Franklin Cunha (*)
Em Crítica da Violência, Walter Benjamin estabelece dois tipos de distinções: uma entre a violência fundadora do direito e violência mantenedora do direito. E outra, ente violência mítica e violência divina. A violência origina um sistema de direito, é a violência fundadora que atua sem precisar de justificação. São os costumes, os hábitos aceitos a priori por todos. Pensando nos gregos, Benjamin afirma que “o destino produzo direito, mas o faz primeiro manifestando a fúria dos deuses”. E essa fúria que toma a forma do direito não serve para nenhum fim particular, se constitui num puro meio e seu fim se reduz apenas à própria manifestação.
Aqui Benjamin recorre ao mito de Níobe a primeira mortal amada por Zeus a qual cometeu o erro de dizer que por ser muito fértil, era superior a Leto a deusa da fertilidade. Níobe ofendeu profundamente Leto e também buscou por meio de sua fala destruir a distinção entre deuses e humanos o que agravou sua disputa com a divina Leto. Mas o castigo veio logo: Artemis e Apolo logo se encarregaram de matar todos os sete filhos de Níobe como punição por sua afirmações atrevidas e ultrajantes. Na interpretação de Benjamin esses deuses vingadores vieram confirmar um direito. O destino vence a batalha e o resultado do triunfo do destino é justamente o estabelecimento do próprio direito. Em outras palavras, o mito de Níobe significa a violência instauradora do direito porque os deuses reagem a uma injúria estabelecendo um direito. O direito é a consequência específica de um ato de fúria que responde a uma injúria, mas nem a injúria nem a fúria estavam antes citadas e circunscritas pelo direito.
Essa fúria atua para marcar Níobe como culpada e é então castigada sendo transformada numa rocha inerme e inerte. O direito, portanto, petrifica o sujeito e interrompe a vida quando a culpa é estabelecida. Embora Níobe continua viva, fica paralisada e se torna permanentemente culpada. Ela é parcialmente enrijecida na culpa e pela culpa e será inteiramente morta se não fosse a permanência apenas de suas lágrimas de dor e de horror.
Quando Gramsci despertou a fúria dos legisladores fascistas, Mussolini, o empedrou num cárcere dizendo que um cérebro tão poderoso não poderia ficar livre. Quando Lula despertou a fúria do primário fascismo verde-amarelo e enfrentou o destino, tentaram, como com Níobe transformá-lo numa pedra calando-o para sempre. Acontece que nem Gramsci nem Lula seguiram o roteiro do mito grego e não caíram em lágrimas como a pobre e desamparada Níobe. Seus poderosos cérebros não se deixaram destruir pela fúria de um direito teratológico. Gramsci até hoje vive no imaginário de lúcidos pensadores e trabalhadores que se orientam nas cartas políticas que escreveu no cárcere. Lula, ainda no cárcere, vive através da esperança de milhões de humildes brasileiros que o teriam eleito se livre fosse e que logo o libertarão ao raiar de um breve e novo dia.
(*) Médico, membro da Academia Rio-Grandense de Letras
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