Da RBA
A Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns – Comissão Arns divulgou nesta sexta-feira (9) nota de repúdio a afirmações do vice-presidente da República, o general Hamilton Mourão, em que elogia o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra como “um homem de honra, que respeitou os direitos humanos dos seus subordinados”.
As declarações de Mourão foram dadas em entrevista ao programa de TV ‘Conflict Zone’, da rede alemã Deutsche Welle. Ustra é um nome reconhecidamente ligado aos porões da repressão durante a ditadura civil-militar no Brasil. Ele atuou no Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna (Doi-Codi). No período, foram contabilizadas 434 mortes e desaparecimentos no país, segundo a Comissão Nacional da Verdade.
Confira a íntegra da nota:
Em nota pública, a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns – Comissão Arns manifesta seu mais veemente repúdio à declaração do vice-presidente da República, Hamilton Mourão, em entrevista para a rede alemã Deutsche Welle, de que o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra foi “um homem de honra, que respeitou os direitos humanos dos seus subordinados”. As palavras do vice-presidente, que é um general reformado do Exército, não apenas desonram as Forças Armadas, como agridem a dignidade dos que padeceram nas mãos desse torturador já condenado pela Justiça.
Não é de hoje que autoridades do atual governo exaltam a figura macabra do ex-chefe do DOI-Codi do 2º Exército, em São Paulo, de cujos porões emergiram inesquecíveis relatos de terror e sadismo contra cidadãos brasileiros. Para se ter ideia da barbárie autorizada como política de Estado, entre 1970 e 1974, a Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo, liderada por Dom Paulo Evaristo Arns, patrono da Comissão Arns, reuniu mais de 500 denúncias de tortura no DOI-Codi comandado por Ustra.
Passaram-se mais de 30 anos para que, finalmente em 2008, Ustra fosse reconhecido como autor de sequestro e tortura, em ação declaratória movida pela família Telles, cujos membros puderam sobreviver para testemunhar as crueldades perpetradas por esse militar e seus “subordinados”, nos porões da ditadura.
Hoje e sempre, serão inaceitáveis homenagens a esse violador da Carta Constitucional de 1967/9, do Código Penal Militar de 1969 e das Convenções de Genebra de 1949, como documentado no Relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV).
Ao proferir tais elogios, Hamilton Mourão conspurca, de saída, a honra dos militares brasileiros. Ao fazê-lo na condição de vice-presidente, constrange a Nação e desrespeita a memória dos que tombaram sob Ustra. E, ao insistir em reverenciar o carrasco, fere mais uma vez o decoro do cargo em que foi investido sob juramento de respeitar a Constituição. É ela que nos ensina: “Tortura é crime inafiançável, insuscetível de graça ou anistia”.
São Paulo, 9 de outubro de 2020
Margarida Genevois, presidente de honra da Comissão Arns
José Carlos Dias, presidente da Comissão Arns, ex-coordenador da Comissão Nacional da Verdade
Paulo Sérgio Pinheiro, ex-presidente e membro da Comissão Arns, ex-coordenador da Comissão Nacional da Verdade
Ailton Krenak, líder indígena e ambientalista
André Singer, cientista político e jornalista
Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, advogado, ex–presidente da OAB-SP
Belisário dos Santos Jr., advogado, membro da Comissão Internacional de Juristas
Cláudia Costin, professora universitária, ex-ministra da Administração
Dalmo de Abreu Dalari, advogado, professor emérito e ex-diretor da Faculdade de Direito da USP
Fábio Konder Comparato, advogado, doutor Honoris Causa da Universidade de Coimbra, professor emérito da Faculdade de Direito da USP
José Gregori, advogado, ex-ministro da Justiça
Laura Greenhalgh, jornalista
Luiz Carlos Bresser-Pereira, economista, ex-ministro da Fazenda, da Administração e da Reforma do Estado
Luiz Felipe de Alencastro, historiador, professor da Escola de Economia da FGV-SP e professor emérito da Sorbonne Université
Manuela Ligeti Carneiro da Cunha, professora da USP e da Universidade de Chicago, ex-presidente da Ass. Bras. De Antropologia
Maria Hermínia Tavares de Almeida, cientista política, professora titular da Universidade de São Paulo
Maria Victoria Benevides, socióloga e cientista política, professora titular da Faculdade de Educação da USP
Oscar Vilhena Vieira, jurista, professor da Faculdade de Direito da FGV-SP
Paulo Vannuchi, jornalista, cientista político, ex-ministro de Direitos Humanos
Sueli Carneiro, filósofa, feminista, ativista antirracista e diretora do Geledés