direitos, a venda do patrimônio, o ataque às conquistas civilizatórias, a concentração de renda, a violência e a repressão. Um grave erro. A pedagogia do atraso leva a mais atraso.

O golpe contra Dilma e o posterior governo Temer estão presentes em nossa memória recente para provar que, infelizmente, o Brasil não despertou do transe conservador, nem alcançou uma consciência política superior após esta experiência desastrosa.

Apostar em certa passividade à espera de que as medidas de Bolsonaro surtam efeito sobre as mentes dos desesperados resultará em mais retrocessos, e provavelmente, em mais violência. Ou seja, se manterá o curso constante desta realidade em abismo que estamos experimentando, particularmente, nos últimos três anos.

Acredito que nossa própria história aponta para a resistência. Será mais eficaz resistir agora, combater o governo Bolsonaro cada dia, em cada medida, em cada signo, em cada palavra que lança valores torpes sobre à sociedade, enfrentando-o nas escolas, nas fábricas, no campo, na cidade, na mídia, nas redes, nas ruas.

E é bom saber que se hoje o amanhã parece incerto, é certo que amanhã estaremos juntos.

(*) Cientista político

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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